Reumatologia

Fator antinuclear (FAN): Dicas para a interpretação dos resultados | Colunistas

Fator antinuclear (FAN): Dicas para a interpretação dos resultados | Colunistas

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Imagem de perfil de Maristela Adamovski

Confira um resumo sobre o que você precisa para saber interpretar os resultados do fator antinuclear (FAN)!

O exame chamado fator antinuclear (FAN) é um teste habitualmente solicitado para pacientes com suspeita de ter uma doença de origem autoimune.

Exame de fator antinuclear (FAN): como é o teste?

A pesquisa de auto anticorpos contra proteínas do núcleo e citoplasma celulares (FAN) pode auxiliar expressivamente o diagnóstico de doenças reumatológicas de caráter autoimune, que são difíceis de diagnosticar.

Essas doenças se apresentam com quadros clínicos sobrepostos. O que dificulta um diagnóstico preciso e, consecutivamente, o direcionamento da investigação laboratorial complementar. Ele é essencial para o especialista referendar a hipótese diagnostica.

A investigação dos auto anticorpos é realizada com o soro dos pacientes que será colocado em contato com células de tumor de laringe denominadas HEP 2 (substrato da reação) na técnica de imunofluorescência indireta (IFI).

Fator antinuclear (FAN): investigação de anticorpos

A escolha na utilização destas células foi devido às mesmas se replicarem rapidamente, permitindo inclusive a investigação de anticorpos contra proteínas  expressas no aparelho mitótico e no núcleo nas diferentes fases do ciclo celular, tais como:

  • proteínas do centrômero, as que se expressam durante a proliferação celular/antígeno nuclear de células em proliferação (PCNA, antígeno nuclear de células em proliferação),
  • CENP-F (proteína F do centrômero) e
  • inúmeras outras presentes no processo de divisão celular como fuso mitótico, centríolo e outras.

Vale ressaltar que esta técnica é de utilização mundial. O que favorece a troca de informações entre os grandes centros de investigação.

A técnica exige que no teste de triagem qualitativo (positivo ou negativo) para presença de auto anticorpos o soro seja diluído 80 vezes. Isso porque abaixo desta diluição muitos resultados de indivíduos normais podem apresenta-se positivos.

Isto deve-se a todos os seres humanos possuírem auto anticorpos, em condições não patológicas. É inegável a necessidade de uma constante reflexão sobre as características intrínsecas do teste, como sensibilidade, especificidade e valores preditivos na prática clínica. Porém isto muitas vezes é difícil de ser compreendido.

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Aspectos importantes na interpretação de FAN

Os resultados devem seguir uma padronização descrita em documentos formatados a partir das reuniões de especialistas na área denominadas “Consensos Brasileiros de Fator Anti-Nuclear em células HEP 2“*.

Nestes documentos, foram estabelecidas ações objetivando a padronização de critérios para leitura e interpretação dos diversos padrões de auto anticorpos em células HEp-2 (Consensos I e II).

Foram apresentados algoritmos de classificação, fundamentados no critério morfológico e estabelecendo cinco grupos principais de padrões de fluorescência:

  • nucleares,
  • nucleolares,
  • citoplasmáticos,
  • aparelho mitótico e
  • mistos com suas correlações clinicas.

Interpretação pelo método de IFI

A partir disso, segue o que podemos inicialmente ressaltar neste contexto complexo que é a interpretação da investigação de auto anticorpos pelo método de IFI utilizando células HEP 2:

  1. O teste de IFI com células HEP 2 é mais sensível e menos específico do que a investigação de células LE utilizada anteriormente para auxiliar o diagnóstico de Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES). Isto resultará em uma maior quantidade de ensaios falso positivos. Dados de Watanabe, et all (2004) indicaram que uma investigação de FAN em 597 indivíduos hígidos, cerca de 20% apresentaram resultados positivos;
  2. Quando se utiliza a célula Hep-2 como substrato, títulos menores ou iguais a 1:80 usualmente tem pouco significado caso o paciente apresente sinais clínicos compatíveis;

Pacientes autoimunes

Os pacientes autoimunes normalmente tendem a apresentar títulos moderados (1/160 e 1/320) a altos (1/640 a mais), enquanto indivíduos sadios, na maioria das vezes, tendem a apresentar títulos baixos (inferior a 1/80). Porém as exceções de ambos os lados são bem frequentes. Isto nos faz concluir que devemos sempre levar em consideração o ASPECTO CLINICO DO INDIVÍDUO.

Pode-se suspeitar de eclosão clínica em pacientes que apresentarem altos títulos de FAN sem nenhuma sintomatologia. Dados na literatura citam que em até 80% dos casos, portadores de LES apresentaram positividade de FAN antes do aparecimento da doença.

FAN positivo transitoriamente

Infecções virais (Citomegalovirose, Parvovirose, Mononucleose Infecciosa, Hepatite), podem positivar transitoriamente o FAN.

Uso de drogas e FAN positivo

Vários medicamentos podem induzir a uma condição lupóide e títulos de FAN elevados que, usualmente decrescem após a retirada do medicamento. Drogas que geralmente estão associadas com FAN positivo incluem:

  • Hidralazina,
  • Carbamazepina,
  • Hidantoína,
  • Procainamida,
  • lsoniazida,
  • Metildopa,
  • AAS.

Uso de corticoide ou outra terapia imunossupressora também pode levar a resultados de FAN negativos. Nestes casos o exame deve ser repetido 3 meses após a retirada do medicamento;

O soro de pacientes com qualquer doença reumática pode conter muitos auto anticorpos para diferentes constituintes nucleares;

O que fazer após o FAN positivo?

Após o teste de triagem positivo deverá ser feita a dosagem dos auto anticorpos separadamente. Alguns destes testes são mercadores diagnóstico, enquanto outros são encontrados em várias doenças, mas com prevalências diferentes.

Padrões nucleares de FAN mais frequentes e suas correlações clínicas

Quanto aos padrões mais comumente encontrados com as possíveis correlações clinicas, seguem nas tabelas abaixo:

ALVO ANTIGÊNCO/PADRÃO FAN PATOLOGIA
Anti-DNA de cadeia dupla (ds-DNA, DNA Nativo) Padrão: Homogêneo Encontrados primariamente no LES numa frequência de 70 a 80% dos casos;concentração de antígenos (título) correlaciona-se bem com a atividade da doença;Presença de anticorpos anti-DNA correlaciona-se particularmente com a atividade da nefrite lúpica;
Anti-Histona Padrão : Homogêneo Estão presentes em 96% dos pacientes com lupus induzido por medicamentos e em 30% do LES Hidralazina, Procainamida e anticonvulsivantes;Ocorre em 15 a 20% dos pacientes com AR.
Anti-snRNP Padrão:  Pontilhado (grosso) Altos títulos de RNP, na ausência de anti-Sm, são fortemente sugestivos de doença mista do tecido conjuntivo (DMTC), que se manifesta clinicamente por acometimento cutâneo do tipo esclerodérmico, miosite e sinovite tipo reumatóide, onde aparece em 100% dos casosaparece em baixos títulos no LES, lupus discóide, artrite reumatóide, síndrome de Sjogren e lupus induzido por medicamentos
Anti-Sm (Smith, nome do primeiro paciente em que foi reconhecido) Padrão Pontilhado  (grosso) Possui alta especificidade para o LES, porém sua sensibilidade nestes pacientes é de apenas 25 a 30 %, geralmente durante a fase aguda da doença;Raramente aparece em outras desordens;Alguns estudos associam a sua presença com nefrite branda de surto benigno, outros o associam com envolvimento do SNC, quando manifestação única do LES
Anti-SSa/Ro Padrão pontilhado (fino) Ro é uma proteína citoplasmática pequena ligada ao RNA, cuja função é desconhecida; Este anticorpo está presente em cerca de 70% dos pacientes com síndrome de Sjogren primária;
Já na Sj associada a artrite reumatóide está presente em 40% dos casos; também ocorrem em 30% dos pacientes com LES, onde marca as formas de lupus neonatal, lupus subagudo cutâneo e na síndrome do anticorpo antifosfolípide
Anti-SSb/La Padrão pontilhado (fino) São contra partículas protêicas do RNA que parecem participar como um co-fator para a RNA polimerase; O anti-La geralmente acompanha o anti-Ro; A presença de ambos no LES é geralmente associada a uma doença mais leve do que quando o Ro está presente isoladamente;
O SSb/La ocorre em mais da metade dos pacientes com Sj e no LES em 15%.
Anti- centrômero Padrão pontilhado centromérico Esclerose sistêmica forma CREST (C/calcinose.R/Raynaud;E/dismotilidadeesofagiana;S/esclerodermia;T/telangectasia)
Anti-Scl-70 Padrão nucleolar Proteína 7OKDa que foi recentemente identificada como uma Topoisomerase encontrado em 75% de pacientes com esclerose sistêmica difusa
Anti PCNA Padrão pontilhado pleomórfico PCNA Específico para LES (5 a 10% dos casos) não sendo encontrado em outras patologias. Geralmente pacientes com PCNA positivo apresentam maior incidência de glomerulonefrite difusa.

OBS: alguns padrões de IFI não guardam associação específica com doenças reumáticas autoimunes, podendo mesmo ser detectados em indivíduos sadios.

Entre esses, se destacam o padrão pontilhado fino com título baixo (1/80 a 1/160) e pontilhado fino denso (em qualquer título), pois representam mais de 50% dos testes positivos na rotina de um laboratório clínico geral.

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