Cirurgia geral

Caso Clínico de Hemorragia Digestiva Alta

Caso Clínico de Hemorragia Digestiva Alta

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Imagem de perfil de Prática Médica

Esse caso clínico foi retirado do livro 50 Casos Clínicos de Cirurgia, publicado pela Sanar.
Autores: João Henrique Fonseca do Nascimento, Adriano Tito Souza Vieira, Iago Miranda Oliveira Dórea, Willian Miguel, André Bouzas de Andrade e André Gusmão Cunha

História clínica

J. A. C. L., 50 anos, masculino, branco, casado, pedreiro desempregado, natural e procedente de região metropolitana da capital do estado da Bahia, é levado pela esposa para emergência do Hospital Universitário da capital com história de melena, seguido de hematêmese volumosa, há cerca de 24 horas. Refere vômito borráceo, odor de ferro, sem presença de restos alimentares ou outros elementos. A melena foi caracterizada pelo paciente, como pastosa, escura, de caráter em borra de café e odor consideravelmente fétido. Nega febre, dispneia, tonturas, desmaios, cefaleia ou outras queixas álgicas no momento. Diz ter diagnóstico, há 2 anos, de doença parenquimatosa crônica do fígado e hipertensão portal, sendo atualmente acompanhado no ambulatório de centro de referência de seu município. Ademais, conta seguir as orientações médicas, não apresentando, desde o início do diagnóstico, outros problemas advindos dessa doença (sic).

Ainda a respeito de seus antecedentes médicos e patológicos, nega transfusões ou traumas. Nega HAS, DM e epidemiologia para Doença de Chagas e Esquistossomose. Nega uso de antiplaquetários, anti-inflamatórios ou anticoagulantes. Refere ambos pais falecidos em idade longeva, acreditando ter causa associada à senilidade. Tem dois irmãos, de 37 e 45 anos, vivos e aparentemente hígidos. Refere desconhecimento sobre doenças de caráter hereditário ou congênito na família. Em hábitos de vida e psicossociais, descreve sedentarismo, alimentação hiperlipídica sem consumo regular de frutas e leguminosas, além de abstenção de álcool há 10 meses, quando perdeu o emprego. Conta, também, história passada de hábito etílico desde os 20 anos aos finais de semana, fazendo uso até o momento da embriaguez, com eventuais perdas da consciência, consumindo aguardente (cachaça a base de cana-de-açúcar) e cervejas. Nega tabagismo, uso de drogas ilícitas ou injetáveis, múltiplos parceiros ou parceiras sexuais, relação sexual desprotegida ou história de infecção sexualmente transmissível.

Exame físico de admissão

Dados vitais: Pressão arterial 110×70 mmHg, FC 84 bpm, FR 18 ipm, temperatura axilar: 37,3 °C, SpO2: 98%.

Dados antropométricos: 64 kg; 1,68 m; IMC 22,67 kg/m².

Exame geral: Paciente em regular estado geral, lúcido e orientado no tempo e espaço, mucosas anictéricas, hidratadas e hipocoradas (+/++++), fácies atípicas.

Exame de pele e fâneros: Pele normocorada, anictérica, turgor preservado, assim como textura, espessura e mobilidade.

Exame do aparelho cardiovascular: Bulhas rítmicas normofonéticas em 2T, tempo de enchimento capilar de 1 segundo, pulso radial cheio e regular.

Exame do aparelho respiratório: Tórax de conformação normal, simétrico, sem sinais de esforço respiratório. Expansibilidade preservada, som claro pulmonar a percussão, frêmito tóraco-vocal preservado. Murmúrios vesiculares preservados e bem distribuídos bilateralmente, sem sons adventícios.

Exame do abdome: semigloboso, flácido, cicatriz umbilical de conformação normal, sem cicatrizes cirúrgicas, sem ondas peristálticas visíveis e com discreta circulação colateral periumbilical do tipo caput medusae. Ruídos hidroaéreos normofonéticos e bem distribuídos nos quatro quadrantes abdominais. À hepatimetria, notou-se fígado diminuto. À palpação, borda normal e textura rígida. Traube livre. Baço não palpável à manobra de Schuster. Ausência de dor na compressão de ponto cístico à inspiração.

Prosseguimento do caso após avaliação clínica

O paciente foi posto em dieta zero para exame endoscópico. Foi solicitado eletrocardiograma com resultado dentro da normalidade. Administrou-se terlipressina, intravenoso, em bolus de 2 ug e, após medidas de suporte clínico, o paciente foi encaminhado para serviço de Endoscopia Digestiva Alta para investigação da causa da hemorragia. Concomitantemente, foram pedidos exames laboratoriais: Hemograma e avaliação de função hepática.

Exames laboratoriais

Endoscopia digestiva alta (eda)

– Preparo: Sedação aos cuidados do anestesiologista. Introdução do endoscópio através da parte oral da faringe sob visão direta, sem intercorrências.

– Esôfago: Forma, calibre, mucosa e distensibilidade normais. Padrão vascular revela 2 cordões varicosos de médio e 2 de pequeno calibre, azulados, ausência de manchas vermelhas, em terço distal. Ausência de úlceras ou lesões. Transição esôfago gástrica encontra-se coincidente com o pinçamento diafragmático.

– Estômago: Forma, volume, coloração, mucosa, pregas e distensibilidade dentro dos padrões de normalidade.

– Duodeno: Forma, calibre, mucosa, padrão vascular e distensibilidade dentro dos padrões de normalidade.

– Impressão diagnóstica: Presença de varizes esofágicas de fino e médio calibre.

Figura 1 – Endoscopia Digestiva Alta do paciente (Cortesia de Dr. Iury Jorge Melo).

Hipótese diagnóstica

Hemorragia Digestiva Alta secundária a Varizes Esofagianas.

Condutas

Foi realizada a ligadura endoscópica elástica das varizes esofagianas (Figura 2), colocando 4 bandas, sem intercorrência. Após os procedimentos, foi introduzido no tratamento norfloxacino oral, 400 mg, 2 vezes/dia por 7 dias.

Figura 2 – Ligadura elástica endoscópica das varizes esofagianas (Cortesia de Dr. Iury Jorge Melo).

QUESTÕES PARA ORIENTAR A DISCUSSÃO

1. Diante da história e dos exames complementares, qual é a provável etiopatogenia do caso apresentado?

2. Quais são os principais diagnósticos diferenciais etiológicos a serem feitos?

3. Quais são os critérios de gravidade e medidas iniciais a serem tomadas?

4. Quais são os principais fatores de risco para o surgimento de varizes do esôfago?

5. Quais são as modalidades e possibilidades de tratamento para essa ocorrência?

6. Quais são as indicações cirúrgicas de terapêutica para o caso em questão e qual é o tratamento de cura para a doença de base?

Discussão

Conceito e classificação

Por definição, a hemorragia digestiva (HD) é qualquer sangramento que ocorra no trajeto que vai da boca ao ânus e é uma das causas mais frequentes de hospitalização de urgência1,3. A condição é associada à perda considerável de volume sanguíneo via trato gastrointestinal e leva a um espectro de manifestações clínicas dependentes da localização da fonte de hemorragia e de fatores específicos2,4.

Em termos de localização, o ligamento de Treitz, que faz relação com a flexura duodenojejunal, é um importante marco anatômico que permite a classificação em HD altas (HDA), que ocorrem proximal/superior a este ligamento, ou seja, esôfago, estômago ou duodeno, e HD baixas (HDB), que ocorrem distal/inferior ao mesmo, já em intestino delgado, íleo, cólon, reto ou ânus1,2,4. Mais recentemente, a literatura especializada neste tema tem empregado uma nova classificação, denominada HD média, as quais referenciam lesões sangrentas em pontos anatômicos entre a papila de Vater e a válvula ileocecal2,5,6. Em adicional, tem-se a HD obscura, àquelas que são provenientes de local desconhecido no trato gastrintestinal, e as HD oculta, cuja clínica e exames de imagem realizados não puderam determinar o local de sangramento do quadro hemorrágico5,6.

Para além, pode-se ainda classificar o evento em HD aguda ou HD crônica. Na HD aguda, o sangramento tem aparecimento recente – definido, por consenso, por um período menor que 3 dias – e esse quadro pode levar à instabilidade hemodinâmica, com alteração dos sinais vitais, anemia e até necessidade de transfusão sanguínea5,7. Por outro lado, as HD crônica são mais prolongadas, com um período de sangramento de vários dias, frequentemente associadas à perda de sangue lenta ou intermitente, podendo se manifestar com sangue oculto ou visível nas fezes e anemia6-8. Nota-se que, por mecanismos compensatórios da circulação, pacientes com HD crônica normalmente estão sem repercussão hemodinâmica5,6,8.

Com os avanços em diagnóstico, endoscopia e terapêutica, o manejo da HD tem melhorado os índices de mortalidade e prognóstico, principalmente os de etiologia varicosa e da úlcera péptica, causas importantes de HDA1,3,4,6,7. Em contrapartida, os tempos atuais evidenciam um notável envelhecimento da população brasileira e aumento da incidência de comorbidades diversas, os quais são fatores predisponentes às hemorragias digestivas em geral1,5-7.

Epidemiologia e etiologia

A epidemiologia da HDA revela uma importante incidência mundial, com índices de 100 casos a cada 100.000 habitantes por ano, destacando-se a ocorrência 10 vezes mais frequentes que as HD baixas1,3,4,6,7. Apesar de 80% dos casos de HDA serem autolimitados, a mortalidade associada ao quadro chega a 12%. Ainda, pacientes com HDA computam de 250.000 a 300.000 admissões hospitalares por ano e oneram, aproximadamente, 2,5 bilhões de dólares os serviços de saúde dos Estados Unidos da América1,5-7.

Já no Brasil, a incidência das HDA computa 50 a 100 a cada 100.000 habitantes ao ano e vem consideravelmente aumentando com a idade, à medida que a população muda o perfil de sua pirâmide etária1,3,4,6,7. Pacientes acima de 65 anos correspondem a 30% dos casos em emergências médicas do país, e as estatísticas revelam uma mortalidade persistente, com mesmos índices há 40 anos, chegando a 10%1,5-7. Ainda nessa perspectiva, 10% dos pacientes com HDA apresentam sangramento contínuo, o que significa dizer que, no Brasil, 90% dos pacientes tem evento autolimitado1,3,4,6,7. Todavia, dos pacientes que apresentam evento autolimitado, 1 em cada 5 vai evoluir com ressangramento importante1,5-7.

A respeito da etiologia, a HDA tem íntima relação com a hipertensão portal por culminar na gastropatia congestiva e na formação das varizes esofagianas, e estas, por ruptura, provocarem o evento hemorrágico1,3,4,6,7. As três causas mais frequentes de HDA são, em ordem de maior frequência, a úlcera duodenal (31,4%), varizes esofagianas (24,3%) e úlceras gástricas (15%), computando, juntas, mais de 60% das etiologias1,3,4,6,7. Apesar das varizes do esôfago não terem maior prevalência, o sangramento esofágico é a causa de maior gravidade e mortalidade – chegando a 59% dos casos1,3,4,6,7. Além disso, como causas menos comuns, podem ser citadas as lacerações de Mallory-Weiss, malignidade, doença erosiva e anormalidades vasculares1,5-7

Patogênese e clínica

A Hemorragia Digestiva Alta Varicosa (HDAV) ocorre após rompimento de varizes esofagogástricas (VEG), que são formadas pela abertura de microvasos e de colaterais venosos para descomprimir o território hipertenso hepático para a circulação sistêmica hipotensa1,3,4,6,7. Esse aumento da pressão venosa portal (hipertensão portal) é secundário ao curso natural da doença parenquimatosa hepática crônica (cirrose hepática), onde ocorrem modificações anatômicas e funcionais do parênquima hepático e do sistema venoso portal, responsável pela drenagem do sangue proveniente do trato gastrointestinal, pâncreas, vesícula biliar e baço, em direção ao fígado1,5-7. Os pacientes com cirrose hepática cursam com acentuada resistência intra-hepática, consequência mecânica da distorção da arquitetura histológica que apresentam1,3,4,6,7. Tal distorção é causada por fibrose, formações de nódulos de regeneração, remodelação sinusoidal e oclusão vascular, o que caracteriza a hipertensão portal, no cirrótico, como sinusoidal1,5-7. Entre as possíveis localizações das veias colaterais que unem o sistema porta à circulação sistêmica, tem-se o ligamento falciforme, que corresponde à veia umbilical obliterada3,5,8. No curso da hipertensão portal, esse ligamento pode recanalizar ou pode surgir veias paraumbilicais, que fornecem a conexão entre o sistema porta e as veias da circulação sistêmica, pelas veias da parede anterior do abdome, ao redor do umbigo3,5,8. Essa conexão é denominada Síndrome de Cruveilhier-Baumgarten. É válido ressaltar que as varizes esofagogástricas tendem a se desenvolver quando o gradiente de pressão venosa entre a circulação portal e sistêmica (GVPH) atinge a marca de 10 mmHg, e tendem a se romper quando atinge 12 mmHg1,3,4,6,7. Outrossim, mecanismos fisiopatogênicos também atuam nesse contexto, sendo responsáveis por mudanças biofísicas nas membranas dos cardiomiócitos, pela atenuação do sistema β-adrenérgico e pela hiperatividade de sistemas inotrópicos negativos, as quais confluem para o desenvolvimento da síndrome hepatorrenal1,3,4,6,7.

Além disso, há também o aumento do fluxo sanguíneo esplâncnico, o qual tem intensidade dependente do balanço entre vasoconstritores, a exemplo de Endotelina-1, Leucotrienos, Tramboxano A2, e vasodilatores como óxido nítrico (NO), anandamida e monóxido de carbono. Todas essas moléculas agem sobre a microvasculatura hepática, esplâncnica e sistêmica1,3,4,6,7.

Figura 3 – Eventos sequenciais observados na instalação da hipertensão portal1,5-7

A apresentação clínica da HDA varia com a intensidade do sangramento. Hematêmese e melena são os sinais clínicos mais comumente observados e relatados pelos pacientes, que podem ou não ser acompanhados de instabilidade hemodinâmica (hipotensão, taquicardia, lipotimia e aumento do débito cardíaco)1,3-8. Geralmente, a manifestação inicial é a melena, acompanhada por palidez muco-cutânea e sinais clínicos de encefalopatia portossistêmica, com ou sem repercussões hemodinâmicas3,5,8. Vale ressaltar que a cada novo quadro, reduz-se a reserva funcional hepática, o que pode ocasionar ascites, icterícia, distúrbios de circulação e insuficiência renal1,5-7. Na ocorrência da hemorragia, pacientes considerados graves e que devem ser tratados são aqueles que apresentam circulação sistêmica hiperdinâmica, com débito cardíaco aumentado, redução da resistência vascular periférica e hipotensão arterial1,3,4,6,7. Considera- -se sangramento clinicamente significativo, pacientes que apresentem:

• necessidade de transfusão de, pelo menos, duas unidades de sangue em 24 horas; ou

• pressão sistólica menor que 100 mmHg; ou

• mudança postural que ocasione queda pressórica superior a 20 mmHg.

Tratando-se da prevalência de varizes esofagogástricas (VEG) dentro do contexto fisiopatológico, a literatura demonstra que cerca de 30% dos pacientes cirróticos compensados apresentam VEG, enquanto a prevalência pode ampliar- -se em até 60% nos pacientes com doença descompensada1,3,4,6,7. É caracterizado como cirrose hepática descompensada o paciente que apresenta desenvolvimento das seguintes complicações:

• hemorragia varicosa;

• ascite;

• encefalopatia;

• icterícia;

• carcinoma hepatocelular.

Por conseguinte, é caracterizado com cirrose hepática compensada o paciente que não apresenta os critérios citados acima. Ademais, a probabilidade de um doente com cirrose hepática compensada evoluir para descompensada é de 5 a 7%/ano1,3,4,6,7.

Os fatores preditivos de sangramento das varizes, podem relacionar-se ao calibre das varizes, tensão sanguínea ou que apresentam em sua superfície sinais endoscópicos, como manchas hematocísticas e do vergão vermelho, além da gravidade hepática avaliada pela classificação de Child-Pugh1,3-8.

Diagnóstico

O diagnóstico de HDA perpassa pela avaliação da história clínica do paciente e pela realização de Endoscopia Digestiva Alta (EDA), sendo esta a mais utilizada tanto no diagnóstico como para tratamento3,5,8. Em cerca de 40% dos casos, a anamnese dá indicação, com relevante acurácia, sobre a origem anatômica do sangramento, sendo, portanto, a coleta eficiente da história imprescindível ao diagnóstico1,5-7.

Como já discutido, alguns diagnósticos diferenciais devem ser feitos ante quadro semelhante ao do caso clínico abordado, sendo os principais: úlceras pépticas e síndrome de Mallory-Weiss1,3,4,6,7. Neste caso, confirma-se a importância da associação da história clínica com o exame endoscópico: o paciente do caso tem HDA secundária a ruptura de varizes esofágicas1,3-8. Pacientes com HDA cursam com hematêmese (sangue vivo ou borráceo), melena ou ainda hematoquezia (em 10% destas ocorrências), presente em casos de sangramento muito intenso. Inicialmente, a história clínica já direciona o pensamento para sangramento varicoso, haja vista que é informado que o paciente é diagnosticado com doença parenquimatosa do fígado (DPF) e hipertensão portal1,3,4,6,7. Ademais, ainda no âmbito da história clínica, o paciente não refere dores abdominais, o que poderia ser fator indicativo de úlcera péptica, afastando ainda mais esse diagnóstico3,5,8. Fator interessante a ser considerado é que a Doença Ulcerosa Péptica (DUP) vem diminuindo sua incidência nos últimos anos, em virtude da utilização dos Inibidores de Bomba de Prótons (IBP) e dos tratamentos mais eficientes contra H. pylori1,3,4,6,7.

Associada à história clínica, a EDA é o exame mais utilizado e recomendado, com alta sensibilidade (92%) para correta identificação do local de sangramento e especificidade de quase 100%1,3-8. O uso desse exame permitiu a verificação de varizes esofágicas e o descarte das demais hipóteses diagnósticas3,5,8. Outros diagnósticos menos comuns, porem digno de nota, seriam: Esofagite, úlcera de anastomose, lesão aguda de mucosa gástrica, lesão de Dieulafoy, gastropatia hipertensiva, fístula aortoentérica e duodenite1,3,4,6,7.

Achados laboratoriais

Os principais exames a serem pedidos em pacientes com HDA varicosa são o hemograma, coagulograma e exames de avaliação da função hepática3,5,8.

No hemograma, é muito importante verificar os níveis de hemoglobina (Hb) do paciente, bem como o hematócrito3,5,8. Eles podem estar normais, ou diminuídos, a depender da gravidade da HDA(1,3,4,6,7). Interessante notar que, por vezes, mesmo ante perdas volêmicas consideráveis, o paciente pode apresentar Hb acima do limite transfusional (7 g/dL)1,3,4,6,7: não obstante, este parâmetro sozinho não é suficiente para descartar a necessidade de transfusão, devendo-se sempre aliar a ele a avaliação dos sinais clínicos de perfusão tecidual (Tabela 3)3,5,8. O número de plaquetas e de fatores de coagulação também deve ser observado, uma vez que presença de coagulopatia é fator de risco para ressangramento de varizes em pacientes acometidos por doença parenquimatosa do fígado1,3-8. No paciente do caso, a quantidade de plaquetas está dentro da normalidade3,5,8.

A avaliação dos exames de função hepática é fulcral em pacientes hepatopatas, pois a gravidade da hepatopatia é um dos fatores prognósticos em casos de HDA varicosa, e estes exames orientarão as condutas a serem tomadas1,3,4,6,7. Estes, em conjunto com os achados do exame físico, permitem ainda a determinação do score de Child-Pugh para o paciente. Esse escore leva em conta a ocorrência de encefalopatia hepática e ascite, avaliação dos níveis de bilirrubina e albumina e o tempo de protrombina (com a razão normalizada internacional)3,5,8. Dessa forma, classifica-se o quadro de acordo com o nível de gravidade da doença, como pode ser observado na tabela abaixo:

Tabela 1 – Classificação Child-Pugh para gravidade de doença parenquimatosa do fígado3,5,8.

Essa classificação foi criada para categorizar pacientes em diferentes grupos de risco para cirurgia de descompressão portal3,5,8. Hoje em dia, ela é amplamente difundida para avaliação do prognóstico da doença parenquimatosa hepática e para inscrição do paciente em lista para transplante de fígado1,3-8. Além disso, essa classificação também auxilia o profissional de saúde a monitorar o aparecimento de complicações esperadas, como a peritonite bacteriana espontânea (PBE) e as próprias varizes esofágicas3,5,8. Pacientes com DPF classificada como Child-Pugh A são tidos como “compensados”: a doença não afeta sensivelmente os afazeres diários e nem traz transtornos maiores3,5,8. Por outro lado, pacientes com doenças classificadas como Child-Pugh B ou C são hepatopatas em situação de gravidade maior, já podendo inclusive serem incluído na lista de espera para transplante hepático1,3,4,6,7.

Além de informado na história clínica, os achados dos exames físico e laboratoriais permitem classificar o paciente do caso como Child-Pugh A, tendo em vista que ele fez apenas 1 ponto em cada uma das categorias acima estabelecidas.

Ainda nesse entendimento, o Tempo de Protrombina (TP) e a Razão Normalizada Internacional (RNI) são importantes para avaliação da gravidade da doença hepática mas também de distúrbios da coagulação sanguínea1,3,4,6,7. Como referido previamente, coagulopatias representam fator de risco para ressangramento, ao passo que o próprio ressangramento é fator de mau prognóstico1,3-8. O TP do paciente do caso está minimamente aumentado, e o RNI está em 1,5. Esse valor corrobora com o raciocínio clínico desenvolvido até o momento, uma vez que RNI acima de 1,5 em paciente cirrótico aumenta a probabilidade de existência de variz esofágica – as quais, de fato, ele possui.

Exames de imagem e endoscopia

Como já discorrido, endoscopia digestiva alta é o exame de maior relevância no contexto da HDA. Ela permite a visualização direta das estruturas do trato gastrointestinal superior, sendo de importante ajuda para definição da origem do sangramento e avaliação de fatores de risco e de mau prognóstico3,5,8. O exame deve ser feito após a estabilização hemodinâmica do paciente – caso este chegue instável – em até 12 horas após admissão hospitalar1,3,4,6,7.

A técnica deve, idealmente, ser realizada por gastroenterologista endoscopistas, necessitando de procedimento anestésico prévio por médico anestesista3,5,8. Através do endoscópio, as varizes podem ser visualizadas e seu nível de gravidade classificado através do escore estipulado pela World Gastroenterology Organization (WGO)1,3-8. De acordo com a WGO, varizes podem ser classificadas como explicitado na tabela 2.

Tabela 2 – Classificação Endoscópica de Varizes Esofágicas pela WGO (2013)1,3-8.

Além de avaliação das varizes, o exame permite ainda que sejam identificados fatores de risco para ressangramento, como a presença de manchas vermelhas nas lesões varicosas, além de permitir medidas terapêuticas locais específicas3,5,8. Na HDA em geral, a endoscopia é capaz ainda de orientar biópsias para averiguação de infecção por H. pylori ou malignidade, a depender do achado1,3-8.

Exames de imagem também podem ser solicitados para ampliar investigação, mas são consideravelmente inferiores à EDA no quesito diagnóstico3,5,8. É possível solicitar radiografia de tórax, nas modalidades posteroanterior e perfil, ou de abdome, caso haja suspeita de perfuração de vísceras, obstrução intestinal ou aspiração pulmonar3,5,8.

Abordagem inicial e tratamento

O rastreio das varizes esofagogástricas é importante conduta no acompanhamento do paciente portador de hipertensão portal, especialmente pela sua relação fisiopatológica de ambas as condições1,3-8. A hemorragia digestiva alta é a principal complicação da hipertensão portal, consequência das rupturas dessas varizes. Apesar do alto risco de óbito, nos últimos anos, os avanços nas terapias farmacológicas, endoscópicas e antibioticoprofilaxia provocou queda dos índices de mortalidade, para valores em torno de 15 a 20%1,3,4,6,7. O tratamento tem o objetivo de conter o sangramento e reestabelecimento da hemostasia, reposição volêmica e correção do choque (se for o caso), prevenção do ressangramento e das complicações associadas à HDA3,5,8.

É importante compreender que pacientes que se apresentam com sangramentos volumosos ou com estigmas altamente indicativos de ressangramento devem ser hospitalizados1,3-8. Além disso, os pacientes com sinais de instabilidade hemodinâmica, além da internação, devem ser acompanhados em unidade de terapia intensiva1,3,4,6,7. Em geral, o quadro evolui com instabilidade hemodinâmica relevante; contudo, pode ocorrer estabilização espontânea em até metade dos casos3,5,8. Os indivíduos com baixo risco de ressangramento iminente e sem repercussões clínicas devem se alimentar precocemente e não precisam ficar hospitalizados1,3-8. Pacientes hepatopatas crônicos ou com estigmas periféricos de doença hepática, a exemplo de teleangiectasias ou circulação colateral periumbilical (caput medusae), apresentam alto risco para HDA, uma vez que essas doenças de base são identificadas em até 70% destas ocorrências hemorrágicas3,5,8.

Em cuidados iniciais e manejo clínico, deve-se abordar o paciente com os mesmos princípios dos atendimentos de emergência, averiguando via aérea e sua perviabilidade, qualidade respiratória, aspectos circulatórios, impactos neurológicos e nível de consciência1,3,4,6,7. Nos primeiros cuidados, é preciso iniciar a monitorização dos sinais vitais, tanto na admissão, quanto na evolução, além da saturação de oxigênio e obter acesso venoso periférico. Indivíduos com saturação de O2 menor que 90%, devem receber oxigênio via cateter nasal3,5,8. Ademais, em casos de hematêmese volumosa ou rebaixamento rápido do nível de consciência, pode-se lançar mão da intubação orotraqueal para garantir a via aérea, evitando aspiração1,3,4,6,7. A sondagem vesical pode ser uma medida relevante, especialmente para acompanhar o débito urinário de pacientes mais graves3,5,8. Com a finalidade de se avaliar o status hemodinâmico, parâmetros clínicos do choque devem ser investigados, permitindo, inclusive, analisar a gravidade da hemorragia digestiva e seu impacto circulatório (tabela 3)1,3-8.

Tabela 3 – Critérios de avaliação do status hemodinâmico e choque hipovolêmico na HDA1,3-7.

Pacientes cirróticos merecem maior atenção sobre a circulação esplâncnica, justamente pelo seu constante estado de hiperdinâmica, tanto pela hipertensão provocada pela estase portal, quanto por mediadores vasoativos locais, a exemplo do óxido nítrico1,3-8. Esse fator deve ser levado em consideração durante a reposição volêmica, uma vez que esta possa contribuir para aumento circulatório no território esplâncnico, com consequente ascite e contribuição pressórica à já hipertensão localizada3,5,8. Aditivamente, a manutenção de uma hemoglobina maior que 7 g/dL e da pressão sistólica maior que 90 mmHg são parâmetros suficientes para se garantir uma boa perfusão e evitar o choque, com baixos riscos de ressangramento1,3,4,6,7.

Em análise complementar, as várias modalidades de tratamentos e as mudanças de prioridade de intervenção demonstram que não há uma terapia unicamente satisfatória para se abordar um paciente com HDA, preferindo-se um manejo sequencial e particularizada para cada caso1,3-8. Nesse contexto, os tratamentos não cirúrgicos são a primeira escolha, tanto pelo grande avanço das terapias farmacológicas e endoscópicas – que, por sua vez, apresentam redução significativa da chance de ressangramento e da taxa de mortalidade –, quanto pelo fato de sempre haver um alto risco associado à cirurgia, devido a função hepática comprometida1,3-8. A critério pedagógico, vamos estratificar as estratégicas de tratamento em: manejo clínico e ressuscitação, tratamento endoscópico, radiologia intervencionista e tratamento cirúrgico1,3,4,6,7.

Manejo clínico e ressuscitação

O principal objetivo da ressuscitação de emergência é a restauração da volemia, que deve ser realizada antes da endoscopia digestiva alta1,2,4. Essa ressuscitação deve ser feita em bolus e preferencialmente com solução de cristaloides, a exemplo de soro fisiológico ou solução Ringer com lactato, além da necessidade de tipagem de bolsas de sangue para pacientes com sangramentos volumosos1,3-8. A atual recomendação é de iniciar protocolos de transfusões com Hb menor que 7g/dL, o que se demonstra menor mortalidade em 30 dias e menor risco de reações transfusionais importantes3,5,8. Apesar de um hiperesplenismo comumente associado aos quadros de varizes e hipertensão portal, a literatura demonstra que a transfusão de bolsa de plaquetas só se faz necessária se a contagem delas for menor que 50.000/mm3(1,3-8). Ademais, as infecções em pacientes com estas condições são consideravelmente frequentes, o que faz necessária a antibioticoprofilaxia imediata1,3,4,6,7. A literatura demonstra que essa terapia antimicrobiana profilática reduz a taxa de infecções em mais de 50% dos casos, além de aumentar a sobrevida1,3-8.

Em plano complementar, a terapia farmacológica com somatostatina e seus análogos tem sido tão eficaz em conter os sangramentos agudos, quanto a intervenção endoscópica, trazendo, assim, a farmacoterapia como um dos cernes principais deste tratamento3,5,8. Essas drogas vasoativas atuam como vasoconstritores esplâncnicos e apresentam menos efeitos adversos que a vasopressina1,3-8. Qualquer hospital ou serviço de emergência pode fazer a terapia medicamentosa para HDA e as drogas de escolhas e suas posologias são apresentadas na tabela 4. É importante dizer que a terapia farmacológica deve ser iniciada mesmo antes da EDA se a suspeita de sangramento por varizes esofágicas é alta.

Tabela 4 – Drogas vasoativas de escolha no manejo da HDA varicosa1,2,4

Endoscopia Digestiva Alta (EDA)

Atualmente, o tratamento endoscópico por meio da Endoscopia Digestiva Alta é a terapia mais frequentemente aplicada na rotina de manejo do sangramento digestivo das varizes esofagianas – tanto com a técnica de esclerose da variz, como a ligadura (Figura 4)1,2,4. Ambas as técnicas demonstraram ser igualmente eficazes à hemostasia, cessando o sangramento em até 90% dos casos1,2,3,4–8. Apesar de apresentarem menos complicações, são de difícil execução em pacientes com sangramento ativo, além de exigir um endoscopista treinado1,3,4,6,7. A técnica de ligadura é a mais recomendada, porém, tanto essa, quanto a injeção de agente esclerosante podem ser aplicadas isoladamente ou em combinação, sendo que antes do procedimento deve-se ter realizado a intervenção farmacológica (com terlipressina, somatostatina ou octreotídeo)1,2,4. Hoje, os agentes esclerosantes mais comumente utilizados são o morruato de sódio, cianoacrilato e o sulfato de tetradecil de sódio. De maneira geral, injeta- -se 1 a 2 mL do agente esclerosante em cada variz, logo acima da junção esofagogástrica e 5 cm proximal a ela e, alternativamente, a variz pode ser ligada com faixa elástica1,3-8. Esses procedimentos não são livres de riscos: a escleroterapia apresenta uma taxa de mortalidade que varia de 1 a 3%, e complicações do tipo dor retroesternal, úlcera esofágica e febre1,3-8. A falha da técnica endoscópica à hemostasia é declarada quando duas sessões não alcançam a contenção do sangramento e se nesses casos não for executada uma cirurgia de emergência, a mortalidade pode chegar a 60%1,3,4,6,7.

Figura 4 – Esquema da intervenção endoscópica por meio da técnica de escleroterapia (esquerda) e a de ligadura elástica endoscópica (direita)1,2,4.

Tamponamento por balão

Há casos especiais que o tamponamento por balão de Sengstaken-Blakemore (Figura 5) se faz necessário1,3-7. As principais indicações para o uso deste balão são casos de hemorragias profusamente volumosas ou quando duas intervenções de hemostasia, por meio de terapia endoscópica, falham e, nesses casos, o uso do balão pode conter a hemorragia em 85% das ocorrências1,2,4. Para uso, o paciente é posto em decúbito lateral esquerdo e o tubo é passado. É importante mencionar que o paciente deve ser intubado antes do procedimento, como forma de se prevenir a aspiração. Em posterior, o balão gástrico é insuflado com 100-300 mL de ar, tracionado até sentir resistência – ancoragem na junção esôfago-gástrica – então deve ser deixado sobre tração. Só então, com o auxílio do manômetro, o balão esofágico é colocado em uma pressão de 30-40 mmHg e ajustado conforme se observa melhora do sangramento3,5,8. O tempo máximo que o paciente deve ficar com o dispositivo é de 12 a 24 horas, sendo fortemente contraindicado tempo maior que esse1,2,4.

Figura 5 – Esquema do tudo de Sengstaken-Blakemore para tratamento da HDA varicosa1,2,4.

Muitas complicações estão associadas ao uso desse balão, a exemplo de migração do balão gástrico, broncoaspiração, hiperenchimento, necrose e ruptura esofágica, necrose nasal, oral ou labial, ressangramento, lesões superficiais da mucosa gástrica, além de uma incidência de ressangramento importante em mais de 50% dos casos, o que explica a raridade de sua aplicação na rotina médica atual1,3-7. Contudo, só se justifica seu uso para uma estabilização temporária até tratamento definitivo ser instituído, e/ou nas falhas endoscópicas1,3-7.

Derivação Portossistêmica Transjugular Intra-hepática (TIPS)

A TIPS é um procedimento de radiologia intervencionista que objetiva a descompressão da hipertensão portal, sem intervenção cirúrgica. A TIPS, junto com as cirurgias, são consideradas medidas terapêuticas de resgaste3,5,8. De forma sucinta, o acesso é feito pela veia jugular e o stent é guiado de forma descendente, atravessando o parênquima fibroso do fígado cirrótico e indo ao encontro do sistema venoso portal. Assim, é criado um novo trajeto parenquimatoso entre as veias hepáticas e porta, através de um cateter com balão3,5,8. É inserido uma prótese expansível de metal que, por fim, expande e cria o espaço circulatório (Figura 6) 1,3-8.

Como já mencionado, a TIPS é uma terapêutica invasiva que não deve ser a primeira escolha para as hemorragias agudas, sendo que a mortalidade está intimamente relacionada com o grau de disfunção hepática1,3,4,6,7. A TIPS, sumariamente, é um procedimento ponte, nos pacientes os quais o tratamento por meio da EDA falhou e resta apenas pouca quantidade de tempo até o transplante hepático3,5,8. Nessa perspectiva, ele ainda é muito útil, uma vez que reduz a hipertensão portal, contribuindo para facilitar a cirurgia de transplante3,5,8

Figura 6 – Derivação portossistêmica transjugular intra-hepática (TIPS)1,3-8.

Das contraindicações absolutas do TIPS, tem-se a insuficiência cardíaca à direita e a doença policística hepática, hipertensão pulmonar e sepse; já das relativas, enumeram-se trombose de veia porta, tumores hepáticos hipervascularizados e encefalopatia1,3,4,6,7.

Cirurgia de emergência

Apesar de todos os benefícios de técnicas menos invasivas, como a terapia farmacológica, endoscópica e sua associação, quando estas falham, é imprescindível que as técnicas cirúrgicas de emergência sejam lançadas prontamente1,3-7. Além da falha das terapias menos invasivas, outra indicação de medida cirúrgica é quando falha também a colocação da TIPS ou quando esta última não está disponível no serviço1,3,4,6,7. É importante reconhecer que, apesar de ser muito eficaz na resolução do sangramento, as cirurgias de emergência tem desfecho de mortalidade em mais da metade dos pacientes4,6,7.

Nessa perspectiva, compreende-se que o objetivo maior das cirurgias é a descompressão do sistema porta e a escolha da técnica mais apropriada acaba sendo guiada pela experiência do cirurgião1,3-7. Um dos exemplos de operação comumente aplicada dentro do quadro da emergência da HDA é a anastomose portocava, pois é uma técnica relativamente rápida e eficiente quanto à descompressão circulatória portal3,5,8. As técnicas operatórias existentes são divididas em três grandes grupos: as derivações portossistêmicas, os procedimentos de desvascularização e o transplante hepático3,5,8.

As derivações portossistêmicas criam, como o próprio nome intitula, uma derivação entre o fluxo do sistema porta hipertenso e o sistema venoso sistêmico de baixa pressão1,3-7. Dentro desse grupo, por sua vez, há três tipos de derivações: as derivações não seletivas ou totais (Figura 7) – as quais descomprimem toda a hipertensão do sistema porta por desviar completamente o fluxo sanguíneo para longe do fígado1,3-7; as derivações seletivas – as quais reduzem a pressão porta para níveis de 12 mmHg, o que, por sua vez, reduz a hipertensão das varizes esofagianas, contudo ainda mantêm a hipertensão portal1,3,4,6,7; e as derivações parciais – que, apesar de descomprimir as varizes, também mantêm a hipertensão portal1,3-8.

Figura 7 – Derivações portossistêmica não seletivas. Superior-esquerdo: Derivação portocava terminolateral; superior-direito: Derivação portocava laterolateral; inferior-esquerdo: Derivações de interposição de largo calibre (A) portocava, (B) mesocava, (C) mesorrenal; inferior-direto: Derivação esplenorrenal convencional1,3-7.

As derivações não seletivas, a exemplo da portocava e da esplenorrenal convencional, são consideradas excelentes para o controle da hemorragia e da ascite, pois diminuem de forma importante a tensão venosa portal3,5,8. Contudo, esses procedimentos aumentam consideravelmente a chance de complicações, como encefalopatia e insuficiência hepática progressiva. Derivações seletivas, como a esplenorrenal distal, são indicadas a pacientes que têm função hepatocelular preservada e contraindicadas na presença de ascite de grande volume3,5,8. Já derivações parciais, como a portocava calibrada, são indicadas em paciente cirróticos e são aquelas que fazem uso de prótese, a qual liga a veia porta à veia cava. Essa técnica, apesar de reduzir os níveis pressóricos – em geral, redução de 12 mmHg – mantém, ainda, o fluxo portal1,3,4,6,7.

Em plano complementar, o procedimento de desvascularização mais comumente empregado é a desconexão ázigo-portal ou DAP. Sucintamente, a técnica envolve a desvascularização esofagogástrica, com transecção esofágica, em conjunto com a esplenectomia. Para esse procedimento, os candidatos são aqueles que têm contraindicações para a realização das cirurgias de derivação, ou são portadores de trombose venosa esplâncnica difusa ou ainda de trombose de anastomose esplenorrenal distal3,5,8.

Outrossim, o transplante hepático não é essencialmente um tratamento para o sangramento das varizes, mas sim é o único método que trata a doença hepática subjacente e, em conjunto, culmina com a descompressão hepática eficaz. É o único método que promove, assim, a cura da hepatopatia, e deve sempre ser considerado a todo paciente com doença hepática avançada1,3,4,6,7. Contudo, por razões relacionadas a custos, políticas públicas e número ainda baixo de doadores, o procedimento de transplante ainda não está disponível para todos os pacientes3,5,8. Assim, as terapias supracitadas – farmacoterapia e EDA – devem ser lançadas primariamente a pacientes com sangramento comum de varizes, que apresentam função hepática regular (classes A e B de Child-Pugh), como também a etilistas ativos1,3,4,6,7. Quando surgem complicações associadas à cirrose ou quando há descompensação funcional hepática evidente, seja clínica ou laboratorial, o transplante hepático deve ser cogitado. Nas indicações, enumeram-se os quesitos de hipoalbuminemia (menor que 2,5 g/dL), tempo da protrombina alargado (maior que 5 segundos), encefalopatia hepática crônica e ascite refratária3,5,8. Já no tocante às contraindicações, tem-se quadro de infecção ativa ou sepse, hepatite B em forma replicativa, tumores hepatobiliares metastáticos, doença cardiovascular ou infecção por vírus da imunodeficiência humana (HIV). A sobrevida em 5 anos chega a 70% dos transplantados3,5,7,8. Por fim, um algoritmo de tratamento da hemorragia digestiva alta secundária a varizes esofagianas é demonstrado na figura 8.

Figura 8 – Algoritmo de manejo terapêutico para hemorragias varicosas1,3-7.

Pontos importantes

• Por definição, a hemorragia digestiva (HD) é qualquer sangramento que ocorra no trajeto que vai da boca ao ânus.

• O ligamento de Treitz permite a classificação em HD altas (HDA), que ocorrem proximal/superior a este ligamento, e HD baixas (HDB), que ocorrem distal/inferior ao mesmo.

• As três causas mais frequentes de HDA são: a úlcera duodenal (31,4%), varizes esofagianas (24,3%) e úlceras gástricas (15%).

• A HDA varicosa ocorre após rompimento de varizes esofagogástricas, formadas pela abertura de microvasos e de colaterais venosos para descomprimir o território hepático hipertenso.

• A hipertensão portal é secundária à doença parenquimatosa hepática crônica, onde há modificações anatômicas e funcionais do fígado e do sistema venoso porta-hepático.

• Para diagnóstico de HDA preciso, é necessária a história clínica do paciente em conjunto com a Endoscopia Digestiva Alta (EDA), o exame mais utilizado e sensível para isso.

• Os principais exames a serem pedidos em pacientes com HDA varicosa são o hemograma, coagulograma e exames de avaliação da função hepática.

• A avaliação da função hepática é fulcral em pacientes hepatopatas, pois a gravidade da hepatopatia é fator prognóstico para pacientes com HDA varicosa.

• A endoscopia digestiva alta deve ser feita após a estabilização hemodinâmica do paciente (caso este chegue instável) em até 12 horas após admissão hospitalar.

• O tratamento objetiva contenção do sangramento, reposição volêmica e correção do choque (se for o caso), prevenção do ressangramento e das complicações associadas à HDA.

• Os tratamentos não cirúrgicos são a primeira escolha para intervenção, principalmente pelo grande avanço das terapias farmacológicas e endoscópicas.

• As infecções nos pacientes com HDA são consideravelmente frequentes, o que faz necessária a antibioticoprofilaxia imediata.

• A terapia farmacológica com somatostatina ou seus análogos tem sido tão eficaz em conter os sangramentos agudos quanto a intervenção endoscópica.

• Atualmente, o tratamento endoscópico por meio da Endoscopia Digestiva Alta é a terapia mais frequentemente aplicada no manejo da HDA varicosa.

• A TIPS, sumariamente, é um procedimento ponte, nos pacientes os quais o tratamento por meio da EDA falhou e resta apenas pouca quantidade de tempo até o transplante hepático.

• As derivações, como tratamento cirúrgico, buscam desviar o fluxo porta hipertenso ao sistema venoso sistêmico de baixa pressão.

• Existem três grupos de derivações, as não seletivas (totais), as seletivas e as parciais.

• A Desconexão Ázigo-Porta (DAP), como tratamento cirúrgico, promove a desvascularização esofagogástrica, juntamente com uma transecção esofágica e esplenectomia.

• O transplante hepático é o único método que promove a cura da hepatopatia e deve sempre ser considerado a todo paciente com doença hepática avançada.

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