Índice
O protocolo ABCDE do Trauma, hoje amplamente conhecido e tido como uma das principais práticas de primeiros socorros a vítimas politraumatizadas, a exemplo de muitas da descoberta médicas, nasceu de uma tragédia.
O fato ocorreu em 1976, quando o Dr. James K. Styner, um cirurgião ortopédico de Nebraska e sua família, sofreram um grave acidente aéreo em seu avião particular [1]. A queda ocorreu em uma área rural, e a violência do impacto foi tamanha, que fez com que sua esposa morresse imediatamente e três de seus quatro filhos, sofressem graves ferimentos.
Sem ninguém por perto e em busca de socorro Styner acenou para um carro que passava em uma estrada próxima e pediu para que seus filhos fossem levados ao hospital o mais rápido possível, infelizmente, assim que chegaram ao hospital, este encontrava-se fechado e o médico com seus filhos tiveram de esperar mais de 10 horas para serem atendidos.
Quando a equipe de atendimento médico finalmente chegou ao local, chamou a atenção do Dr. Styner a inexperiência e distúrbios na abordagem dos profissionais, deixando clara a inexperiência do hospital no tratamento de vítimas de acidentes.
A tragédia só não foi maior pois, apesar do tempo de espera, tanto Styner quanto seus filhos foram salvos. Mas o episódio mudou a vida do médico para sempre, que passou a buscar alternativas na abordagem do traumatizado, ficou claro que algo deveria ser feito.
Em conjunto com um colega de trabalho, o Dr. Paul Collicott, deu início a um programa de otimização da abordagem ao politraumatizado, que mais adiante se tornaria o protocolo ABCDE do trauma que conhecemos, cujo objetivo principal é: reduzir os índices de mortalidade e morbidade de vítimas de qualquer tipo de trauma. O American College of Surgeons editou o protocolo e o publicou como o ATLS® [1]. Foi o início de uma mudança radical na abordagem ao politraumatizado que em pouco tempo passaria a ser adotada por vários países ao redor do mundo.
O ABCDE
A técnica é composta por 5 etapas, descritas pelas primeiras letras do alfabeto “A,B,C,D e E” e a estabilização das vítimas é um dos focos principais desta abordagem. Abaixo são descritas cada uma das etapas:
A (airway)
Via aérea e coluna cervical
Nesta etapa o médico deverá checar se a vítima está com as vias aéreas desobstruídas. Em acidentes corpos estranhos podem obstruir as vias áreas da vítima, uma das causas que leva a óbito mais rapidamente, por isso está em primeiro lugar na abordagem. Nesta etapa também deverá ser realizado o controle da coluna cervical com a colocação do colar cervical.
B (breathing)
Respiração e ventilação
Após garantir que as vias respiratórias estão livres e realizada a estabilização cervical, esta etapa consiste em verificar se a vítima está realmente respirando e se existe algum comprometimento ou lesão torácica, para tanto o movimento do tórax deve ser observado e auscultado, em caso de necessidade a ventilação mecânica é recomendada.
C (circulation)
Circulação e controle de hemorragia
Esta etapa consiste na identificação e controle de hemorragias, impedindo desta forma que a vítima perca muito sangue e evolua para um choque hemorrágico. A identificação rápida do foco da hemorragia pode ser determinante para sobrevivência da vítima. Nesta etapa também são verificados: o pulso, pressão arterial, coloração da pele, sudorese e nível de consciência [2].
D (disability)
Exame neurológico
O principal foco desta etapa é o exame neurológico. A primeira verificação deverá ser realizada utilizando o método AVDI: Alerta, resposta ao estímulo Verbal, resposta ao estímulo Doloroso ou Inconsciente aos estímulos [2]. O teste é repetido até a chegada da unidade de atendimento.
E (explosure)
Exposição e controle térmico
A vítima será despida para identificação de fraturas e hemorragias, normalmente as roupas são cortadas para evitar novos traumas e facilitar a abordagem [2]. Como a temperatura da vítima pode baixar durante este procedimento, quando da remoção são utilizadas mantas térmicas, garantindo a estabilidade da temperatura e evitando hipotermia.
Os acidentes de trânsito costumam ser uma das principais causas de vítimas fatais no Brasil, que conta com socorro médio especializado por terra, mar e ar. Graças às novas tecnologias e novos procedimentos, muitas vítimas possuem a chance de receber um pronto atendimento especializado o que aumenta substancialmente sua chance de sobrevivência.
As vezes uma tragédia, como a que acometeu o Dr. Styner, pode impactar a vida de inúmeras pessoas e profissionais, inclusive salvar outras vidas. Como disse Paulo Coelho certa vez “A única chance que uma tragédia nos dá: a de reconstruir nossa vida”, neste caso a vida de várias famílias e profissionais espalhados pelo mundo. Obrigado James K. Styner.
Se interessa por urgências e emergências? Conheça nosso Yellowbook Fluxos e Condutas na Emergência!
Leituras Relacionadas
- O que o médico deve saber sobre o atendimento à comunidade LGBTQIA+?
- Caso Rodrigo Mussi: como é o tratamento de traumatismo craniano e a cirurgia?
- O que preciso saber sobre a aula prática de anatomia do cérebro?