Carreira em Medicina

Importância da humanização na prática médica

Importância da humanização na prática médica

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Para que possamos entender o contexto atual da judicialização da medicina, devemos inicialmente fazer uma análise histórica. O século XX foi regado por diversos acontecimentos de grande repercussão, em especial no que se diz respeito à descobertas científicas, entre elas podemos citar o nascimento da Bioética e sua disseminação entre a sociedade da época.

O modelo surge como uma mudança drástica ao que antes era afirmado pelos cientistas e filósofos, passando a estimular a separação entre o indivíduo e todo contexto psicosocioespiritual ao qual ele está envolvido. Dessa forma, o enfermo passou a ser analisado apenas pela doença que possuía, a retrato das características propostas pelo modelo cartesiano do século XVII, onde o homem é visto como uma máquina e a doença como uma peça danificada que precisa ser consertada. Essa premissa se manteve forte na educação médica durante todo o século XX e superá-la tornou-se um desafio dentro do ensino e da prática médica no século XXI.

Atualmente, no século XXI, o ensino e a prática da medicina são propostos de acordo com dois vieses: medicina baseada em evidências, tendo a humanização e a abordagem centrada na pessoa como ponto chave; e a medicina baseada em valores, essa tendo como base os princípios éticos e a tomada de decisões baseadas em valores. Ambas seguem a propor uma linha de cuidado mais abrangente em apoio à definição atual de saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), que caracteriza saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausência de doença ou enfermidade.

Sabe-se também que a cada dia torna-se mais comum o ajuizamento de processos judiciais contra médicos. Isso se dá por diversos motivos, seja por indenização diante de um suposto erro médico, seja por frustração no atendimento ou por não atingir o resultado pretendido. É importante entender que a atividade do médico é caracterizada como uma prestação de serviços de meios, ou seja, o médico se compromete a fornecer o seu melhor serviço para o tratamento, o que não garante a cura, dessa forma não podendo ser responsabilizado por essa. Cabe então aos médicos buscarem formas de prevenir essas situações jurídicas, podendo utilizar a humanização para tal fim, visto que é comprovado que uma boa relação médico-paciente é capaz de favorecer a resolução de problemas de uma forma amigável.

Pode-se afirmar que a manutenção de uma boa relação médico-paciente pode ser considerada ponto chave na resolução de problemas, tanto em âmbito clínico como jurídico. Nesse sentido, dois cenários estão propensos a serem construídos:

1. Uma relação harmônica e de confiança onde as decisões são tomadas em conjunto. Dessa forma o paciente se sente deveras acolhido, autônomo e consciente de suas decisões clínicas, podendo o médico contar com o TCLE (Termo de Consentimento Livre e Estabelecido), assinado pelo paciente, como uma forma de resguardar-se diante de alguma intercorrência;

2. Uma relação baseada em hierarquia, onde apenas uma pessoa é detentora das decisões, tornando o vínculo frágil e um ambiente não seguro. Nesse contexto, surge a necessidade de debater sobre o modelo bioético e a humanização dentro da prática médica e, consequentemente, seus reflexos na relação médico-paciente.

A humanização é, atualmente, um dos assuntos mais discutidos na esfera médica em vários países, sendo alvo de pesquisas acadêmicas, o que proporciona novas abordagens e considerações para a área. No Brasil, as propostas ganharam materialidade a partir da criação do Programa Nacional de Humanização, conferindo centralidade aos processos de formação de novas percepções morais e éticas, e profundas transformações das práticas dos profissionais de saúde e em suas relações com os pacientes.

Podemos concluir que em meio a essas circunstâncias, investir na humanização mostra-se uma ferramenta ímpar que reflete diretamente na pessoa cuidada e no cuidador, ressignificando as relações e significados de saúde e doença, valorizando a compreensão do ser humano como um todo, além de propiciar novas abordagens de manejo clínico com a participação do paciente em todo o processo, como pode ser utilizada para prevenir processos judiciais que podem vir a refletir diretamente na carreira médica.

Autora: Yasmin Clara Fernandes Ribeiro

Discente do curso de Medicina da FAHESP/IESVAP, bolsista do programa de iniciação científica da FAHESP/IESVAP, membro do grupo de estudos e pesquisa em humanização na prática médica, embaixadora SANARFLIX.

 e-mail: yasminclarafernandes37@gmail.com

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O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

  1. BALINT, M. Psicoterapia pelo clínico geral. Balint M. O médico, seu paciente e a doença. Rio de Janeiro-São Paulo: Atheneu, p. 233-245, 1984.
  2. DE MATOS, Gilson Ely Chaves. Aspectos jurídicos e bioéticos do consentimento informado na prática médica. Revista Bioética, v. 15, n. 2, p. 196-213, 2007.
  3. GOULART, Bárbara Niegia Garcia de; CHIARI, Brasília Maria. Thinking about health related professions humanizated practice. Ciencia & saude coletiva, v. 15, n. 1, p. 255-268, 2010.
  4. REGO, Sérgio; PALÁCIOS, Marisa; SCHRAMM, Fermin R. O ensino da bioética nos cursos de graduação em saúde. Marins JJN, Rego S, Lampert JB, Araújo JGC, organizadores. Educação médica em transformação: instrumentos para a construção de novas realidades. São Paulo: Hucitec, p. 165-86, 2004.
  5. ZOBOLI, E. L. C. P. Intersubjetividade e cuidado. Bioética em tempos de incertezas, p. 357-374, 2010.