Índice
- 1 Anestesia requer cuidado especial nas cirurgias bariátricas
- 2 A obesidade
- 3 Indicação para Cirurgia Bariátrica
- 4 Importância da anestesia
- 5 Obesidade de classe 2 e 3
- 6 Fatores de risco da anestesia
- 7 Avaliação Pré-Anestésica
- 8 Técnica anestésica
- 9 Manejo de vias aéreas
- 10 O agente anestésico
- 11 Estratégia protetora
- 12 Manejo de fluidos
- 13 Controle da temperatura corporal
- 14 Extubação
- 15 Dor pós-operatória
- 16 Ventilação não invasiva
- 17 O papel do anestesiologista no resultado final da cirurgia
Anestesia requer cuidado especial nas cirurgias bariátricas
O Brasil e o mundo passaram por um processo de transição demográfica e epidemiológica com o envelhecimento populacional e uma maior incidência das doenças crônicas em detrimento às infecciosas.
Assim como a população idosa, a população acima do peso tem aumentado em todo mundo. Um número crescente de pacientes obesos tem necessitado de cuidados anestésicos para os mais variados tipos de cirurgia.
Tanto nos países desenvolvidos quanto subdesenvolvidos, este crescimento é exponencial, e a cada dia nós, anestesiologistas, nos deparamos mais com esse tipo de paciente.
A obesidade
A obesidade é considerada uma doença crônica e um importante fator de risco para agravos como diabetes mellitus, hipertensão, problemas cardiovasculares e pulmonares e ainda de doenças das articulações.
É tipicamente definida pelo índice de massa corporal (IMC), que é a razão entre o peso (em Kg) e o quadrado da altura (em metros). Em adultos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) adotou uma classificação de obesidade definida pelo IMC:
- Excesso de peso – IMC entre 25 e 29,9 kg/m2.
- Obesidade – IMC ≥ 30 kg/m2.
- Obesidade classe 1 – IMC de 30 a 34,9 kg/m2.
- Obesidade classe 2 – IMC de 35 a 39,9 kg/m2.
- Obesidade de classe 3 – IMC ≥ 40 kg/m2.
A obesidade de classe 3 é também referida como obesidade grave, extrema ou mórbida.
O tratamento mais eficaz para o manejo da obesidade extrema atualmente é a cirurgia bariátrica, procedimento que consiste na modificação do trato gastrintestinal para que os alimentos sejam ingeridos em menor quantidade ou menos absorvidos. Há também uma modificação no padrão de secreção de hormônios que controlam a fome e a saciedade.
Com o aumento das comorbidades relacionadas à obesidade e a preocupação crescente da população com a sua própria saúde, a procura por cirurgias bariátricas tem ganhado importância.
Indicação para Cirurgia Bariátrica
Os indivíduos com indicação para o tratamento cirúrgico da obesidade são aqueles com obesidade grau III e obesidade grau II com comorbidades. Hoje, há várias modalidades de cirurgia bariátrica por laparotomia (aberta), entre as quais a mais frequentemente realizada é a gastroplastia com derivação em Y de Roux.
Atualmente, as cirurgias bariátricas são conduzidas em sua maioria pela via laparoscópica, que, apesar do maior custo, é menos invasiva e proporciona um pós-operatório menos complicado e com recuperação mais rápida no pós-operatório.
Importância da anestesia
É cada vez maior o reconhecimento da importância da anestesia no resultado final das cirurgias bariátricas. Para se obter bons resultados, os cuidados devem iniciar já no pré-operatório, com uma avaliação pré-anestésica que deve determinar e avaliar individualmente as questões relevantes para cada paciente.
O planejamento da anestesia deve levar em conta tanto as alterações fisiológicas causadas pela obesidade quanto a presença de comorbidades.
Obesidade de classe 2 e 3
Pacientes com obesidade de classe 2 e 3 possuem fator de risco independente associado a vários desfechos perioperatórios específicos, sendo comprovados em diversos estudos.
Classificação
Embora a classificação do IMC seja de fácil obtenção e, portanto, usada universalmente para categorizar a gravidade da obesidade, esta merece algumas críticas.
Comorbidades
As comorbidades podem ser mais importantes do que o IMC para avaliação de risco perioperatório de pacientes obesos. O IMC não leva em conta o sexo, a distribuição do tecido adiposo, o acúmulo de gordura visceral e as mudanças relacionadas à idade na massa muscular.
Esses fatores são determinantes para diferenciarmos a obesidade grave metabolicamente saudável versus metabolicamente comprometida.
Os pacientes obesos, como já mencionado, podem apresentar comorbidades importantes e, na maioria das vezes, estas são bem prevalentes.
Elas incluem a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS), hipertensão arterial sistêmica, doenças cardíacas, diabetes, síndrome metabólica e doença renal.
A avaliação pré-operatória deve avaliar o estado da doença e iniciar medidas para minimizar o risco de complicações da cirurgia e da anestesia.
É importante para o anestesiologista reconhecer que pacientes com SAOS são mais sensíveis aos efeitos depressores respiratórios dos hipnóticos e opioides, possuindo maior tendência a obstrução de vias aéreas na indução anestésica.
Ventilação com máscara e ou laringoscopia podem se tornar mais difíceis. Os pacientes com SAOS são mais propensos a ter dificuldades de desmame da ventilação mecânica, inclusive durante o despertar da anestesia.
Além de avaliações gasométricas, um ecocardiograma para avaliar a função cardíaca global, hipertensão pulmonar e, especificamente, a função cardíaca direita é sugerido por alguns especialistas.
A hipertensão está fortemente associada ao excesso de peso corporal tanto no sobrepeso quanto na obesidade. A hipertensão mal controlada está associada à pressão arterial lábil durante a anestesia geral e ao aumento das complicações cardíacas, neurológicas e renais.
Fatores de risco da anestesia
Pacientes gravemente obesos com pelo menos um fator de risco (diabetes, tabagismo, hipertensão ou hiperlipidemia) ou a baixa tolerância ao exercício devem ter eletrocardiograma de 12 derivações (ECG) e radiografia de tórax antes da cirurgia.
O diabetes mellitus tipo 2 está fortemente associado à obesidade. Uma história detalhada de controle do diabetes e uma avaliação do nível de controle glicêmico são úteis para orientar a terapia diabética no período perioperatório.
Avaliação Pré-Anestésica
A avaliação pré-anestésica de todos os pacientes, independentemente do tipo de anestesia planejada, deve incluir uma avaliação das vias aéreas, incluindo pesquisa de fatores de risco para dificuldade de manejo das vias aéreas e broncoaspiração e histórico de tentativas anteriores de intubação.
Atualmente, sabe-se que o tempo de esvaziamento gástrico dos pacientes obesos não difere dos pacientes não obesos. As recomendações pré-operatórias do jejum, portanto, seguem as estabelecidas pelas sociedades Internacionais como a ASA (Sociedade Americana de Anestesiologia).
A pré medicação do paciente obeso deve, idealmente, permitir a ansiólise sem abolir os reflexos das vias aéreas ou impedir a cooperação do paciente antes da indução da anestesia geral. Eu, particularmente, opto por estratégias não farmacológicas no combate a ansiedade pré operatória, como uma boa relação médico paciente, consulta pré anestésica, esclarecimentos e orientações. Assim, evito efeitos colaterais dos ansiolíticos como atraso no despertar, sonolência e depressão respiratória no pós operatório.
Concordo com as diretrizes práticas da Sociedade Americana de Anestesiologia que não recomendam mais o uso rotineiro de medicação farmacológica para diminuir o risco de broncoaspiração em pacientes obesos.
A obesidade mórbida não se correlacionou com o refluxo gastroesofágico em um estudo e não há evidências de que o risco de aspiração esteja aumentado na obesidade.
Pacientes obesos que estão em risco aumentado de broncoaspiração devem ser tratados da mesma maneira que pacientes não obesos.
Técnica anestésica
Embora nenhuma técnica anestésica tenha sido considerada superior à outra em relação aos resultados importantes como mortalidade e complicações cardiopulmonares, a anestesia geral multimodal, combinada com anestesia local, geralmente, é a técnica de escolha para as cirurgias bariátricas, principalmente as videolaparoscópicas. Eu, particularmente, opto pela anestesia venosa total multimodal poupadora de opioide, com bloqueio neuromuscular profundo, combinada com anestesia local nas incisões cirúrgicas.
O bloqueio neuromuscular profundo está associado a menores pressões de pneumoperitônio nas cirurgias laparoscópicas e, consequentemente, menor dor visceral, consumo de opioides e mais rápida recuperação no pós-operatório. Monitoração da profundidade anestésica com índice bispectral (BIS) e do bloqueio neuromuscular com sequência de quatro estímulos, train of four (TOF), se torna fundamental nesses casos.
Em geral, as técnicas de anestesia regional com anestésico local sem opioides afetam minimamente o padrão respiratório e são escolhas seguras e apropriadas para pacientes obesos submetidos a cirurgias bariátricas por laparotomia.
A cirurgia bariátrica por videolaparoscopia, por ser menos invasiva, normalmente não necessita de anestesia regional no neuroeixo. Infiltração com anestésicos locais na ferida operatória associada a analgesia multimodal possui um efeito satisfatório.
Manejo de vias aéreas
Durante a indução anestésica, podem ser exigidas técnicas avançadas de manejo das vias aéreas. Pacientes obesos mórbidos geralmente possuem ventilação difícil e preditores de via aérea difícil, como maior circunferência cervical, abertura bucal diminuída, dificuldade na extensão cervical, além do maior risco de dessaturação devido, principalmente, à menor capacidade residual funcional (volume de ar que sobra no pulmão após expiração normal).
Portanto, equipamentos para alternativas de manejo das vias aéreas como videolaringoscópios, dispositivos supraglóticos (máscara laríngea, tubo laríngeo) e guia bougie devem ser organizados e separados com antecedência para esses pacientes.
A intubação com o paciente acordado seja por laringoscopia ou broncoscopia (preferencial) pode ser necessária em alguns casos de ventilação ou intubação difícil reconhecidos previamente.
Pacientes obesos com diagnóstico de apneia obstrutiva do sono (OSA) ou síndrome da hipoventilação (OHS) que utilizam pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) ou (BIPAP) em casa devem ser instruídos a manter seu regime de tratamento até o dia da cirurgia. CPAP ou BIPAP devem ser continuados no perioperatório sempre que possível.
Sabendo que a obesidade leva a alterações respiratórias e cardiovasculares, torna-se mandatória para o anestesiologista a individualização da anestesia e analgesia perioperatória.
Na indução anestésica, uma adequada pré-oxigenação é idealmente realizada em posição de céfalo-aclive pois tanto a posição supina quanto a própria indução da anestesia diminuem os volumes pulmonares no paciente obeso.
Esta posição de elevação também melhora a visão laringoscópica. A cama pode ser inclinada ou pode ser usado um coxim específico pré-formado para elevar a parte superior do corpo e a cabeça do paciente e obter uma extensão cervical satisfatória.
O adequado posicionamento do paciente nesse momento se torna trivial para o sucesso da intubação. A pré-oxigenação com pressão expiratória final positiva (PEEP) aplicada manualmente ou o uso de ventilação não invasiva (VNI) melhora a oxigenação em pacientes obesos.
Ao usar um agente bloqueador neuromuscular, é razoável escolher um de ação rápida (succinilcolina ou rocurônio) para diminuir o intervalo entre a indução e a intubação.
A obesidade aumenta a dificuldade com a ventilação com máscara e diminui o período de apneia até ocorrer dessaturação. Máscara laríngea pode ser usada para ventilar o paciente antes da intubação, se a ventilação com máscara for difícil.
O agente anestésico
A escolha do agente anestésico na obesidade deve ser baseada em fatores clínicos específicos do paciente, e não na presença de obesidade. As doses desses agentes podem exigir modificação variando de acordo com o peso ideal, peso de massa magra e peso real (Ver tabelas 1 e 2). Eu comumente utilizo essas doses apenas como guia, titulando e avaliando a resposta individual do paciente.
Quando recomendações específicas não estão disponíveis, é razoável basear as doses dos medicamentos no peso corporal magro.


PMM: Peso de Massa Magra
A anestesia geral pode ser mantida com um agente anestésico inalatório (sevoflurano, desflurano) e/ou agente intravenoso (propofol) em infusão contínua, associado a bolus intermitentes de opioides de média duração (fentanil ou sufentanil) e/ou infusão contínua de agentes de curta duração, como o opioide remifentanil em doses baixas ou o alfa-2 agonista dexmedetomidina.
Estratégia protetora
Com relação a ventilação controlada, uma estratégia protetora é recomendada para manter a oxigenação, normocapnia e evitar lesões pulmonares. Consiste em baixos volumes correntes (7 ml/kg peso corporal previsto), fração inspirada de oxigênio até 90% conforme tolerado (mínima possível para evitar atelectasia de reabsorção, toxicidade e dessaturação), baixa pressão positiva expiratória final (PEEP) e sem manobras de recrutamento durante a anestesia.
Manobras de recrutamento eram recomendadas e não deviam ser realizadas a menos que os pacientes estivessem hemodinamicamente estáveis e euvolêmicos, pois poderiam levar a uma diminuição transitória da pré-carga.
A PEEP de até 15 cmH2O até então era sabidamente eficaz na manutenção da capacidade residual funcional e na melhora da oxigenação durante a cirurgia laparoscópica em pacientes com obesidade mórbida.
No entanto, recentemente um ensaio clínico publicado em junho de 2019 demonstrou que em pacientes obesos sob anestesia geral submetidos a cirurgia, uma estratégia de ventilação mecânica intraoperatória com maior nível de PEEP e manobras de recrutamento alveolar, comparadas a uma estratégia com menor nível de PEEP, não reduziu complicações pulmonares pós operatórias.
A manutenção da driving pressure (diferença entre a pressão das vias aéreas no final da inspiração – pressão de platô e PEEP) menor do que 15 cm H2O no intraoperatório está associada a menor morbidade pulmonar.
Manejo de fluidos
Com relação ao manejo de fluidos, a perfusão tecidual deve ser usada para orientar a sua administração.
O bloqueio neuromuscular pode ser revertido usando sugamadex ou neostigmina. Sugamadex é uma droga de reversão usada para reverter o rocurônio e o vecurônio.
Embora alguns autores advoguem a dosagem de sugamadex baseada em PCT em obesos, em um estudo, sugamadex 2 mg/kg PCI resultou em reversão adequada, sem bloqueio neuromuscular residual.
Com relação a neostigmina, há informações limitadas sobre ajustes de dose para os obesos. Alguns autores recomendam sua administração com base no PMM é recomendada.
Controle da temperatura corporal
Apesar dos obesos terem menor risco de hipotermia, o controle da temperatura corporal no intraoperatório é fundamental. Todos os pacientes devem ser despertados e extubados em normotermia.
Extubação
A posição em céfalo-aclive é ideal no momento do despertar, para melhorar a oxigenação e diminuir o trabalho de respiração. Alguns pacientes obesos podem demorar a acordar da anestesia e devem permanecer intubados até que estejam acordados e atendam aos critérios de extubação padrão.
Evitar a extubação prematura é particularmente importante no paciente obeso, pois o inchaço, edema e a queda de base de língua podem complicar ainda mais uma ventilação e intubação já desafiadora.
Dor pós-operatória
O manejo adequado da dor pós-operatória com estratégia preventiva e multimodal poupadora de opioides reduz o risco de depressão respiratória e outros efeitos colaterais relacionados aos opioides, sendo fundamental para a recuperação precoce e desfecho favorável dos pacientes.
Essa estratégia é recomendada para todos os pacientes obesos, particularmente àqueles com apneia obstrutiva do sono.
Envolve o uso de analgésicos como dipirona e anti-inflamatórios não esteroides potentes (AINEs) juntamente com a infiltração da ferida com anestésico local.
Outros adjuvantes podem ser usados para otimizar a analgesia como a dextrocetamina, alfa-2 agonistas (clonidina e dexmedetomidina), sulfato de magnésio, lidocaína sistêmica e anticonvulsivantes como pregabalina e gabapentina.
Uma dose única pré-operatória desses anticonvulsivantes já pode reduzir o consumo de opioides, escores de dor, náuseas e vômitos após cirurgia bariátrica. O sulfato de magnésio pode prolongar os efeitos do bloqueio neuromuscular concomitante.
Ventilação não invasiva
O uso de ventilação não invasiva (VNI) após cirurgia abdominal em pacientes com peso normal, em comparação com a oxigenoterapia padrão, reduz a incidência de reintubação e complicações graves.
É razoável pensar que os pacientes obesos também se beneficiariam. Em um estudo de obesos mórbidos com AOS, a aplicação imediata de VNI após a extubação, em comparação com CPAP 30 minutos depois, melhorou significativamente a capacidade vital forçada no primeiro dia de pós-operatório.
Apesar da preocupação de que a aspiração de ar durante o tratamento com CPAP ou VNI possa causar deiscência de anastomose após cirurgia intestinal, estudos de pacientes submetidos a bypass gástrico recebendo CPAP ou outras formas de VNI na unidade de recuperação pós-anestésica não mostraram um aumento do risco de vazamento da anastomose. A decisão em usar VNI deve ser individualizada e conjunta entre toda a equipe que assiste o paciente.
O papel do anestesiologista no resultado final da cirurgia
O anestesiologista possui um papel muito importante no resultado final das cirurgias bariátricas. Para os pacientes, é fundamental adquirir condições de alta da recuperação pós anestésica o mais rápido possível.
A deambulação precocemente aliada a fisioterapia pulmonar e profilaxia não farmacológica e farmacológica de trombose venosa profunda é essencial para o desfecho favorável. Isso é possível graças a um bom planejamento fast track anestésico, cirúrgico e analgésico multimodal.
Como mencionado, para se obter bons resultados com rápida recuperação, diminuição de riscos com maior satisfação dos pacientes e da equipe cirúrgica, os cuidados devem iniciar já no pré-operatório, com uma boa avaliação pré-anestésica.
A seguir, deve-se escolher a anestesia e analgesia pós-operatória determinando individualmente as questões relevantes para cada paciente, levando em conta tanto as alterações fisiológicas causadas pela obesidade quanto a presença de comorbidades.