Medicina da Família e Comunidade

Benzodiazepínicos: ações no sistema nervoso central e usos terapêuticos

Benzodiazepínicos: ações no sistema nervoso central e usos terapêuticos

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Benzodiazepínicos (BZD) são medicamentos hipnóticos e ansiolíticos com efeitos notáveis. Amplo índice terapêutico que apresentam, ainda, propriedades anticonvulsivante, relaxante muscular e amnésica.

Esses medicamentos foram introduzidos no mercado na década de 1960, a partir da descoberta acidental do Clordiazepóxido. Desde então, se tornaram um dos grupos de medicamentos com propriedades ansiolíticas mais prescritos em todo o mundo.

O uso prolongado é contraindicado, pois pode causar efeitos adversos. Entre eles a dependência, e seu efeito pode ser potencializado com o uso de álcool e outros psicotrópicos.

Mecanismo de ação dos Benzodiazepínicos

Os alvos para as ações dos benzodiazepínicos são os receptores do GABA-A. Esses receptores são compostos basicamente de famílias de subunidades Alfa, Beta e Y, das quais uma combinação de cinco ou mais se estende através da membrana pós-sináptica (Figura 1).

Dependendo do tipo e do número de subunidades e da localização cerebral, a ativação dos receptores resulta em diferentes efeitos farmacológicos.

Benzodiazepínicos modulam os efeitos GABA

Os benzodiazepínicos modulam os efeitos GABA ligando-se a um local específico de alta afinidade, na interface da subunidade Alfa e da subunidade ‘Y2 (ver Figura 1).

(os locais de ligação, algumas vezes, são denominados receptores benzodiazepínicos. Dois subtipos de receptores benzodiazepínicos comumente encontrados no SNC são designados como receptores BZ1 e BZ2, dependendo se na sua estrutura se encontram subunidades a.1 ou a.2, respectivamente.)

A localização dos receptores BZ no SNC é comparável à dos neurônios GABA. A ligação do GABA ao seu receptor abre o canal de CL-, o que aumenta a condutância do íon (ver Figura 1). Os benzodiazepínicos aumentam a frequência da abertura dos canais produzida pelo GABA.

Influxo de CL

O influxo de CL- causa uma leve hiperpolarização que afasta o potencial pós-sináptico do valor limiar. Assim, inibe a formação de potenciais de ação.

(Nota: a ligação do benzodiazepínico ao seu receptor aumentará a afinidade do GABA por seus locais de ligação [e vice-versa] sem realmente alterar o número total de locais.)

Os efeitos clínicos dos vários benzodiazepínicos se correlacionam bem com cada afinidade de ligação do fármaco pelo complexo receptor GABA-canal de íon cloreto.

Figura 1: Diagrama esquemático do complexo canal íon cloreto-GABA-benzodiazepínico. Fonte: CLARK, 2013

Ações no SNC e Usos Terapêuticos

Os benzodiazepínicos não têm atividade antipsicótica nem ação analgésica e não afetam o Sistema Nervoso Autônomo. Todos os benzodiazepínicos apresentam ações em maior ou menor intensidade citadas a seguir:

Redução da ansiedade

Em doses baixas, os benzodiazepínicos são ansiolíticos. O efeito é atribuído à potenciação seletiva da transmissão GABAérgica em neurônios que têm a subunidade a.2 no receptor GABA-A, inibindo, assim, os circuitos neuronais no sistema límbico cerebral.

Os benzodiazepínicos são eficazes no tratamento dos sintomas de:

  • ansiedade secundária ao transtorno de pânico,
  • transtorno de ansiedade social e por performance,
  • (TAG) – transtorno de ansiedade generalizada,
  • transtorno de estresse pós-traumático,
  • ansiedade extrema e transtorno obsessivo-compulsivo, às vezes, com fobias específicas, como o medo de voar.

Esses fármacos não devem ser usados para aliviar o estresse normal da vida diária.

Devem ser reservados para a ansiedade grave e contínua e, então, usados somente em períodos curtos devido ao seu potencial de vício.

Efeitos dos medicamentos

Os benzodiazepínicos de ação mais longa, como clonazepam e diazepam, são preferidos nos pacientes com ansiedade que exigem tratamento por tempo prolongado.

Os efeitos ansiolíticos dos benzodiazepínicos são menos sujeitos à tolerância do que os efeitos sedativo e hipnótico.

Para o transtorno de pânico, o alprazolam é eficaz para tratamentos curtos ou longos, embora possa causar reações de abstinência em cerca de 30% dos pacientes

Ações hipnóticas e sedativas dos benzodiazepínicos

Todos os benzodiazepínicos usados para tratar ansiedade têm alguma propriedade sedativa, e alguns podem produzir hipnose em doses mais elevadas. Seus efeitos são mediados pelos receptores a.1-GABA-A.

Embora todos os benzodiazepínicos tenham efeitos calmantes e sedativos, nem todos são úteis como hipnóticos. Eles tendem a diminuir a latência para dormir e a aumentar o estágio dois do sono não REM. O sono REM e o sono de ondas lentas são diminuídos.

No tratamento da insônia, é importante o equilíbrio entre o efeito sedativo necessário na hora de dormir e a sedação residual após o despertar.

Os benzodiazepínicos prescritos comumente contra os distúrbios do sono incluem os de longa ação, flurazepam, os de ação intermediária, temazepam, e os de curta ação, triazolam.

Apesar de serem globalmente prescritos, desde 2012 a Sociedade Americana de Geriatria, não recomenda o seu uso no tratamento da insónia no idoso.

Devido a sua menor capacidade de metabolização, com consequente acumulação e efeitos à nível do sistema nervoso central, capazes de provocar deterioração da capacidade cognitiva e motora do idoso.

a. Flurazepam

Esse benzodiazepínico de longa ação reduz significativamente o tempo de indução ao sono, o número de despertares e aumenta a duração do sono.

O flurazepam tem efeito de longa ação e causa pouca insônia de rebote.

No uso contínuo, esse fármaco mantém sua eficácia por até quatro semanas. Ele e seu metabólito ativo têm meia-vida de cerca de 85 horas, o que pode resultar em sedação durante o dia e acúmulo do fármaco.

b. Temazepam

Esse fármaco é útil em pacientes que acordam frequentemente. Contudo, como o efeito sedativo máximo ocorre 1 a 3 horas após a dose oral, o fármaco deve ser administrado 1 a 2 horas antes da hora prevista para deitar.

c. Triazolam

Esse benzodiazepínico tem duração de ação relativamente curta e, por isso, é usado para induzir o sono em pacientes com insônia recorrente.

O temazepam é útil contra a insônia causada pela incapacidade de permanecer dormindo, ao passo que o triazolam é eficaz no tratamento de indivíduos que têm dificuldade em começar a dormir.

Em poucos dias, desenvolve-se tolerância, e a suspensão do fármaco, em geral, resulta em insônia de rebote, levando o paciente a procurar nova prescrição ou usar dosagem maior. Portanto, esse fármaco é melhor se usado de modo intermitente, em vez de diariamente.

Em geral, os hipnóticos só devem ser usados por tempo limitado, geralmente menos de 2 a 4 semanas.

Os principais grupos farmacológicos utilizados no tratamento de distúrbios do sono e passíveis de substituir os BZD nestes distúrbios estão detalhados na Tabela 1:

Tabela 1: Principais grupos farmacológicos utilizados no tratamento de distúrbios do sono

Fonte: RAPOSO, 2015

Por geralmente diminuírem o seu efeito ao longo do tempo (em geral 3 a 4 meses), os BZD não são indicados para tratamento de longo prazo e perdem seu lugar para as drogas Z (agonistas dos receptores do GABA, como zolpidem e zaleplam), que, embora mais caras e não fornecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), têm eficácia semelhante e menos efeitos colaterais.

Amnésia anterógrada e os benzodiazepínicos

O bloqueio temporário da memória com o uso dos benzodiazepínicos também é mediado pelos receptores a.1-GABA-A e diminui a capacidade do paciente de aprender e de formar novas memórias.

Em geral, os fármacos de ação curta são empregados como pré-medicação para procedimentos desconfortáveis e provocadores de ansiedade, como endoscopias, broncoscopias e certos procedimentos odontológicos, bem como angioplastia.

Eles provocam uma forma de sedação consciente, permitindo ao paciente atender certas instruções durante esses procedimentos. O midazolam é um benzodiazepínico empregado também na indução da anestesia

Anticonvulsivantes

Vários dos benzodiazepínicos têm atividade anticonvulsivante e alguns são usados para tratar epilepsia, e outros, distúrbios convulsivos. Esse efeito é parcialmente mediado pelos receptores a.1-GABA-A.

O clonazepam é usado ocasionalmente no tratamento de certos tipos de epilepsia, e o diazepam e o lorazepam são os fármacos de escolha no controle do estado epiléptico e nas convulsões epilépticas tipo grande mal.

Devido à tolerância cruzada, clordiazepóxido, clorazepato, diazepam e oxazepam são úteis no tratamento agudo da abstinência ao álcool, reduzindo o risco de convulsões associadas à abstinência.

Relaxamento muscular e os benzodiazepínicos

Em doses elevadas, os benzodiazepínicos diminuem a espasticidade do músculo esquelético, provavelmente aumentando a inibição pré-sináptica na medula espinal, onde predominam os receptores a.2-GABA-A.

O diazepam é útil no tratamento de espasmos dos músculos esqueléticos, como os que ocorrem no estiramento. No tratamento da espasticidade devida a doenças degenerativas, como esclerose múltipla e paralisia cerebral.

Fonte: CLARK, 2013 (Adaptado)

Leituras sugeridas

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


Referências sobre benzodiazepínicos

  1. CLARK, MICHELLE A. [et al.] Farmacologia ilustrada / 5. ed. Porto Alegre, RS: Artmed, 2013.
  2. RAPOSO, Francisco Miguel de Ornelas. As alterações do sono no idoso. Tese de Doutorado. 2015.
  3. BRUNTON, L. L.; CHABNER, B. A.; KNOLLMANN, B. C. As bases farmacológicas da terapêutica de Goodman e Gilman. 12. Ed. Porto Alegre: AMGH, 2012.
  • DE CAMPOS, Natalia Pereira dos Santos; ROSA, Cleiton Antonio; GONZAGA, Márcia Féldreman Nunes. Uso indiscriminado de benzodiazepínicos. 2017.
  • AMARAL, B. D. A.; MACHADO, K. L. Benzodiazepínicos: uso crônico e dependência. 30 f. Monografia (Especialização em farmacologia), UNIFIL -Centro Universitário Filadélfia, Londrina, 2012.
  • Silva AB. Medicina do sono. In: do Prado FC, Ramos J, do Valle JR. Atualização Terapêutica. 23ª edição. São Paulo: Artes Médicas; 2007.