A anemia ferropriva é um tipo de anemia em que além da deficiência de hemoglobina há também quantidade reduzida de ferro no sangue. Essa patologia causa defeitos no desenvolvimento neuropsicomotor, na aprendizagem da criança e no sistema imunológico.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), anemia é a condição em que a concentração sanguínea de hemoglobina encontra-se abaixo dos valores de referência.
Dessa forma, ela se torna insuficiente para atender as necessidades fisiológicas, variando de acordo com sexo, idade, gestação e altitude.
Epidemiologia
Esse tipo de anemia é responsável por mais de 60% dos casos de anemia no mundo e possui maior incidência em pacientes com um menor nível socioeconômico. A prevalência dessa patologia em crianças menores de 5 anos equivale a 42% em países em desenvolvimento e 17% nos países industrializados acometendo principalmente crianças na idade de 6 a 18 meses de vida.
Em um estudo brasileiro realizado em 2009, a prevalência da anemia ferropriva no Brasil foi de 53% com altos índices na região Norte e Nordeste. Os lactantes e as gestantes estão incluídos no grupo de risco para anemia ferropriva, uma vez que há o aumento da necessidade diárias de ferro ou por conta da baixa ingestão de ferro. Outros fatores de risco para os lactentes incluem a desmame antes de completar 6 meses sendo amamentado com leite de vaca, uma dieta pobre em ferro ou a ausência de suplementação de ferro.
Metabolismo do ferro
O ferro no corpo humano está presente em algumas proteínas funcionais como a hemoglobina e a Mioglobina, em proteínas funcionais como a Ferritina ou em proteínas de transporte como a Transferrina.
Esse mineral em grande parte possui origem a partir da reciclagem das hemácias e também por meio da dieta com ingestão do ferro heme (Ferroso – Fe2+) e do ferro não heme (Férrico – Fe3+).
O ferro heme está presente em carnes e vísceras, absorvido diretamente no duodeno. Já o ferro não heme possui origem vegetal e é muito difícil de ser absorvido sofrendo influência de fatores facilitadores como a vitamina C (Ácido ascórbico) ou fatores inibidores como o cálcio, a cafeína e os fitatos presentes nos cereais.
Tabela
1. Ferro presente na alimentação e sua biodisponibilidade
| Alimento | Quantidade de ferro (mg/100 g) | Biodisponibilidade |
| Carnes Bovina Suína Peixes Aves | 3,2 2,9 2,5 1,3 | Alta Alta Alta Alta |
| Vísceras Fígado bovino Miúdos de Galinha Coração Língua | 8,2 4,3 3,7 1,9 | Alta Alta Alta Alta |
| Ovo Gema Inteiro Clara | 5,5 3,2 0,4 | Baixa Baixa Baixa |
| Leite Humano Vaca | 0,5 0,3 | Alta Baixa |
| Leguminosas Lentilha Soja Feijão Ervilha | 8,6 8,5 7,0 5,8 | Baixa Baixa Baixa Baixa |
| Cereais Cereais matinais Farinha láctea Aveia (farinha) Aveia (flocos) | 12,5 4,0 4,5 3,4 | Alta Alta Baixa Baixa |
| Hortaliças Nabo Brócolis Couve Batata Cenoura Espinafre Beterraba | 2,4 1,1 2,2 1,0 0,4 3,3 0,8 | Alta Alta Média Média Média Baixa Baixa |
| Outros Açúcar mascavo Rapadura | 4,2 4,2 | Alta Alta |
Adaptado de: Franco, G., 1999.
Apresentação clínica
A anemia ferropriva clinicamente pode estar sendo apresentada em sua forma inicial, ou seja, só a deficiência de ferro, ou pode estar no estágio mais desenvolvido com baixa da hemoglobina.
A criança portadora de deficiência de ferro apresenta como sintomas astenia, dor em membro inferiores, unhas quebradiças e rugosas, estomatite angular e também a perversão do apetite (pica) que leva a criança a ingerir substâncias não habituais como terra ou sujeira, e também essa criança apresenta redução de atenção causando distúrbios de conduta e percepção e também prejuízo na aprendizagem.
Já a criança que possui a fase da anemia instalada apresenta apatia, irritabilidade, palidez cutâneo-mucosa, sopro cardíaco, taquicardia e dificuldade para realizar exercícios físicos.
Tabela
2. Manifestações clínicas na anemia ferropriva
| Anemia | Achados semiológicos |
| Deficiência de ferro | ➥ Astenia ➥ Dor nos MII ➥ Estomatite angular ➥Pica |
| Anemia ferropriva | ➥ Apatia ➥ Irritabilidade ➥ Palidez cutâneo-mucosa ➥ Dificuldade em realizar exercício físico |
Exames laboratoriais
A maior parte do diagnóstico da anemia
ferropriva é realizada por meio dos exames laboratoriais, para isso são
utilizados os seguintes exames:
- Ferritina: Para visualização do estoque de ferro. Na criança de até 5 anos a depleção dos estoques de ferro, ou seja, o rebaixamento da ferritina é diagnosticado quando a mesma encontra-se abaixo de 12 microgramas por litro.
- Ferro sérico/Saturação de transferrina/Capacidade total de ligação de transferrina: Para quantificação da quantidade de ferro presente na criança. A deficiência de ferro é diagnosticada quando o ferro sérico está abaixo de 30 miligramas por decilitros; a saturação de transferrina está abaixo de 16%; e a capacidade total de ligação de transferrina está acima de 250-390 microgramas por decilitros.
- Hemoglobina/Hematócrito: Para verificação do quadro de anemia a criança deve estar com hemoglobina abaixo de 11 gramas por decilitro e o hematócrito abaixo de 33%.
Outros parâmetros no hemograma podem estar ajudando para fechar o diagnóstico de anemia ferropriva. O VCM (Volume Corpuscular Médio) estará reduzido; o HCM (Hemoglobina Corpuscular Média) e o CHCM (Concentração de Hemoglobina Corpuscular Média) estarão reduzidos; o RDW estará elevado. Dessa forma, as hemácias estarão microcíticas (↓ VCM) e hipocrômicas (↓ HCM e CHCM) apresentando anisocitose (↑ RDW), reticulopenia (↓ número de Reticulócitos), leucopenia (↓ número de Leucócitos) e também trombocitose (↑ número de Plaquetas).
Tabela
3. Apresentação laboratorial da anemia ferropriva
| Anemia ferropriva em crianças de 0 a 5 anos | ||
| Perfil férrico: Ferritina Ferro sérico Saturação de transferrina Capacidade total de ligação de transferrina | < 12 μg/L < 30 mg/dL < 16% > 250 – 390 μg/dL | |
| Eritrograma: Hemoglobina Hematócrito VCM HCM CHCM RDW Reticulócitos | < 11 g/dL < 33% Reduzido – Microcitose Reduzido – Hipocromia Reduzido – Hipocromia Elevado – Anisocitose Reduzido – Reticulopenia | |
| Leucograma: Leucócitos | < 4.000 – Leucopenia | |
| Plaquetograma: Plaquetas | > 400.000 – Trombocitose |
6. Tratamento
O tratamento deve ser feito por meio de orientações nutricionais com reposição de ferro via oral na dose de 3-5 mg/kg/dia por no mínimo 8 semanas.
Essa reposição pode ser feita por sais de ferro, mais baratos, porém causa mais efeitos adversos e também deve ser ingerido 1 hora antes das refeições de preferência acompanhado com um suco de laranja; ou por sais férricos e aminoquelato, que apresentam menos efeitos adversos e possuem maior biodiversidade. Em casos muitos extremos em que a suplementação não esteja funcionando, pode ser realizado uma injeção intravenosa ou intramuscular de ferro.
Para ser feito a monitoração do tratamento, deve
ser refeito a dosagem de reticulócitos e hemograma a cada 30-60 dias e o perfil
de ferro e ferritina com 30 e 90 dias. É esperado que após o início do
tratamento, com 3-4 dias os reticulócitos já estejam normais, 30 dias para
hemoglobina voltar ao normal e de 60 a 90 dias para a ferritina se estabilizar.
O tratamento deve durar no mínimo 2 a 3 meses só podendo cessar quando a
ferritina estiver acima de 12 microgramas por decilitro.
Profilaxia
A profilaxia para anemia ferropriva em crianças consiste no incentivo ao aleitamento materno exclusivo durante 6 meses, garantir uma alimentação rica em ferro heme e evitar o consumo de leite de vaca antes dos 12 meses de vida. Além disso, pode ser realizado a suplementação profilática de ferro. Para recém-nascidos a termo com peso adequado o Ministério de Saúde recomenda que a suplementação começa aos 6 meses de vida ou quando há o desmame com a dose de 1 mg/Kg/dia até os 24 meses de vida.
Enquanto a Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que a suplementação deve começar com 3 meses de vida com a mesma dose e a mesma duração.
Os recém-nascidos prematuros e/ ou com baixo de peso deve começar a suplementação deve começar pelo menos 30 dias após o nascimento, se a suplementação for até os 12 meses de vida a dose deverá ser de 2 mg/Kg/dia, quando o bebê está muito abaixo do peso (1000 – 1500 g) a dose passa a ser 3 mg/Kg/dia, já o bebê abaixo de 1000 g, com extremo baixo peso a dose deve ser de 4 mg/Kg/dia. Após os 12 meses até os 24 meses a suplementação deve ser de 1 mg/Kg/dia.
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