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Definição
A diarreia aguda pode ser definida pela ocorrência de 3 ou mais evacuações amolecidas ou liquidas nas ultimas 24 horas. A diminuição da consistência habitual das fezes é um dos parâmetros mais considerados. Na diarreia aguda ocorre desequilíbrio entre a absorção e a secreção de líquidos e eletrólitos e é um quadro autolimitado.
A diarreia pode ser classificada em:
- Diarreia Aguda Aquosa: Pode durar até 14 dias com perda de grande volume de fluidos, podendo causar desidratação. Causada por vírus e bactérias, pode causar desnutrição se a alimentação não for adequada;
- Diarreia Aguda com Sangue (Disenteria): Presença de sangue nas fezes, representando lesão na mucosa intestinal. Pode associar-se com infecção sistêmica e outras complicações, incluindo desidratação. Bactérias do gênero Shigella são as principais causadoras.
- Diarreia Persistente: Dura mais de 14 dias, podendo provovar desnutrição e desidratação. Alto risco de complicação e letalidade.
A diarreia aguda tem inicio abrupto, etiologia infecciosas, autolimitada, com duração < 4 dias, aumento do volume e/ou frequência de evacuações com perda de agua e eletrólito. Apesar de ser na maioria das vezes autolimitada, em alguns casos pode gerar desidratação e óbito.
Epidemiologia da Diarreia Aguda
Segundo a OMS, ocorreu globalmente expressiva redução na mortalidade por diarreias infecciosas principalmente em crianças com idade inferior a cinco anos.
No Brasil, observou-se redução importante na mortalidade infantil que passou de 70 óbitos por mil nascidos vivos na década de 1970 para cerca de 15 óbitos por mil nascidos vivos na década atual. Parcela considerável desta redução foi decorrente da diminuição do número de óbitos por diarreia e desidratação.
A diarreia ocupava a segunda maior causa de mortalidade infantil, com 24,3% dos óbitos, mas passou para quarta, com 4,1% . Isso se deve à melhoras da condição de vida e capacitação de profissionais e população de modo geral acerca da terapia da diarreia e da reidratação.
Além disso, a incidência de diarreia baixou muito, fato atribuído a inclusão, em 2006, da vacina de Rotavírus no calendário do PNI).
Fisiopatologia
Etiologia
Os agentes que mais causam diarreia são:
- Vírus – rotavírus, coronavírus, adenovírus, calicivírus (em especial o norovírus) e astrovírus;
- Bactérias – E. coli enteropatogênica clássica, E. coli enterotoxigenica, E. coli enterohemorrágica, E. coli enteroinvasiva, E. coli enteroagregativa18, Aeromonas, Pleisiomonas, Salmonella, Shigella, Campylobacter jejuni, Vibrio cholerae, Yersinia;
- Parasitos – Entamoeba histolytica, Giardia lamblia, Cryptosporidium, Isosopora;
- Fungos – Candida albicans
Pacientes imunossuprimidos podem ter por Klebsiella, Pseudomonas, Cryptosporidium, Isospora.
Outras causas podem ser: alergia ao leite, apendicite, uso de laxantes, antibióticos, entre outros. A invaginação intestinal tem que ser considerada no diagnóstico diferencial da disenteria aguda, principalmente, no lactente.
Devemos lembrar ainda que a investigação da etiologia não é feita em todos os casos, somente nos pacientes graves e hospitalizados.
Quadro clínico e Diagnóstico da Diarreia Aguda
A anamnese da pessoa com doença diarreica deve contemplar os seguintes dados: duração da diarreia, número diário de evacuações, presença de sangue nas fezes, número de episódios de vômitos, presença de febre ou outra manifestação clínica, práticas alimentares prévias e vigentes, outros casos de diarreia em casa ou na escola. Deve-se avaliar como está a oferta de liquido, uso de medicações e histórico de imunizações.
A história e o exame físico são indispensáveis para uma conduta adequada. Não se deve esquecer que alguns pacientes têm maior risco de complicações, tais como: idade inferior a dois meses; doença de base grave como o diabete melito, a insuficiência renal ou hepática e outras doenças crônicas; presença de vômitos persistentes; perdas diarreicas volumosas e frequentes (mais de oito episódios diários).
Ao exame físico é importante avaliar o estado de hidratação, o estado nutricional, o estado de alerta (ativo, irritável, letárgico), a capacidade de beber e a diurese. O percentual de perda de peso é considerado o melhor indicador da desidratação. Considera-se que perda de peso de até 5% represente a desidratação leve; entre 5% e 10% a desidratação é moderada; e perda de mais de 10% traduz desidratação grave.
Outro ponto fundamental na avaliação da hidratação da criança com doença diarreica é vincular os achados do exame clínico à conduta a ser adotada, classificando esta criança em grupos que também vão guiar a terapêutica instituída.

FONTE: SBP
Tratamento da Diarreia Aguda
O tratamento é distribuído em 3 categorias de acordo com o grupo do paciente. Se o paciente está com diarreia e está hidratado deverá ser tratado com o Plano A. Se está com diarreia e tem algum grau de desidratação, deve ser tratado com o Plano B. Se tem diarreia e está com desidratação grave, deve ser tratado com o Plano C.
- Plano A: Tratamento em domicílio. Aumentar oferta de líquidos, incluindo soro de reidratação oral e manutenção da alimentação. Deve-se iniciar a suplementação com zinco e manter alimentação habitual.
Os sinais de alarme devem ser enfatizados nesta fase, para serem identificados prontamente na evolução se ocorrerem (aumento da frequência das dejeções líquidas, vômitos frequentes, sangue nas fezes, recusa para ingestão de líquidos, febre, diminuição da atividade, presença de sinais de desidratação, piora do estado geral).

FONTE: SBP
- Plano B: Administrar o soro de reidratação sob supervisão médica. Manter o aleitamento materno e suspender os outros alimentos, durante o período de terapia. Após o término desta fase, retomar os procedimentos do Plano A;
A alimentação deve ser reiniciada ainda no serviço e deve ser instituída a suplementação de zinco;
A primeira regra nesta fase é administrar a solução de terapia de reidratação oral (SRO), entre 50 a 100 mL/Kg, durante 2 a 4 horas. A SRO deve ser oferecida de forma frequente, em quantidades pequenas com colher ou copo, após cada evacuação. Considera-se fracasso quando as dejeções aumentam, se ocorre vomito incoercível ou se desidratação evolui para grave.

FONTE: SBP
- Plano C: Corrigir a desidratação grave com terapia de reidratação por via parenteral. Em geral, o paciente deve ser mantido no serviço de saúde, em hidratação parenteral de manutenção, até que tenha condições de se alimentar e receber líquidos por via oral na quantidade adequada. As indicações para reidratação venosa são: desidratação grave, contraindicação de hidratação oral (íleo paralítico, abdômen agudo, alteração do estado de consciência ou convulsões), choque hipovolêmico.

FONTE: SBP
Indicações para internação hospitalar: Choque hipovolêmico, manifestações neurológicas, vômitos biliosos, falha na reidratação oral.
Cuidados com Alimentação
A manutenção de alimentação com oferta energética é importante no tto de diarreia. odas as diretrizes são unânimes que o aleitamento materno deve ser mantido e incentivado durante o episódio diarreico. Quando necessário, deve-se recomendar jejum durante o período de reversão da desidratação (etapa de expansão ou reparação). A alimentação deve ser reiniciada logo que essa etapa for concluída (em geral, no máximo, 4 a 6 horas). Nos casos de pacientes internados podemos optar pela utilização de formulas sem lactose, caso a criança já faca uso.
Os pacientes hospitalizados com diarreia persistente devem receber, de acordo com a OMS, 110 calorias/kg/dia. É importante que haja redução da perda diarreica e recuperação nutricional com retomada do ganho de peso. Ainda, de acordo com a OMS deve-se cuidar para que o paciente com diarreia persistente receba diariamente as quantidades de micronutrientes: 50ug de folato, 10mg de zinco, 400µg de vitamina A, 1mg de cobre e 80mg de magnésio.
Em casos de alergia a proteína do leite de vaca, deve ser prescrita dieta isenta das proteínas do leite de vaca, ou seja, pode-se empregar fórmula hipoalergênica para sua substituição, no caso dos lactentes.
Terapia de reidratação oral
A TRO é considerada uma das modalidades terapêuticas que mais salvou vidas a partir do século XX. O princípio fisiológico da eficácia vincula-se ao fato de que a via de transporte ativo, acoplada de sódio-glicose-água pelo enterócito está preservada na diarreia aguda, independentemente da etiologia.
No Brasil, desde 1980 utilizam-se o soro de reidratação. Em 2002 a OMS modificou a composição colocando menos concentrações de sódio e glicose. A ESPGHAN preconiza soro com menor concentração de sódio. No Brasil são comercializadas soluções com composição variável na concentração de sódio e glicose, algumas alinhadas com as recomendações da OMS e outras com a ESPGHAN.

FONTE: SBP
O soro caseiro não contém citrato (para gerar bicarbonato) e potássio. A glicose é substituída por sacarose (dissacarídeo constituído por glicose e frutose). Assim, o soro caseiro é uma mistura de sal de cozinha, açúcar e água e geralmente pode ter erros de medida se não utilizado a colher correta.
A utilização dos soros de reidratação oral pode ser feita com dois objetivos: a) Reposição de perdas para prevenir a desidratação no paciente com diarreia (Plano A) onde escolhemos soro com menor concentração de sódio e b) Reversão da desidratação, ou fase de reparação, para o paciente com desidratação por diarreia (Plano B).
No plano A podemos oferecer 50 ml para cada evacuação em menores de 12 meses ou 100 mL em maiores de 1 ano. Porém, na prática, deve ser oferecida a quantidade que a criança aceitar.
Em relação ao Plano B temos que: para a reversão da desidratação com o emprego da TRO, deve ser utilizada a solução de reidratação oral com 75 a 90 mmol de sódio por litro. Exceto para os lactentes em aleitamento materno, o soro deve ser oferecido sem outros alimentos. O volume de 50 a 100 mL/kg de peso, dependendo da gravidade, deve ser administrado em 4 a 6 horas. O paciente deve ser pesado antes de iniciar a TRO e, depois, a cada 2 horas (Plano B). Se houver melhora, volta pra A, se houver piora ou não ter melhora, deve-se iniciar a reidratação parenteral.
Terapia de reidratação parenteral
Indicada para pct com desidratação grave ou que não apresentam melhora após 2 horas de TRO. Nos dias atuais as soluções mais empregadas são soro fisiológico ou Ringer lactato. Após a correção da desidratação pela via parenteral, os pacientes devem ser realimentados.
O volume diário do soro de manutenção pode ser calculado pela regra de Holiday & Segar21:
- peso corporal de até 10 kg: 100 mL/kg;
- peso corporal entre 10 e 20 kg: 1000 mL + 50mL por quilo acima dos 10 kg;
- peso corporal superior a 20 kg: 1500 mL + 20mL por quilo que ultrapassar os 20 quilos.
A solução de reposição para a via parenteral utilizada no rasil é o soro fisiológico 0,9% e soro glicosado 5% em partes iguais que contém 77 mmol/L de sódio. O volume depende da gravidade da diarreia (20 a 50 mL/kg por dia). O paciente deve ser pesado com frequência para evitar a administração excessiva de soro.
quando não for possível o início imediato de terapia de hidratação parenteral, deve ser administrado soro de reidratação oral por sonda nasogástrica (20 mL/kg/hora por 4 a 6 horas), se houver distensão abdominal reduz velocidade de infusão.
Zinco
Pode reduzir a duração do quadro de diarreia, a probabilidade da diarreia persistir por mais de sete dias e a ocorrência de novos episódios de diarreia aguda nos três meses subsequentes. O racional para seu emprego é a prevalência elevada de deficiência de zinco nos países não desenvolvidos. De acordo com a OMS1,2,7 deve ser usado em menores de cinco anos, durante 10 a 14 dias, sendo iniciado a partir do momento da caracterização da diarreia. A dose para maiores de seis meses é de 20mg por dia e 10mg para os primeiros 6 meses de vida.
No Brasil, é comercializado um soro de reidratação oral com 6 mg de gluconato de zinco em cada 100 mL. São comercializadas, também, soluções de zinco (solução com 2mg/0,5 mL na forma de gliconato de zinco para serem administrados conforme recomendação da OMS.
Vitamina A
Deve ser administrada em populações com risco de deficiência desta vitamina. O uso da vitamina A reduz o risco de hospitalização e mortalidade por diarreia e tem sido administrada nas zonas mais carentes do norte e nordeste.
Antibióticos
Os antibióticos geralmente não são usados no tratamento inicial da diarreia, visto que geralmente o processo tem curso autolimitado e a etiologia é em grande parte viral.
O uso do Antibiótico está restrito aos casos de:
- Diarreia com sangue nas fezes;
- Cólera;
- Infecção aguda por Giardia lamblia ou Entamoeba hystolitica;
- Imunossuprimidos;
- Portadores de Anemia Falciforme;
- Portadores de próteses e
- Sinais de disseminação bacteriana extraintestinal.
Se possível, deve ser coletada amostra de fezes para realização de coprocultura e antibiograma. Inicialmente, mesmo que não comprovada laboratorialmente, prevalece a hipótese de infecção por Shigella sendo indicado então:
Quando a diarreia aguda é causada por giardíase ou amebíase comprovada, o tratamento deve ser feito com metronidazol.
Antieméticos
Segundo a OMS não devem ser usados, visto que o vomito desaparece concomitante à correção da desidratação. Porém em alguns casos, cm diarreia aguda e vômitos frequentes podemos usar a Ondasentrona 0,1mg/kg (0,15-0,3/kg), VO.
Probióticos
Os probióticos são microorganismos vivos que, quando consumidos em quantidades adequadas, proporcionam efeito benéfico para a saúde do indivíduo. Determinados probióticos podem ser utilizados como coadjuvantes no tratamento da diarreia aguda. Não há demonstração de que os probióticos diminuam as perdas diarreicas. No entanto, determinadas cepas, conforme demonstrado em ensaios clínicos duplo-cego, controlados por placebo e metanálises, proporcionam redução de aproximadamente 24 horas na média da duração da diarreia aguda. As cepas são:
- Saccharomyces boulardii (FLORATIL)- 250-750mg/dia (habitualmente 5-7 dias)
- L reuteri – 108 a 4 x 108 (habitualmente 5-7 dias)
Racecadotrila
A racecadotrila é um inibidor da encefalinase, enzima responsável pela degradação das encefalinas produzidas pelo sistema nervoso entérico. As encefalinas com ação mais duradoura, em função da menor atividade da encefalinase, reduzem a secreção intestinal de água e eletrólitos que se encontra aumentada nos quadros de diarreia aguda.
A dose usual é de 1,5mg/kg de peso corporal, três vezes ao dia, sendo contraindicados em menores de 3 meses.
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Referências:
Ministério da Saúde. Assistência e controle das doenças diarreicas. Ministério da Saúde, Brasília, 1993, 44p.
Organización Mundial de La Salud – Tratamiento y prevención de la diarrea aguda. Ginebra: OMS; 1989.
Sociedade brasileira de pediatria. Diarreia aguda: diagnóstico e tratamento. Nº 1, Março de 2017.
World Health Organization. The Treatment of Diarrhoea – A Manual for Physicians and Other Senior Health Workers (WHO/CAH/03.7). Geneva: World Health Organization, 2005. 44p.
Ministério da Saúde. Manejo do paciente com diarreia. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/cartazes/manejo_paciente_diarreia_cartaz.pdf