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A Anamnese Neurológica | Colunistas

A Anamnese Neurológica | Colunistas

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Dúvidas em como realizar a anamnese neurológica? Nesse post você encontra tudo que você precisa. Acesse e confira agora!

Para chegar-se a um diagnóstico e um tratamento direcionado, é de suma importância que se faça uma abrangente história do paciente em questão, com posterior exame físico completo, porém direcionado e bem executado. Para concluirmos o diagnóstico, podem ser necessários exames complementares, mas lembre-se: segundo a bioética, a clínica é soberana.

A semiologia neurológica pauta-se no colhimento dos dados e história do paciente com posterior exame físico bem executado. O olhar atento de um bom investigador já se inicia com o paciente entrando no consultório:

  • Qual sua atitude?
  • O aperto de mãos é firme?
  • Sua apresentação social é adequada?

Deve-se dar a devida atenção aos sinais e sintomas apresentados, bem como caracterizá-los de modo detalhado, constituindo-se de uma sistematização dos sintomas, para, por fim, criar os chamados diagnósticos:

  • Clínico (ou sindrômico);
  • Etiológico;
  • Topográfico (a partir do qual se chega ao diagnóstico nosológico);
  • Patológico.

A investigação começa na identificação!

O primeiro passo para uma boa história da doença do paciente na anamnese neurológica inicia-se na sua identificação.

Anote o nome completo do paciente, sua naturalidade e seu endereço – caso necessite um contato imediato com o paciente –, anote a idade do paciente e atente-se às doenças com maior incidência conforme a idade. A profissão exercida nos dá pistas sobre o possível contato com substâncias tóxicas.

Sua procedência e viagens recentes são uma informação importante devido à estadia em áreas com doenças endêmicas. Sua etnia e sua situação conjugal devem ser colhidas também.

A relação médico-paciente inicia na identificação, então escute o paciente com atenção; muitas vezes essas informações nos dão pistas valiosas sobre a história natural da doença.

Aspectos importantes de uma boa anamnese neurológica

Ao colher a queixa principal do paciente na anamnese neurológica, busque anotá-la com as palavras do próprio paciente utilizando o termo “SIC” (do latim “sicuit”, que significa assim como é, exatamente dessa forma), escreva a frase referida e em seguida coloque (SIC).

Então, inicia-se a história da doença atual. Não poupe a investigação dos detalhes:

  • Quando e como ela iniciou?
  • Qual a sua localização?
  • Teve um início insidioso ou agudo?
  • variação sazonal dos sintomas?
  • Qual a intensidade e duração dos sintomas?
  • Há algo que promova alívio ou piora destes?

Verifique a periodicidade da evolução da doença, ela ajuda a compor o diagnóstico etiológico da mesma. Há sintomas associados? Já houve tratamento anterior? Como respondeu?.

Aqui é importante salientar que o examinador deve evitar supor respostas, fazendo-as de modo aberto para que o paciente as responda. O médico é sempre um investigador e deve fazer uma boa investigação para chegar na conclusão correta, ou seja, seu diagnóstico.

Sabemos que há todos os tipos de pessoas e pacientes; tímidos, ansiosos, depressivos, desconfiados. Assim, é importante que o examinador tenha calma, seja atento e não se satisfaça com respostas vagas, isso fica cada vez mais fácil e habitual conforme a experiência do profissional.

Modo de instalação da doença:

Quadro 1: Modo de instalação dos sintomas e hipóteses de diagnósticos sindrômicos

Interrogatório dos diversos aparelhos e sistemas na anamnese neurológica

Mesmo sendo um exame direcionado, lembre-se que o sistema nervoso está intrinsicamente ligado à integração dos demais aparelhos e sistemas do corpo, então não deixe de fazer uma revisão caprichada sobre seu funcionamento.

Na anamnese neurológica, facilita organizar os questionamentos em um sentido craniocaudal, fazendo perguntas objetivas e com palavras de fácil compreensão.

Recorde que o paciente não teve acesso ao familiarizado livro Porto, então facilite a compreensão do que está sendo perguntado, para isso você pode usar mão de analogias.

Geral na anamense neurológica:

  1. Há distúrbios do sono?
  2. Hipersonia ou letargia?
  3. Insônia?
  4. Narcolepsia?
  5. Parassonia?
  6. Presença de dormência, perda de força, paralisia?
  7. Já apresentou crise epiléptica?
  8. Apresenta fadiga? Astenia?
  9. Perda ou ganho de peso? Em quanto tempo?
  10. Febre? Calafrios?
  11. Mialgia?

Cabeça e pescoço:

  1. O paciente já teve síncope?
  2. Há distúrbios visuais (ambliopia, amaurose, diplopia)?
  3. Apresenta cefaleia?
  4. Hipoacusia, acufenos?
  5. Vertigem? (Não se esqueça de caracterizar bem a diferença entre tontura – instabilidade tendendo à queda – e vertigem – sensação equívoca de perceber o ambiente em movimento).
  6. Há disfonia?
  7. Dificuldade de raciocínio ou memória?

Sistema gastrintestinal na anamense neurológica:

  1. Há disfagia?
  2. Náuseas ou vômitos?
  3. Queimação ao engolir alimentos?
  4. Apresenta constipação ou diarreia?
  5. Qual o ritmo intestinal e a consistência e coloração das fezes?

Sistema geniturinário na anamnese neurológica:

  1. Apresenta odor característico?
  2. Disúria?
  3. Poliúria? Oligúria?
  4. Polidipsia?
  5. Incontinência urinária?
  6. Data da última menstruação e ciclo menstrual.
  7. Amenorreia?

Sistema cardiovascular na anamense neurológica:

  1. Palpitações?
  2. Taquicardia?
  3. Claudicação?
  4. Dispneia?

A história mórbida pregressa na anamnese neurológica

Após realizar uma boa revisão dos aparelhos e sistemas, vamos à história mórbida pregressa do paciente:

  • Comece do princípio de sua vida, como foi seu pré-natal?
  • Analise a história obstétrica do paciente: condições de parto; caso o paciente tenha a caderneta, é importante dar um olhar ao seu APGAR.
  • Colha dados do seu desenvolvimento neuropsicomotor, com quantos anos firmou a cabeça, sentou, falou e andou?
  • Bem, vamos agora para sua infância, teve doenças da infância?
  • Apresenta alergias?
  • Quedas, fraturas, como e onde ocorreram?
  • O paciente já realizou cirurgias? Quais, e quando?
  • Seu calendário vacinal está de acordo com a sua faixa etária?
  • Saiba quais são todos os seus medicamentos em uso, anote a posologia e o horário de tomada.
  • Por fim, e de grande importância, saiba a história das doenças atuais, crônicas e passadas.

A história mórbida familiar

Como em tantas outras áreas da medicina, na neurologia a herança familiar tem grande importância, sendo assim, é de grande valia para o médico-investigador.

Na anamnese neurológica, questione sobre seus pais, idade, caso já tenham falecido, com quantos anos faleceram, qual o motivo do óbito, quais doenças tinham.

Investigue a ocorrência de neoplasias, a ocorrência de miopatias, cefaleia, doenças neurodegenerativas, cardiovasculares e metabólicas.

É importante dar um olhar para os parentes de primeiro grau (pais, irmãos, filhos, tios e primos) e de segundo grau (avós, netos).

A história fisiológica e social na anamnese neurológica

Em todas as faixas etárias, na anamense neurológica, é importante colher uma boa história nessa etapa, saber das condições do paciente. Entender o que se passa na sua vida.

  • Qual seu nível de educação?
  • Sua situação conjugal?
  • Como é a sua moradia?
  • fatores estressantes no seu dia a dia?
  • Como estão suas relações interpessoais?
  • O paciente é tabagista? Nessa pergunta, não esqueça de pontuar a quantidade maços/ano.
  • É etilista? Qual a frequência e quantas doses? Muitas vezes as pessoas subestimam a quantidade de álcool consumida; em caso de suspeitas de abuso, pode-se utilizar os questionários CAGE, HALT e BUMP.
  • Questione-o sobre sua alimentação, cafés, chás e sobre o uso de substâncias ilícitas.

Finalizando a primeira parte da consulta

Bem, com esse roteiro , terminamos o pilar do diagnóstico médico, a anamnese! Um bom investigador já colheu pistas o suficiente para ser guiado nos grandes grupos diagnósticos e assim inicia a segunda etapa da consulta, o exame físico.

Decidi trazer o início dele aqui, pois se trata da avaliação do estado mental, da anamnese neurológica e das funções corticais superiores. O médico realiza essa avaliação conversando com o paciente e depois realiza as manobras do exame físico. Então, vamos lá!

Exame do estado mental

Figura 1 – Mini Exame do Estado Mental, retirada do livro DeJong, O Exame Neurológico 7ª edição

Essa etapa do exame avalia se o paciente tem doença neurológica ou psiquiátrica. Observa-se dois pontos importantes: o nível de consciência e a função cognitiva.

Desde o início da consulta, o meticuloso investigador já está observando o estado cognitivo e emocional do paciente, o que auxilia na avaliação do estado emocional, memória, inteligência e personalidade.

O nível de consciência se trata do reconhecimento do mundo interno e externo, um paciente com um estado de nível de consciência normal está alerta, responsivo e orientado. Uma escala que deve ser utilizada em caso de consciência anormal (rebaixada) é a escala de coma de Glasgow (ECG).

Quando o paciente está com o nível de consciência normal, chega a hora de avaliar a função cognitiva (ou conteúdo da consciência). O exame mais utilizado é o mini exame do estado mental (MEEM), de Folstein, e leva cerca de 10 minutos para a realização, além de oferecer um panorama da função cognitiva. Sua pontuação máxima é 30, e o desempenho normal mínimo depende da idade e do nível educacional, variando de 24 a 27.

Outros achados nos exames neurológicos

Juntamente com o MEEM, o examinador consegue observar se há alguns distúrbios de comunicação, dentre eles:

  1. Disfonia: alterações no timbre ou intensidade da voz, voz rouca e voz bitonal traduzem lesão do nervo vago (n. laríngeo recorrente, superior e inferior);
  2. Dislalia: troca ou supressão de fonemas – pode ser fisiológico até os 4 anos;
  3. Disartria: distúrbios da articulação da palavra falada – pode traduzir lesão nos nervos cranianos XII, IX, X e XII;
  4. Disritmolalias: alterações na velocidade da fala;
  5. Dislexia: dificuldade de interpretação das palavras lidas, supressão inconsciente das palavras ao ler;
  6. Disgrafia: distúrbio de escrita, supressão de letras ao escrever.

Quando o paciente apresenta distúrbios de linguagem (afasia), deve-se observar como ela se apresenta, considerando que cada síndrome afásica possui um padrão característico de apresentação.

A tabela abaixo representa um resumo das síndromes afásicas. É interessante salientar que a afasia traduz uma lesão, onde a área de Broca se localiza no lobo frontal motor associativo, a área de Wernicke no lobo temporal posterior esquerdo e a afasia de condução se encontra no fascículo arqueado esquerdo.

Tabela 1 – Síndromes afásicas. Retirada do livro Neurologia Clínica – 8ª edição, Greenberg

O examinador avalia se há presença de negligência (incapacidade de perceber o espaço ou de utilizar os membros de um hemicorpo), astereognosia (incapacidade de o paciente identificar um objeto, de olhos fechados, utilizando o tato).

Apraxias

Por fim, analisa-se a presença das chamadas apraxias, que são a dificuldade em executar funções motoras previamente aprendidas naausência de deficiências sensitivas,motoras primárias ou de coordenação. Quando unilaterais, traduzem lesões do córtex pré-motor contralateral, e, quando bilaterais, podem traduzir lesões bifrontais ou lesões cerebrais difusas. Segue alguns exemplos de apraxias:

  • Construtiva: incapacidade de desenhar ou copiar desenhos;
  • Ideomotora: incapacidade realizar gestos simbólicos;
  • Ideatória: incapacidade de realizar para atos motores relacionados ao próprio corpo (ex.: pentear o cabelo);
  • Marcha: incapacidade de integrar as funções sensoriais, motoras e cerebelares para exercer a marcha;
  • Oculomotora: incapacidade de integrar a ação dos músculos extrínsecos do olho;
  • Vestir: incapacidade de vestir peças de roupa de maneira adequada e ordenada.

Conclusão da anamnese neurológica

Por hoje, era isso que tinha para trazer para vocês! Sabemos que o estudo da semiologia neurológica é extenso, mas não está nem longe de ser impossível, e, quanto mais temos contato, mais nos habituamos com os termos e mais perceptivos ficamos a alterações, mesmo que sutis. Indico como leitura as referências utilizadas para aprofundamento do conhecimento e me disponho para ajudar com o que puder via e-mail. Espero que tenha ajudado!

Leituras Relacionadas

Referências bibliográficas:

CAMPBELL, William W. DeJong: o exame neurológico. 7. ed. Philadelphia: Editora Guanabara Koogan Ltda, 2013. 1257 p.

LIN, Katia. Semiologia Neurológica. Florianópolis: Ufsc, 2012. Color. Disponível em:https://neurologiahu.ufsc.br/files/2012/08/Semiologia-Neurológica_Sem-v%C3%ADdeos.pdf. Acesso em: 24 dez. 2020.

GREENBERG, David A. et al. Neurologia Clínica. 8. ed. New York: The McGraw-Hill Global Education Holdings, 2012. 491 p.

Speciali JG. Semiotécnica Neurológica. Medicina (Ribeirão Preto): 30 de março de 1996. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rmrp/article/view/709. Acesso em: 24 dez. 2020.

BRASIL NETO, Joaquim Pereira; TAKAYANAGUI, Osvaldo M. Tratado de Neurologia da ABN. São Paulo: Elsevier Editora Ltda., 2013. 1525 p.