Carreira em Medicina

Atendimento remoto para crianças: quais as particularidades?

Atendimento remoto para crianças: quais as particularidades?

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Imagem de perfil de Maitê Dahdal

Confira neste artigo a Dra. Maitê Dahdal dá orientações de atendimento remoto para crianças com febre e tosse!

A telessaúde parece que surgiu ontem, mas não é de ontem não, e já provocou um impacto gigantesco em toda a sociedade, beneficiando sem exceções pacientes, profissionais e serviços de saúde, sejam eles públicos ou privados. 

O atendimento remoto é uma ferramenta de acesso à saúde que reduz distâncias, riscos e custos e colabora para a autonomia do paciente e do profissional de saúde.

Como funciona o atendimento remoto?

Pode ocorrer na forma de teleconsulta, que é o que vamos discutir mais detalhadamente neste artigo, e também na forma de: 

  • telediagnóstico (auxílio de laudos e avaliação diagnóstica de forma remota); 
  • teleinterconsulta (consulta e discussão entre dois profissionais de saúde por exemplo); 
  • telemonitoramento e 
  • teletriagem.

Pode ser de forma síncrona, ou seja, ao mesmo tempo (chamada de vídeo ou de áudio por exemplo) e de forma assíncrona (troca de mensagens de texto, fotos e vídeos não em tempo real). Sendo a chamada de vídeo a forma mais completa e a mais praticada. 

O surgimento da teleconsulta e a sua regulamentação

A teleconsulta por muito tempo não era permitida aos médicos brasileiros pela falta de regulamentação do CFM. Porém, com a pandemia de covid-19 e a necessidade, urgente, de reestruturação dos serviços de saúde, em março de 2020 foi permitida de forma excepcional e temporária e prática da consulta remota. 

Claro que sabíamos que era algo que tinha vindo para ficar, pois a teleconsulta já é algo praticada há muitos anos em muitos outros países e sempre trouxe desfechos muitos positivos, porque aqui não poderia ser igual?

E de fato, não foi diferente. Em pouco tempo tivemos um crescimento muito grande e uma rápida adesão às teleconsultas por parte da classe médica e dos pacientes. Porém, como fomos treinados a cuidar de pessoas à beira-leito e ficamos muito tempo no abismo da telemedicina no país é necessário a aquisição de algumas competências e habilidades para a adaptação aos meios digitais. É possível realizarmos consultas médicas remotas tão humanizadas e resolutivas quanto consultas presenciais.

Existem limitações? Claro que existem, não poderemos realizar exame físico diretamente e não poderemos reanimar o paciente caso o mesmo encontre-se em situação muito grave. Mas para o médico que costuma atender de forma ambulatorial, situações fora do contexto de urgência e emergência quase a totalidade da sua rotina pode ser adaptada ao mundo digital. Como o meu caso, que sou Médica de Família e Comunidade e atuo com telemedicina desde 2020. 

Principais motivos de procurar por teleconsulta

Hoje falaremos de um cenário muito comum no mundo da atenção primária à saúde e da pediatria e que tem sido também um dos principais motivos de procura de teleconsulta nos serviços de APS e PA digital. São as crianças com febre e tosse! Como avaliarmos de forma remota? Vamos lá?

Primeiro acho importante citar como esse caso pode chegar até você, caro colega. Vai depender muito de onde e de como você trabalha. Se você tiver seu consultório próprio e agendar teleconsultas, voilá, chegará da mesma forma que uma consulta presencial.

No SUS temos também em algumas unidades básicas de saúde o agendamento semelhante ao presencial. Ele ocorre de forma agendada, eletiva, sob solicitação da mãe, podendo ser no mesmo dia ou em outro dia que o agendamento foi solicitado. 

Existem diversos serviços no serviço privado se pronto atendimento 24h digital, inclusive já existem no país diversas empresas que operam esses serviços e prestam serviços terceirizados para as operadoras de convênios. 

Como é feita a triagem de um teleatendimento?

Alguns desses PAs digitais realizam triagem via inteligência virtual ou através de consulta com enfermeiro. O paciente é classificado e segue para uma “sala de espera virtual” onde você, colega, irá atender. 

O atendimento tanto do paciente agendado eletivo, quanto do paciente que chegou via PA digital não difere, ok? 

Como conduzir o atendimento remoto? 

Assim como na consulta presencial, essa criança estará acompanhada de um responsável maior de idade que irá nos ajudar na coleta de dados e informações sobre o paciente. Muito importante na teleconsulta é confirmar: 

  • a identidade do paciente antes de iniciar o atendimento;
  • localização geográfica do paciente. Confirmar se por exemplo o paciente se encontra no endereço cadastrado no prontuário digital. E qual a importância disso? Pois se numa urgência precisamos acionar SAMU precisamos saber exatamente onde esse paciente se encontra, ok?

Feito isso partimos para a coleta de informações sobre a história clínica, a anamnese. Aqui não tem mistério, deve acontecer da mesma forma que numa consulta presencial. Adiciono que na teleconsulta temos um “plus”, sabe qual é? 

Na chamada de vídeo já conseguimos observar o ambiente em que a criança se encontra e já podemos identificar fatores ambientais, por exemplo, que podem corroborar com a avaliação diagnóstica. 

Exemplo: crianças com tosse e coriza em ambientes com tapetes, cortinas, pets podem sugerir quadros alérgicos.

Nessa etapa já podemos identificar sinais de alarme que possam indicar a necessidade de conversão da teleconsulta em consulta presencial como: “a criança está respirando muito ofegante, está muito sonolenta, está arroxeada, a febre não melhora por nada”. 

Avaliação física

Após coleta dessas informações, prosseguimos para a avaliação física. Existe um preconceito muito grande que “não se pode realizar exame físico na telemedicina”.

O exame físico remoto se baseia principalmente na ectoscopia onde iremos avaliar: 

  •  o estado geral do paciente, 
  • seu nível de consciência, 
  • orientação, 
  • fala (e isso é muito importante para a avaliação respiratória, por exemplo, se há ou não necessidade de interrupção da fala para respirar), 
  • coloração da pele, 
  • mucosas.
  •  Podemos avaliar também se há ou não fácies de dor e posição antálgica. 

Em relação à parte respiratória podemos estimar a frequência respiratória e avaliar se há ou não uso de musculatura acessória. Podemos também ensinar o auto exame físico para adultos e crianças mais velhas (por exemplo, pedir para palpar a região cervical e perguntar se está doendo, palpar abdome e perguntar onde dói) e também podemos guiar os pais para obter algumas informações.

Coleta de sinais vitais 

A maioria dos pais tem termômetro em casa, o que facilita na mensuração e monitoramento da febre. Alguns domicílios também já estão equipados com oxímetro, o que facilita ainda mais a avaliação clínica.

Se tratando de crianças é também essencial saber o peso atual para calcular a dose das medicações prescritas.

Existem diversos dispositivos tecnológicos de semiologia remota avançada que contém estetoscópio, otoscópio e abaixador de língua com câmera para avaliação, porém são dispositivos caros, ainda pouco acessíveis no nosso país.

Observe então que a avaliação da criança com febre e tosse de forma remota é bem semelhante que a avaliação presencial, não é? A única diferença concreta é que você não irá auscultar a criança…mas mesmo assim é possível ter uma avaliação diagnóstica bastante precisa e tomar uma conduta terapêutica de forma segura.

Principais cenários e orientações de conduta 

Após coleta das informações nos depararmos com três principais cenários, sendo as condutas:

Criança grave

Saturação baixa, taquidispneica, sonolenta, cianótica: encaminharemos a urgência e emergência via ambulância do convênio, ou SAMU, ou meios próprios à depender do estado da criança.

As particularidades de cada caso que nos apoiarão na tomada dessa decisão são idênticas às presenciais. 

Criança com resfriado 

Ativa, sem nenhum sinal ou sintoma de alarme: sintomáticos, orientações e acompanhamento de rotina.

Criança que requer monitoramento

Prostrada, toxemiada, porém sem sinais/sintomas de alarme: reavaliação frequente via equipe de telemedicina.

A periodicidade vai depender da necessidade individual de cada caso, sendo a tomada de decisão bem semelhante ao dia a dia do atendimento presencial de crianças com febre e tosse.

Qual seria o benefício de você atender sintomáticos respiratórios por telemedicina?

No começo do artigo defini algumas qualidades da telessaúde para vocês como a ampliação do acesso e a redução de barreiras e isso faz com que o atendimento médico seja procurado em estágios mais iniciais.

Vale ressaltar que essa procura inicial é excelente para:

  • conter de forma precoce a cadeia de transmissão (covid, influenza, vírus sincicial respiratório, etc) 
  • detectar pacientes de risco e sinais/sintomas de alarme de forma precoce e propor monitoramento mais intenso em casos necessários, obtendo melhores desfechos
  • nos casos de suspeita de influenza permite a prescrição da oseltamivir a população alvo (crianças com idade inferior a 5 anos). 

Inclusive vou compartilhar o resultado de uma pesquisa que demonstra como a telemedicina foi eficiente no aumento do diagnóstico precoce de gripe. 

Benefício da telemedicina e o que podemos esperar 

Além da procura inicial, é importante relembrar do suprassumo do benefício da telemedicina que é ampliar o acesso à saúde. A pessoa será atendida praticamente quando e como quiser; de onde estiver; por quem puder. 

Com a expansão e capilarização da telessaúde no nosso país associado ao acesso aos celulares, 3/4/5G e modernização dos serviços de saúde (SUS/privado), imaginem quantas vidas não serão atendidas? E neste caso em especial, quantas mães não estarão tranquilizadas de terem seus filhos avaliados por um profissional de saúde sem precisar sair de casa? Quantas crianças não serão ajudadas sem serem expostas e serviços de saúde, horas de espera, exames desnecessários? 

Que possamos lapidar nossas habilidades em telessaúde e praticar muito nossos teleatendimentos. Nossa população merece.

Sugestão de leitura complementar

Confira as outras colunas da Dra. Maitê Dahdal:

Referências

Shah AC, Badawy SM. Telemedicine in Pediatrics: Systematic Review of Randomized Controlled Trials. JMIR Pediatr Parent. 2021 Feb 24;4(1):e22696. doi: 10.2196/22696. PMID: 33556030; PMCID: PMC8078694.

Burke BL Jr, Hall RW; SECTION ON TELEHEALTH CARE. Telemedicine: Pediatric Applications. Pediatrics. 2015 Jul;136(1):e293-308. doi: 10.1542/peds.2015-1517. PMID: 26122813; PMCID: PMC5754191.

Rothberg MB, Martinez KA. Influenza Management via Direct to Consumer Telemedicine: an Observational Study. J Gen Intern Med. 2020 Oct;35(10):3111-3113. doi: 10.1007/s11606-020-05640-5. Epub 2020 Jan 9. PMID: 31919730; PMCID: PMC7573037.

Haimi, M., Brammli-Greenberg, S., Waisman, Y. et al. Physicians’ experiences, attitudes and challenges in a Pediatric Telemedicine Service. Pediatr Res 84, 650–656 (2018). https://doi.org/10.1038/s41390-018-0117-6

Haimi M, Brammli-Greenberg S, Baron-Epel O, Waisman Y. Assessing patient safety in a pediatric telemedicine setting: a multi-methods study. BMC Med Inform Decis Mak. 2020 Apr 3;20(1):63. doi: 10.1186/s12911-020-1074-7. PMID: 32245469; PMCID: PMC7126468.

A Telemedicina e a Sociedade de Pediatria de São Paulo – SPSP | SPSP
www.spsp.org.br/2020/05/22/a-telemedicina-e-a-sociedade-de-pediatria-de-sao-paulo-spsp. Accessed: 2022-11-11

Telemedicina e pediatria: um olhar para o presente e para futuro – Medicina S/A. https://medicinasa.com.br/telemedicina-e-pediatria. Accessed: 2022-11-11