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Abscesso Anorretal: Diagnóstico e Manejo | Colunistas

Abscesso Anorretal: Diagnóstico e Manejo | Colunistas

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Abscesso anorretal é uma coleção localizada de líquido infectado na região anorretal. O abscesso em geral é resultante da obstrução de uma glândula anal e é definido pelo espaço anatômico onde se desenvolve, sendo mais comum nos espaços perianal e isquiorretal e menos comum nos espaços interesfincterianos, do supraelevador e em localizações submucosas. A incidência do abscesso anorretal é de 100 mil casos/ano nos Estados Unidos, sendo esse número subnotificado, já que muitas vezes o paciente não procura atendimento médico em casos autolimitados. Esse texto abordará as características clínicas, o diagnóstico e o manejo dessa condição.

Características clínicas e fatores de risco

Os abscessos anorretais superficiais se apresentam como um edema localizado, eritematoso e dolorido, podendo ser flutuante e apresentar secreção. A queixa principal consiste em dor pélvica ou perianal e febre. Ao exame físico, a nádega acometida pode apresentar rubor e endurecimento, quando comparado ao lado não afetado. Na fase aguda, o toque retal pode ser doloroso e por vezes deve ser deixado para um próximo momento ou realizado sob anestesia adequada.

Abscessos mais profundos, como aqueles que se formam no supraelevador ou no espaço isquiorretal alto, também podem se apresentar com dor perineal, em região lombar ou nádegas. No entanto, os achados do exame físico à inspeção não são tão esclarecedores quanto os superficiais, sendo imprescindível o toque retal ou anoproctoscopia e por vezes outros exames complementares.

Os abscessos anorretais são duas vezes mais comuns em homens do que em mulheres, acometendo os pacientes geralmente por volta dos quarenta anos em ambos os sexos. Os fatores de risco são as doenças intestinais, o tabagismo e a infecção por HIV.

As causas mais raras incluem infecções abdominais ou pélvicas, penetração direta da parede anal, perfuração de câncer retal ou anal baixo, úlceras penetrantes, tuberculose e actinomicose. Não há evidências de que os abscessos são relacionados à higiene pessoal ou ao estilo de vida sedentário.

É importante ressaltar que o abscesso pode ser uma manifestação da doença de Crohn, onde ele resulta de uma inflamação penetrante, e não de uma infecção de glândula perianal. Apesar do tratamento do abscesso ser o mesmo, a conduta em casos da doença de Crohn exige uma abordagem terapêutica especializada e muitas vezes multidisciplinar.

Figura 1. Abscesso Anorretal
Fonte: https://www.drderival.com/abscesso-anal.html

Diagnóstico

O diagnóstico de abscesso será suspeitado em todos os pacientes que apresentarem os sintomas descritos, como dor perianal e febre, com achados compatíveis ao exame físico. O diagnóstico de abscessos anorretais superficiais é clínico, e o tratamento é realizado por procedimentos simples.

Abscessos profundos costumam ser mais difíceis de diagnosticar. Os pacientes podem apresentar sepse, embora não haja sinais visíveis. Os exames de imagem como tomografia computadorizada, ultrassonografia ou ressonância nuclear magnética podem ser necessários para confirmar o diagnóstico no abscesso anorretal oculto, fístulas recorrentes e doença de Crohn perianal.

Uma combinação entre sepse sistêmica e uma história clínica de infecções pélvicas recentes, doença de Crohn ou sepse anorretal prévia pode apontar para um abscesso profundo subjacente.

Os abscessos perianais geralmente não são acompanhados por febre, leucocitose e sepse no paciente imunocompetente. Os isquiorretais são frequentemente dolorosos no exame retal e são laterais ao limite anal. Os abscessos interesfincterianos são dolorosos com a defecação, podendo estar associados à descarga retal e à febre. A adenopatia inguinal é muitas vezes associada com abscessos mais profundos.

Ao examinar um paciente com sintomas anais, é importante procurar sinais de diagnósticos diferenciais, como fissuras ou hemorroidas trombosadas, infecção sexualmente transmissível, cisto pilonidal, hidradenite ou sinais sugestivos de malignidade.

Relação entre abscesso anorretal e fístula

A fístula é um canal que conecta a pele perineal ao canal anal. Em cerca de um terço dos pacientes, uma fístula é encontrada no momento ou após a drenagem do abscesso anorretal. A maioria das fístulas surgem no fundo de um abscesso pré-existente, mas elas também podem ocorrer espontaneamente em uma doença inflamatória intestinal, tuberculose, trauma ou como complicação de procedimentos cirúrgicos locais.

Não há meios definitivos de prevenir ou prever a fístula após a drenagem do abscesso. Um estudo multicêntrico duplo-cego randomizado mostrou que o tratamento com antibióticos após a drenagem do abscesso não oferecia nenhuma proteção contra a formação de fístula subsequente.

Tratamento

O tratamento do abscesso anorretal continua sendo a drenagem cirúrgica. Em geral, a incisão deve ser mantida o mais próximo possível da borda anal para minimizar o comprimento de uma fístula em potencial.

Incisão e drenagem podem ser realizadas sob anestesia geral ou anestesia local, dependendo da complexidade do caso e da preferência do paciente. A anestesia local é geralmente menos eficaz na presença de inflamação, mas é preferível em abscessos superficiais ou em gestantes. É realizada a infiltração da área com lidocaína, e o spray de cloreto de etileno pode ser usado para anestesiar a área imediatamente antes da infiltração. Após a incisão e drenagem, o objetivo do tratamento é permitir que a cavidade cicatrize por segunda intenção.

A recorrência do abscesso foi observada em até 44% dos pacientes, na maioria das vezes dentro de um ano do tratamento inicial. Drenagem inadequada, loculações, abscesso do tipo ferradura e falha na realização de fistulotomia primária foram identificados como fatores de risco para recorrência abscesso anorretal.

Um ensaio clínico duplo-cego randomizado e um ensaio clínico prospectivo descobriu que a adição de antibióticos para drenagem não melhora as taxas de cura ou reduzem a recorrência do abscesso. Devido ao risco de infecção e sepse, pacientes que são imunossuprimidos, diabéticos ou têm evidências de doenças sistêmicas requerem drenagem urgente no dia de apresentação do abscesso e podem se beneficiar da antibioticoterapia.

Conclusão

O abscesso anorretal possui uma alta incidência, sendo o diagnóstico e o manejo adequado primordiais no sucesso do tratamento e na prevenção das complicações. É necessário estar atento à técnica da drenagem e aos diagnósticos diferenciais que necessitam de uma maior atenção e suporte especializado. Apesar da antibioticoterapia ser uma prática comum, não há evidência de melhora na recorrência ou na taxa de cura, a não ser em casos específicos, sendo frisado que o seu uso não deve ser rotineiro.

Autora: Luísa Machado

Instagram: @luisamachado__


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

  1. Clinical Practice Guideline for the Managementof Anorectal Abscess, Fistula-in-Ano, and Rectovaginal Fistula – https://fascrs.org/ascrs/media/files/downloads/Clinical%20Practice%20Guidelines/clinical_practice_guideline_for_the_management_of_anorectal_abscess_fistula-in-ano_and_rectovaginal_fistula.pdf
  2. Perianal Abscess – https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28223268/

Study the Incidence of Fistula- in- Ano in Subsequent to Anal Abscess – https://www.iasj.net/iasj/download/8ea9c820283bf424

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