Índice
Há alguns anos atrás o consumo de cigarros era considerado moda e sinal de poder, entretanto graças a ciência com diversas comprovações cientificas atestando seu maleficio, o número de fumantes teve uma diminuição considerável.
Infelizmente, nos últimos anos surgiu uma nova moda denominada vaping, também conhecido como cigarro eletrônico ou ainda e-cigarretes, e seu uso tem crescido de maneira significativa, principalmente entre os jovens. Essa situação é alarmante, pois sabe-se que são tão prejudiciais e danosos quanto os cigarros convencionais.
O cigarro eletrônico foi introduzido no mercado em 2007 com a promessa de trazer menos malefícios que os cigarros tradicionais e sendo uma alternativa as pessoas que buscavam cessar o tabagismo, pois pregava-se que este não gerava vício. Trata-se de um dispositivo que aquece um líquido e causa aerossolização. Este líquido possui na sua composição a presença de nicotina, aromas e produtos nocivos como o tetrahidrocanabidiol (TCH), acetato de vitamina E, formaldeído, dentre outros.
No Brasil o comércio de cigarro eletrônico é proibido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) por meio da Resolução de Diretoria Colegiada da Anvisa nº 46 de 28 de agosto de 2009, entretanto o comércio ilegal movimenta a circulação do produto no país.
1. O que é EVALI?
O termo EVALI (E-cigarette or Vaping Associated Lung Injuries/Illnessess) foi instituído em 2019 pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos e faz referência a uma síndrome pulmonar aguda e subaguda relacionada a utilização de cigarro eletrônico.
Quando o vapor do vaping é inalado, entra em contato com as células existentes no parênquima pulmonar e deste modo suprime a função das mesmas. Um exemplo é em relação aos macrófagos alveolares que sofrem alterações fenotípicas e tem a sua capacidade de fagocitose de partículas diminuída, deste modo tem-se uma baixa resposta inflamatória no tecido e a inflamação se perdura. Ressalta-se que os mecanismos de reparação tecidual também se encontram alterados.
O acetato de vitamina E está presente como aditivo nos cigarros eletrônicos que contém tetrahidrocanabidiol, quando inalado causa interferência no funcionamento normal do pulmão. Já o TCH é responsável por reações psicoativas e neurotóxicas. Ainda está em estudo essas duas substâncias são as responsáveis pelo aparecimento da EVALI, porém é observado que em grandes parte dos casos notificados elas foram utilizadas, com ou sem associação com a nicotina e outros compostos.
Indivíduos que façam a utilizam de dispositivos que contenham nicotina em sua composição, tem a função microvascular pulmonar afetada e as células passam por um estresse oxidativo, o que induz a morte celular programada. A nicotina é uma droga psicoativa que também afeta a função pulmonar.
2. Quais são os sintomas da EVALI?
Ainda não se conhece ao certo a patogênese, entretanto é possível observar que os acometidos possuem achados patológicos como: dano alveolar difuso, pneumonia, pneumonite fibrinosa aguda, bronquiolite e hemorragia alveolar. A utilização de aditivos ricos em óleo leva ao acúmulo de lipídeos nos pulmões e posterior desenvolvimento de pneumonia lipoide.
Os sintomas iniciais da doença são dispneia, dor torácica e tosse, pode apresentar ainda alterações em outros sistemas levando ao desenvolvimento de sintomas inespecíficos como febre, dor abdominal, náuseas, vômitos, calafrios, perda de peso e diarreia. A doença costuma evoluir de forma rápida e pode haver necessidade de intubação e ventilação mecânica.
Os usuários ainda apresentam uma diminuição na função pulmonar, com alterações significativas no volume expiratório forçado em um segundo (VEF1) e na relação do mesmo com a capacidade vital forçada, ou seja, diminuição da função pulmonar. Tais dados são obtidos através da realização da espirometria.
Não se sabe ao certo quais os malefícios a longo prazo da utilização de cigarro eletrônico, uma vez que estes foram introduzidos recentemente no mercado, porém é perceptível que ao contrário dos cigarros normais que necessitam um maior tempo de uso para causar disfunções, os vapings causam alterações em períodos de tempo relativamente curtos de utilização.
Além das afetações pulmonares, a curto prazo são observados efeitos como aumento nos riscos de desenvolvimento de eventos cardiovasculares como infarto do miocárdio e acidente vascular encefálico.
3. Como a EVALI é diagnosticada?
Ainda não se tem disponível no mercado algum teste específico para o diagnóstico de EVALI, então este é considerado como sendo de exclusão. Em caso de suspeita da doença o profissional deve interrogar ao paciente quanto a utilização dos dispositivos e a composição do mesmo. Como já mencionado, aredita-se que pessoas que utilizam tetrahidrocanabidiol tem maiores chances de desenvolver a injúria pulmonar.
A EVALI pode ser confundida com a doença respiratória causada pelo vírus influenza, nestas situações é necessário a realização de exames para confirmação ou exclusão do diagnóstico viral.
Lesões pulmonares podem ser observadas em exames de imagem, o achado mais comum é o aspecto de vidro fosco bilateralmente nos lobos pulmonares inferiores. Devem ser realizados exames para descartar a possibilidade de outras doenças pulmonares, como por exemplo: cultura de escarro, broncoscopia com lavagem broncoalveolar, testes sorológicos, hemocultura, dentre outros.
Até janeiro de 2020, o CDC registrou 2.711 casos de EVALI hospitalizados e até fevereiro do mesmo ano 68 mortes foram confirmadas. A faixa etária média era de 24 anos, 66% dos acometidos pertenciam ao sexo masculino e o tempo médio de utilização foi de 12 meses.
No Brasil em agosto de 2020 a ANVISA havia registrado três casos suspeitos, todos estavam associados a utilização de dispositivos contendo tetrahidrocanabidiol e que foram adquiridos em outros países. Ainda não existem estudos que mostrem a real prevalência de uso do vaping no país, a Associação Médica Brasileira em um dos seus artigos relata a estimativa de 650 mil usuários.
A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) recomenda aos pneumologistas a adoção dos critérios diagnósticos estabelecidos pelo CDC.
- Caso confirmado: pacientes que tenham histórico de utilização de vaping nos últimos 90 dias, aspecto de vidro fosco na tomografia ou consolidações pulmonares na radiografia do tórax e ausência de diagnósticos alternativos como por exemplo: doenças cardiológicas, reumatológicas, neoplásicas e doenças infecciosas.
- Caso provável: pacientes que tenham histórico de utilização de vaping nos últimos 90 dias, aspecto de vidro fosco na tomografia ou consolidações pulmonares na radiografia do tórax, ausência de diagnósticos alternativos não infecciosos e identificação de infecção porém sem probabilidade que esta seja a única causa da doença respiratória.
4. Quais os métodos de tratamento empregados?
Os usuários devem ser orientados a cessar imediatamente a utilização do dispositivo. É necessária realização de radiografia do tórax para avaliação do comprometimento pulmonar e caso seja apresentado saturação inferior a 95% o paciente deve permanecer em observação hospitalar. Pacientes que apresentem saturação em valores normais podem prosseguir com tratamento ambulatorial e devem ser reavaliados a cada 24 ou 48 horas. O tratamento se baseia em tratar os sintomas existentes, não existindo deste modo um padrão a ser adotado.
Como se trata de uma doença invasiva, grande parte dos acometidos necessita de tratamento em unidade de terapia intensiva. Uma das intervenções realizadas é a intubação e ventilação mecânica, sendo esta muito importante quando existe risco eminente de progressão do caso para uma Síndrome do Desconforto Agudo Respiratório.
A utilização de antibióticos e antirretrovirais são recomendadas em casos de suspeita de infecção concomitante. O corticoide pode ser útil em pacientes que se encontram hospitalizados, mas sua utilização ambulatorial ainda não é recomendada.
Não se tem confirmação do risco aumentado de infecções de tipo viral dentre as pessoas que foram acometidas pela EVALI, mas o CDC recomenda que estas recebam a vacina antipneumocóccica e contra a influenza.
5. Considerações finais
A crescente utilização do cigarro eletrônico é uma situação alarmante para a saúde pública, uma vez que além da EVALI pode levar o indivíduo a utilização dos cigarros convencionais, e isso aumentaria também o número de doenças como enfisema pulmonar e posterior Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC). Por se tratar de uma doença que surgiu recentemente ainda não se tem muitos dados sobre efeitos a longo prazo e tratamentos mais eficazes.
É necessário que sejam feitas ações de conscientização, principalmente entre os mais jovens e também fiscalização rigorosa do comércio ilegal no país.
6. Referências
Associação Médica Brasileira. Cigarros eletrônicos – o que já sabemos?. Aliança de Controle do Tabagismo e Promoção da Saúde – Comissão de Combate ao Tabagismo. Disponível em: https://amb.org.br/wp-content/uploads/2021/05/Afinal_o_que_sao_os_cigarros_eletronicos.pdf.
Chatkin, JM; Pereira, LF. Injúria pulmonar relacionada ao uso de cigarro eletrônico (EVALI). Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). Disponível em: https://sbpt.org.br/portal/cigarro-eletronico-alerta2-sbpt/.
Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Surto de lesão pulmonar associada ao uso de cigarros eletrônicos ou produtos com vaporização. Disponível em: https://www.cdc.gov/tobacco/basic_information/e-cigarettes/severe-lung-disease.html.
Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Perguntas frequentes. Disponível em: https://www.cdc.gov/tobacco/basic_information/e-cigarettes/severe-lung-disease/faq/.
Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Sobre cigarros eletrônicos (cigarros eletrônicos). Disponível em: https://www.cdc.gov/tobacco/basic_information/e-cigarettes/about-e-cigarettes.html.
Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Número de Atualização dos Estados de Casos EVALI Hospitalizados e Mortes por EVALI. Disponível em: https://www.cdc.gov/media/releases/2020/s0225-EVALI-cases-deaths.html.
D’Almeida, P.C.V et al. Lesões Pulmonares Associadas ao Uso do Cigarro Eletrônico. o Centro Universitário São Camilo – SP. Disponível em http://pdf.blucher.com.br.s3-sa-east-1.amazonaws.com/medicalproceedings/comusc2020/07.pdf
Autora: Danieli Souza Coelho
Instagram: @danielicoelho2000
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.