Ciclo Clínico

Caso Clínico de Lúpus Eritrematoso Sistêmico (LES)

Caso Clínico de Lúpus Eritrematoso Sistêmico (LES)

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Imagem de perfil de Graduação Médica

História Clínica

Sexo feminino, 25 anos, parda.

Queixa principal:

Dor nas articulações há quatro meses.

História da moléstia atual: 

Paciente refere que há cerca de quatro meses vem apresentando dor nas articulações, de caráter migratório, simétrico, com piora ao acordar, que permanece por até 30 min, sem deformação articular, associado a calor, rubor e edema locais, de caráter não aditivo. Nega trauma. Refere aparecimento de lesões circulares avermelhadas, de cerca de 0,5cm no tórax. Nos últimos quatro meses foi levada à emergência da cidade duas vezes após quadro convulsivo, porém não obteve diagnóstico. Além disso, refere ter notado queda de cabelo, que não está crescendo novamente, e está incomodando esteticamente. Nega febre, perda de peso, astenia.

Antecedentes Médicos:

Menarca aos 11 anos, com ciclos posteriores regulares. G2P0A2. Os abortos foram espontâneos. Nega hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, alergia medicamentosa e internações prévias.

Antecedentes Familiares:

Mãe diabética desde adolescência.

Hábitos de Vida:

Nega etilismo e tabagismo. Vai à academia 5 dias na semana. Dieta balanceada rica em frutas e legumes.

Interrogatório Sistemático:

Refere que nos últimos meses suas mãos começaram a ficar azuladas com redução da temperatura.

Exame Físico

Geral: 

Paciente em bom estado geral, eupneica, acianótica, levemente ictérica, apirética.

Dados antropométricos:

  • PA: 120X70 mmHg, sentada, em membro superior direito
  • PR: 90 bpm rítmico e cheio
  • FR: 18 inc./min Temperatura axilar: 36,5º C
  • Peso: 55 Kg; Altura: 1,60 m; IMC: 21,5 Kg/m2
  • Circunferência abdominal: 72 cm.

Mucosas:

Descoradas (++/IV+), icterícia(+/IV+). Pele: sem alterações. Fâneros e linfonodos: sem alterações.

Segmento cefálico

  • Boca: úlceras orais indolores.
  • Pescoço: tireoide de tamanho normal, indolor, lisa, móvel. Ausculta não realizada.
  • Aparelho respiratório: Murmúrio vesicular bem distribuídos, sem ruídos adventícios.
  • Aparelho cardiovascular: precórdio calmo, ictus visível e palpável no 5ºEICE, impulsivo, abrangendo 1,5 polpas digitais. Bulhas rítmicas normofonéticas em 2 tempos.  Sopro sistólico grau I/VI, audível em foco aórtico
  • Abdome: plano, ruídos hidroaéreos presentes, indolor, sem visceromegalias.
  • Extremidades: punho esquerdo, joelho direito, articulações da mão dolorosos à movimentação e palpação. Ausência de edema, calor, nódulos, crepitação e deformidade articular, no momento da consulta. Ausência de nodulações.
  • SN: sem alterações

Discussão do caso de lúpus eritrematoso sistêmico

Paciente do sexo feminino, 25 anos (idade fértil), tem queixa principal de dor articular há 4 meses. Essa dor pode estar associada a uma gama de doenças, mas que pode ser restringida de acordo com as características. O fato de ela ser jovem, piorar ao acordar e melhorar com movimento, afastam a possibilidade de ser osteoartrite(anteriormente nomeada osteoartrose), já que esta acomete mais pessoas idosas e piora com o movimento. Podemos pensar também em artrite reumatoide, artrite gotosa(gota), febre reumática, artrite reativa, lúpus eritematoso sistêmico, artrite pós infecção gonocócica dentre outras. Desse modo, podemos afastar a artrite reumatoide pois ela geralmente tem padrão aditivo, poupa articulação falangeana distal, além de causar deformação, podendo também gerar nodulações subcutâneas. A artrite gotosa pode ser afastada pois na maioria dos casos é monoarticular, e apresenta a podagra (dor no hálux). A febre reumática apesar de possuir padrão articular migratório, geralmente vem acompanhada de febre, com início do quadro de duas a três semanas após infecção estreptocócica, o que afasta do quadro apresentado pela paciente. A maior suspeita para o caso acaba sendo o Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES), que apresenta geralmente uma poliartrite que pode ser migratória, não poupando articulações, geralmente não aditiva. Além disso, as lesões de pele, de mucosa oral, o rash cutâneo, a alopecia, favorecem a suspeita. A febre e perda de peso podem ocorrer, mas tem incidência variável. As convulsões podem ocorrer em pacientes com LES, inclusive sem a presença de outro sinais mais comuns, o que pode ser um fator confundidor. Como podemos perceber, a queixa de artrite possui várias causas dentre elas as doenças reumatológicas, que são um grupo de doenças com sintomatologia algumas vezes parecida e que pode implicar em confusão diagnóstica se seguido apenas os critérios clínicos, logo é necessário realização de exames laboratoriais para a confirmação.

Diagnóstico de lúpus

Para o diagnóstico de LES (lúpus eritrematoso sistêmico) costuma-se utilizar a orientação do Colégio Americano de Reumatologia (CAR), no qual é necessário que 4 dos 11 critérios* estabelecidos, estejam presentes para definir a doença. Estando presente ou havendo suspeita de dois dos 11 critérios, já é recomendada a solicitação da pesquisa de anticorpos antinucleares (FAN-HEp-2). O exame FAN é positivo em 98% dos casos, sendo assim ressalta-se sua alta sensibilidade, mas não sua especificidade. Outros testes laboratoriais como os anticorpos anti-Sm e anti-DNA são muito específicos, mas ocorrem de 30-40% das pessoas com LES. Da mesma forma, os anticorpos antiproteína P ribossômica, presentes em apenas 10% dos casos de LES, podem, em alguns casos, ser os únicos marcadores de doença e também auxiliam no acompanhamento de pacientes com quadros graves de distúrbios psiquiátricos associados a essa doença. Outros exames consistem na avaliação hematológica, tendo como parâmetros as seguintes alterações:
  1. anemia hemolítica com reticulocitose;
  2. leucopenia de menos de 4.000/mm³ em duas ou mais ocasiões;
  3. linfopenia de menos de 1.500/mm³ em duas ou mais ocasiões;
  4. trombocitopenia de menos de 100.000/mm³ na ausência de uso de fármacos causadores.
As provas inflamatórias de fase aguda, como a velocidade de hemossedimentação (VHS) e a proteína C reativa (PCR), são úteis para o diagnóstico. A VHS geralmente está aumentada na atividade da doença, refletindo a fase aguda dos processos inflamatórios, porém pode persistir elevada mesmo após o controle da doença, não se correlacionando com sua atividade inflamatória. Entretanto, a PCR é geralmente baixa no LES e aumenta nos processos infecciosos, auxiliando por vezes no diagnóstico diferencial dessas duas condições.

Critérios para diagnóstico do lúpus eritrematoso sistêmico (LES)

1. Eritema malar: eritema fixo, plano ou elevado nas eminências malares, tendendo a poupar a região nasolabial. 2. Lesão discoide: lesão eritematosa, infiltrada, com escamas queratóticas aderidas e tampões foliculares, que evolui com cicatriz atrófica e discromia. 3. Fotossensibilidade: eritema cutâneo resultante de reação incomum ao sol, por história do paciente ou observação do médico. 4. Úlcera oral: ulceração oral ou nasofaríngea, geralmente não dolorosa, observada pelo médico. 5. Artrite: artrite não erosiva envolvendo 2 ou mais articulações periféricas, caracterizada por dor à palpação, edema ou derrame. 6. Serosite: a) pleurite – história convincente de dor pleurítica ou atrito auscultado pelo médico ou evidência de derrame pleural; ou b) pericardite – documentada por eletrocardiografia ou atrito ou evidência de derrame pericárdico. 7. Alteração renal: a) proteinúria persistente de mais de 0,5 g/dia ou acima de 3+ (+++) se não quantificada; ou b) cilindros celulares – podem ser hemáticos, granulares, tubulares ou mistos. 8. Alteração neurológica: a) convulsão – na ausência de fármacos implicados ou alterações metabólicas conhecidas (por exemplo, uremia, cetoacidose, distúrbios hidroeletrolíticos); ou b) psicose – na ausência de fármacos implicados ou alterações metabólicas conhecidas (por exemplo, uremia, cetoacidose, distúrbios hidroeletrolíticos). 9. Alterações hematológicas: a) anemia hemolítica com reticulocitose; ou b) leucopenia de menos de 4.000/mm3 em duas ou mais ocasiões; ou c) linfopenia de menos de 1.500/mm3 em duas ou mais ocasiões; ou d) trombocitopenia de menos de 100.000/mm3 na ausência de uso de fármacos causadores. 10. Alterações imunológicas: a) presença de anti-DNA nativo; ou b) presença de anti-Sm; ou c) achados positivos de anticorpos antifosfolipídios baseados em concentração sérica anormal de anticardiolipina IgG ou IgM, em teste positivo para anticoagulante lúpico, usando teste-padrão ou em VDRL falso-positivo, por pelo menos 6 meses e confirmado por FTA-Abs negativo. 11. Anticorpo antinuclear (FAN): título anormal de FAN por imunofluorescência ou método equivalente em qualquer momento, na ausência de fármacos sabidamente associados ao lúpus induzido por fármacos.

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