Índice
- 1 A investigação começa na identificação!
- 2 Aspectos importantes de uma boa anamnese neurológica
- 3 Modo de instalação da doença:
- 4 Interrogatório dos diversos aparelhos e sistemas na anamnese neurológica
- 5 A história mórbida pregressa na anamnese neurológica
- 6 A história mórbida familiar
- 7 A história fisiológica e social na anamnese neurológica
- 8 Finalizando a primeira parte da consulta
- 9 Exame do estado mental
- 10 Conclusão da anamnese neurológica
- 11 Leituras Relacionadas
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Para chegar-se a um diagnóstico e um tratamento direcionado, é de suma importância que se faça uma abrangente história do paciente em questão, com posterior exame físico completo, porém direcionado e bem executado. Para concluirmos o diagnóstico, podem ser necessários exames complementares, mas lembre-se: segundo a bioética, a clínica é soberana.
A semiologia neurológica pauta-se no colhimento dos dados e história do paciente com posterior exame físico bem executado. O olhar atento de um bom investigador já se inicia com o paciente entrando no consultório:
- Qual sua atitude?
- O aperto de mãos é firme?
- Sua apresentação social é adequada?
Deve-se dar a devida atenção aos sinais e sintomas apresentados, bem como caracterizá-los de modo detalhado, constituindo-se de uma sistematização dos sintomas, para, por fim, criar os chamados diagnósticos:
- Clínico (ou sindrômico);
- Etiológico;
- Topográfico (a partir do qual se chega ao diagnóstico nosológico);
- Patológico.
A investigação começa na identificação!
O primeiro passo para uma boa história da doença do paciente na anamnese neurológica inicia-se na sua identificação.
Anote o nome completo do paciente, sua naturalidade e seu endereço – caso necessite um contato imediato com o paciente –, anote a idade do paciente e atente-se às doenças com maior incidência conforme a idade. A profissão exercida nos dá pistas sobre o possível contato com substâncias tóxicas.
Sua procedência e viagens recentes são uma informação importante devido à estadia em áreas com doenças endêmicas. Sua etnia e sua situação conjugal devem ser colhidas também.
A relação médico-paciente inicia na identificação, então escute o paciente com atenção; muitas vezes essas informações nos dão pistas valiosas sobre a história natural da doença.
Aspectos importantes de uma boa anamnese neurológica
Ao colher a queixa principal do paciente na anamnese neurológica, busque anotá-la com as palavras do próprio paciente utilizando o termo “SIC” (do latim “sicuit”, que significa assim como é, exatamente dessa forma), escreva a frase referida e em seguida coloque (SIC).
Então, inicia-se a história da doença atual. Não poupe a investigação dos detalhes:
- Quando e como ela iniciou?
- Qual a sua localização?
- Teve um início insidioso ou agudo?
- Há variação sazonal dos sintomas?
- Qual a intensidade e duração dos sintomas?
- Há algo que promova alívio ou piora destes?
Verifique a periodicidade da evolução da doença, ela ajuda a compor o diagnóstico etiológico da mesma. Há sintomas associados? Já houve tratamento anterior? Como respondeu?.
Aqui é importante salientar que o examinador deve evitar supor respostas, fazendo-as de modo aberto para que o paciente as responda. O médico é sempre um investigador e deve fazer uma boa investigação para chegar na conclusão correta, ou seja, seu diagnóstico.
Sabemos que há todos os tipos de pessoas e pacientes; tímidos, ansiosos, depressivos, desconfiados. Assim, é importante que o examinador tenha calma, seja atento e não se satisfaça com respostas vagas, isso fica cada vez mais fácil e habitual conforme a experiência do profissional.
Modo de instalação da doença:

Interrogatório dos diversos aparelhos e sistemas na anamnese neurológica
Mesmo sendo um exame direcionado, lembre-se que o sistema nervoso está intrinsicamente ligado à integração dos demais aparelhos e sistemas do corpo, então não deixe de fazer uma revisão caprichada sobre seu funcionamento.
Na anamnese neurológica, facilita organizar os questionamentos em um sentido craniocaudal, fazendo perguntas objetivas e com palavras de fácil compreensão.
Recorde que o paciente não teve acesso ao familiarizado livro Porto, então facilite a compreensão do que está sendo perguntado, para isso você pode usar mão de analogias.
Geral na anamense neurológica:
- Há distúrbios do sono?
- Hipersonia ou letargia?
- Insônia?
- Narcolepsia?
- Parassonia?
- Presença de dormência, perda de força, paralisia?
- Já apresentou crise epiléptica?
- Apresenta fadiga? Astenia?
- Perda ou ganho de peso? Em quanto tempo?
- Febre? Calafrios?
- Mialgia?
Cabeça e pescoço:
- O paciente já teve síncope?
- Há distúrbios visuais (ambliopia, amaurose, diplopia)?
- Apresenta cefaleia?
- Hipoacusia, acufenos?
- Vertigem? (Não se esqueça de caracterizar bem a diferença entre tontura – instabilidade tendendo à queda – e vertigem – sensação equívoca de perceber o ambiente em movimento).
- Há disfonia?
- Dificuldade de raciocínio ou memória?
Sistema gastrintestinal na anamense neurológica:
- Há disfagia?
- Náuseas ou vômitos?
- Queimação ao engolir alimentos?
- Apresenta constipação ou diarreia?
- Qual o ritmo intestinal e a consistência e coloração das fezes?
Sistema geniturinário na anamnese neurológica:
- Apresenta odor característico?
- Disúria?
- Poliúria? Oligúria?
- Polidipsia?
- Incontinência urinária?
- Data da última menstruação e ciclo menstrual.
- Amenorreia?
Sistema cardiovascular na anamense neurológica:
- Palpitações?
- Taquicardia?
- Claudicação?
- Dispneia?
A história mórbida pregressa na anamnese neurológica
Após realizar uma boa revisão dos aparelhos e sistemas, vamos à história mórbida pregressa do paciente:
- Comece do princípio de sua vida, como foi seu pré-natal?
- Analise a história obstétrica do paciente: condições de parto; caso o paciente tenha a caderneta, é importante dar um olhar ao seu APGAR.
- Colha dados do seu desenvolvimento neuropsicomotor, com quantos anos firmou a cabeça, sentou, falou e andou?
- Bem, vamos agora para sua infância, teve doenças da infância?
- Apresenta alergias?
- Quedas, fraturas, como e onde ocorreram?
- O paciente já realizou cirurgias? Quais, e quando?
- Seu calendário vacinal está de acordo com a sua faixa etária?
- Saiba quais são todos os seus medicamentos em uso, anote a posologia e o horário de tomada.
- Por fim, e de grande importância, saiba a história das doenças atuais, crônicas e passadas.
A história mórbida familiar
Como em tantas outras áreas da medicina, na neurologia a herança familiar tem grande importância, sendo assim, é de grande valia para o médico-investigador.
Na anamnese neurológica, questione sobre seus pais, idade, caso já tenham falecido, com quantos anos faleceram, qual o motivo do óbito, quais doenças tinham.
Investigue a ocorrência de neoplasias, a ocorrência de miopatias, cefaleia, doenças neurodegenerativas, cardiovasculares e metabólicas.
É importante dar um olhar para os parentes de primeiro grau (pais, irmãos, filhos, tios e primos) e de segundo grau (avós, netos).
Em todas as faixas etárias, na anamense neurológica, é importante colher uma boa história nessa etapa, saber das condições do paciente. Entender o que se passa na sua vida.
- Qual seu nível de educação?
- Sua situação conjugal?
- Como é a sua moradia?
- Há fatores estressantes no seu dia a dia?
- Como estão suas relações interpessoais?
- O paciente é tabagista? Nessa pergunta, não esqueça de pontuar a quantidade maços/ano.
- É etilista? Qual a frequência e quantas doses? Muitas vezes as pessoas subestimam a quantidade de álcool consumida; em caso de suspeitas de abuso, pode-se utilizar os questionários CAGE, HALT e BUMP.
- Questione-o sobre sua alimentação, cafés, chás e sobre o uso de substâncias ilícitas.
Finalizando a primeira parte da consulta
Bem, com esse roteiro , terminamos o pilar do diagnóstico médico, a anamnese! Um bom investigador já colheu pistas o suficiente para ser guiado nos grandes grupos diagnósticos e assim inicia a segunda etapa da consulta, o exame físico.
Decidi trazer o início dele aqui, pois se trata da avaliação do estado mental, da anamnese neurológica e das funções corticais superiores. O médico realiza essa avaliação conversando com o paciente e depois realiza as manobras do exame físico. Então, vamos lá!
Exame do estado mental

Essa etapa do exame avalia se o paciente tem doença neurológica ou psiquiátrica. Observa-se dois pontos importantes: o nível de consciência e a função cognitiva.
Desde o início da consulta, o meticuloso investigador já está observando o estado cognitivo e emocional do paciente, o que auxilia na avaliação do estado emocional, memória, inteligência e personalidade.
O nível de consciência se trata do reconhecimento do mundo interno e externo, um paciente com um estado de nível de consciência normal está alerta, responsivo e orientado. Uma escala que deve ser utilizada em caso de consciência anormal (rebaixada) é a escala de coma de Glasgow (ECG).
Quando o paciente está com o nível de consciência normal, chega a hora de avaliar a função cognitiva (ou conteúdo da consciência). O exame mais utilizado é o mini exame do estado mental (MEEM), de Folstein, e leva cerca de 10 minutos para a realização, além de oferecer um panorama da função cognitiva. Sua pontuação máxima é 30, e o desempenho normal mínimo depende da idade e do nível educacional, variando de 24 a 27.
Outros achados nos exames neurológicos
Juntamente com o MEEM, o examinador consegue observar se há alguns distúrbios de comunicação, dentre eles:
- Disfonia: alterações no timbre ou intensidade da voz, voz rouca e voz bitonal traduzem lesão do nervo vago (n. laríngeo recorrente, superior e inferior);
- Dislalia: troca ou supressão de fonemas – pode ser fisiológico até os 4 anos;
- Disartria: distúrbios da articulação da palavra falada – pode traduzir lesão nos nervos cranianos XII, IX, X e XII;
- Disritmolalias: alterações na velocidade da fala;
- Dislexia: dificuldade de interpretação das palavras lidas, supressão inconsciente das palavras ao ler;
- Disgrafia: distúrbio de escrita, supressão de letras ao escrever.
Quando o paciente apresenta distúrbios de linguagem (afasia), deve-se observar como ela se apresenta, considerando que cada síndrome afásica possui um padrão característico de apresentação.
A tabela abaixo representa um resumo das síndromes afásicas. É interessante salientar que a afasia traduz uma lesão, onde a área de Broca se localiza no lobo frontal motor associativo, a área de Wernicke no lobo temporal posterior esquerdo e a afasia de condução se encontra no fascículo arqueado esquerdo.

O examinador avalia se há presença de negligência (incapacidade de perceber o espaço ou de utilizar os membros de um hemicorpo), astereognosia (incapacidade de o paciente identificar um objeto, de olhos fechados, utilizando o tato).
Apraxias
Por fim, analisa-se a presença das chamadas apraxias, que são a dificuldade em executar funções motoras previamente aprendidas naausência de deficiências sensitivas,motoras primárias ou de coordenação. Quando unilaterais, traduzem lesões do córtex pré-motor contralateral, e, quando bilaterais, podem traduzir lesões bifrontais ou lesões cerebrais difusas. Segue alguns exemplos de apraxias:
- Construtiva: incapacidade de desenhar ou copiar desenhos;
- Ideomotora: incapacidade realizar gestos simbólicos;
- Ideatória: incapacidade de realizar para atos motores relacionados ao próprio corpo (ex.: pentear o cabelo);
- Marcha: incapacidade de integrar as funções sensoriais, motoras e cerebelares para exercer a marcha;
- Oculomotora: incapacidade de integrar a ação dos músculos extrínsecos do olho;
- Vestir: incapacidade de vestir peças de roupa de maneira adequada e ordenada.
Conclusão da anamnese neurológica
Por hoje, era isso que tinha para trazer para vocês! Sabemos que o estudo da semiologia neurológica é extenso, mas não está nem longe de ser impossível, e, quanto mais temos contato, mais nos habituamos com os termos e mais perceptivos ficamos a alterações, mesmo que sutis. Indico como leitura as referências utilizadas para aprofundamento do conhecimento e me disponho para ajudar com o que puder via e-mail. Espero que tenha ajudado!
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Referências bibliográficas:
CAMPBELL, William W. DeJong: o exame neurológico. 7. ed. Philadelphia: Editora Guanabara Koogan Ltda, 2013. 1257 p.
LIN, Katia. Semiologia Neurológica. Florianópolis: Ufsc, 2012. Color. Disponível em:https://neurologiahu.ufsc.br/files/2012/08/Semiologia-Neurológica_Sem-v%C3%ADdeos.pdf. Acesso em: 24 dez. 2020.
GREENBERG, David A. et al. Neurologia Clínica. 8. ed. New York: The McGraw-Hill Global Education Holdings, 2012. 491 p.
Speciali JG. Semiotécnica Neurológica. Medicina (Ribeirão Preto): 30 de março de 1996. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rmrp/article/view/709. Acesso em: 24 dez. 2020.
BRASIL NETO, Joaquim Pereira; TAKAYANAGUI, Osvaldo M. Tratado de Neurologia da ABN. São Paulo: Elsevier Editora Ltda., 2013. 1525 p.