Ciclo Clínico

Um Caso Clínico de Transtorno Depressivo

Um Caso Clínico de Transtorno Depressivo

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Neste caso clínico, entenda como diagnosticar e proceder com um paciente que apresenta Transtorno Depressivo.

Bons estudos!

Dados de Identificação

L. P. F., 48 anos, masculino, natural e proveniente de Foz do Iguaçu/PR, casado, desempregado (taxista como profissão), pai de 4 filhos, esposa gesta do 5o filho, Ensino Fundamental Completo, evangélico. Vem acompanhado da esposa N. M. F. na primeira consulta.

Queixa Principal

“Vazio no peito”, “Pensamento de morte” (sic), “Não consegue fazer mais nada”, segundo relatado pela esposa.

História da Doença Atual

Esposa relata que paciente teve depressão há 16 anos, quando ela estava grávida do filho mais velho, e há 4 meses demonstra sinais de nova depressão, em período que coincide com evento de AVC da mãe do paciente, o que resultou em abandono do emprego de taxista para cuidar desta.

Desde então, a esposa relata que o paciente apresenta insônia, perda ponderal de 20 kg durante o período, cansaço, sem ânimo paras atividades diárias.

Em consulta com outro médico psiquiatra, estava sob tratamento com paroxetina e quetiapina (25 mg), porém relata não obter melhora e abandou o tratamento, alegando que a causa atual se trata de problema espiritual.

História Médica Pregressa

Paciente diabético, hipertenso, com hepatite B, realizou cirurgia de hérnia umbilical há 2 anos.

História Familiar

Mãe com sequelas de AVC e histórico de depressão. Pai diabético.

Hábitos de Vida

Nega uso de álcool e tabagismo; sedentário.

Exames

Exame Físico: BEG, perda ponderal de 20 kg, porém IMC encontra-se normal (IMC = 28,6). Sem demais alterações.

Exame Psíquico: Avaliação Geral da Pessoa: Auto cuidado pouco preservado, indiferente.

Nível de Consciência: Vigil.

Estado Cognitivo: orientado autopsiquicamente e alopsiquicamente; hipovigil; memória imediata algo prejudicada; prejuízo crítico;

Pensamento: lentificado, ora bloqueado, com predomínio de conteúdo negativo com pensamentos de morte; sem delírios aparentes.

Linguagem: preservada, com paralisia do olhar.

Sensopercepção: algo preservado, porém o paciente relatou ouvir voz masculina que não caracteriza alucinação auditiva.

Humor: hipotímico, com afeto hipomodulado não ressoante.

Psicomotricidade: algo lentificado.

Hipóteses diagnósticas – Transtorno depressivo

  1. Episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos (CID10 F32.2).
  2. Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo grave sem sintomas psicóticos (CID10 F31.4).
  3. Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave sem sintomas psicóticos (CID10 F33.2).
  4. Síndrome de retirada de paroxetina.

Discussão sobre o caso de Transtorno depressivo

Considerando o quadro analisado do paciente e o fato de ainda ser sua primeira consulta, caracteriza-se sindromicamente por um transtorno depressivo.

Apesar do nível de consciência estar vigil, com resposta preservada, o paciente encontra-se hipotímico, com paralisia do olhar e hipomodulado, característicos de um quadro depressivo.

Sem o tratamento adequado, os transtornos depressivos causam incapacitação para o trabalho, a vida social e as atividades cotidianas.

Segundo o compêndio Clínica Psiquiátrica, da FCMUSP, sem tratamento, um episódio de transtorno depressivo leve a moderado dura de 4 a 30 semanas, e um grave de 6 a 8 meses; episódios tratados duram 3 meses, mas a interrupção de um antidepressivo antes do prescrito pode precipitar recaídas.

Ainda segundo os autores, 25% dos deprimidos tem recidiva em 6 meses, 58% em 5 anos, e 85% no período de 15 anos seguintes a uma recuperação, o que se enquadra epidemiologicamente no caso analisado.

Ainda, é importante identificar 3 aspectos centrais que independem da gravidade da depressão: humor depressivo e/ou falta de interesse e motivação, queda do ânimo ou fadiga (redução dos níveis de energia) e lentificação psicomotora.

O paciente apresenta afeto hipomodulado não ressoante, caraterístico de um prejuízo da capacidade de sentir prazer ou de compartilhar/reagir a estímulos positivos, definido o humor depressivo.

Algo importante a ser relevado é o exame físico do paciente, que apresentou grande perda ponderal e, associada à queixa de insônia, são característicos do transtorno depressivo, em que as alterações de peso e apetite são para mais ou para menos, sendo o aumento de apetite a hipersônia apresentações clínicas na depressão atípica.

O caso do paciente pode ser considerado de grau grave, uma vez que tem resultado em uma incapacitação profissional, todos os sintomas da depressão estão presentes e há importante comprometimento funcional.

Quanto ao Transtorno Afetivo Bipolar, a depressão costuma ser a apresentação inicial, sendo que mais de 20% dos deprimidos da atenção primária à saúde e metade dos atendidos em nível ambulatorial são na realidade bipolares, e as depressões são o motivo principal da procura por tratamento, sendo a utilização de um estabilizador de humor associado a um antidepressivo necessários para melhorar o prognóstico e redução de risco de suicídio.

A paroxetina é um Inibidor Seletivo da Recaptação de Serotonina, sedo que a paroxetina em especial causa uma síndrome de interrupção, devido ao seu tempo de meia-vida curto, caracterizado por tontura, parestesias e outros sintomas que surgem 1 ou 2 dias após a interrupção do fármaco.

Como os ISRS tem efeito antidepressivo por um período posterior à atuação sobre as monoaminas, há um período inicial de tratamento de aproximadamente 4 semanas, em que o paciente pode não perceber melhora clínica dentro deste período, sendo que a interrupção súbita, além de causar uma síndrome de interrupção, pode agravar o quadro do Transtorno Depressivo.

Referências

MIGUEL, C., GENTIL, V., GATTAZ, W. F (org.). Clínica Psiquiátrica. A visão do Departamento e do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP. Barueri, SP: Manole, 2011, 1 ed.

KATZUNG, B. G. (org.). Farmacologia Básica e Clínica. Porto Alegre: AMGH, 2014, 12 ed.

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