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Definição
A hemorragia digestiva alta (HDA) refere-se ao sangramento derivado de lesões no trato gastrointestinal superior proximal ao ângulo de Treitz, principalmente esôfago, estômago e duodeno. Os pacientes com esse quadro manifesta, na maioria das vezes, hematêmese ou melena.
A HDA pode ser dividida em dois grandes grupos baseados em sua etiologia: HDA varicosa e HDA não-varicosa. Enquanto a primeira é causada por ruptura de varizes esôfago-gástricas, a segunda é causada principalmente por úlceras pépticas.
A HDA é uma emergência médica comum, tendo como causas comuns a úlcera péptica e varizes esofágicas. A maioria dos pacientes para espontaneamente de sangrar, mas cerca de 20% dos casos pode evoluir com instabilidade hemodinamica e necessitam de endoscopia digestiva alta (EDA) de urgência terapêutica.
Epidemiologia
A hemorragia digestiva alta (HDA) é uma situação de emergência, com uma incidência anual de 50-150 casos por 100.000 habitantes, resultando em grande morbidade, mortalidade e alto custo com cuidados da saúde. A taxa de hospitalização para HDA é estimada em seis vezes maior do que para sangramento gastrointestinal inferior.
A doença ulcerosa péptica ainda é a principal causa de HDA em países desenvolvidos. No entanto, as varizes esofágicas tornam-se importante causa de HDA em áreas endêmicas para esquistossomose, como no Brasil.
Patogênese
As HDA’s e origem não-varicosas são causadas principalmente pela úlcera péptica e os fatores causais a infecção por Helicobacter pylori e consumo de anti-inflamatórios não esteróides (AINES), estes últimos com o risco hemorrágico aumentado de 3-5 vezes
A hemorragia varicosa é consequente, sobretudo, da ruptura de varizes esofágicas, como uma das complicações da hipertensão portal, a qual se caracteriza como um aumento do gradiente venoso portossistêmico. Pode advir de complicações de cirrose hepática. A HDA se desenvolve como consequência da hipertensão portal em aproximadamente 50% dos pacientes com cirrose hepática, seja alcoólica, viral, auto imune ou criptogênica.
As infestações parasitárias, como a esquistossomose e leishmaniose, ou episódios de tromboembolismo porto-hepático também são causas de hipertensão portal e formação de varizes.
A HDA varicosa cursa com expressiva mortalidade. Todavia, nos últimos anos, as taxas de mortalidade têm caído para algo em torno de 15% a 20%, graças ao uso precoce e combinado dos tratamentos endoscópico e farmacológico e à profilaxia antibiótica.
Lesões vasculares no TGI podem causar sangramento, como as angiodisplasias, lesões de Dieulafoy e ectasia vascular antral gástrica (GAVE).
Angiodisplasias são as anomalias vasculares mais comuns encontradas no trato GI. A angiodisplasia do estômago ou duodeno foi incriminada como a causa da perda de sangue em 4 a 7% dos pacientes com sangramento gastrointestinal.
A lesão de Dieulafoy é um vaso submucoso dilatado aberrante que corrói o epitélio sobrejacente na ausência de uma úlcera primária. A artéria submucosa não sofre ramificação normal dentro da parede do estômago. Como resultado, o calibre da artéria está na faixa de 1 a 3 mm, aproximadamente 10 vezes o calibre normal dos capilares da mucosa.
A ectasia vascular antral gástrica (GAVE), ou estômago em melancia, é uma causa incomum de HDA, podendo ocorrer em pacientes com cirrose. O termo “estômago de melancia” é derivado da aparência endoscópica característica de fileiras longitudinais de listras achatadas e avermelhadas que irradiam do piloro para o antro que se assemelham às listras de uma melancia.
Quadro clínico de hemorragia digestiva alta
Pacientes com hemorragia digestiva aguda alta normalmente se apresentam com:
- Hematêmese: vômitos com sangue vivo, coágulos ou escur; e/ou
- Melena: fezes pretas, pastosas e com odor fétido.
A hematoquezia (sangue vermelho ou marrom nas fezes) geralmente é causada por sangramento gastrointestinal inferior, mas pode ocorrer sangramento gastrointestinal superior maciço. Por este motivo, em pacientes com hemorragia digestiva baixa é importante realizar uma endoscopia digestiva alta para afastar a HDA.
Diagnóstico de hemorragia digestiva alta
A história e o exame físico podem ajudar a identificar fontes potenciais de sangramento gastrointestinal superior, avaliar a gravidade do sangramento e identificar condições comórbidas que podem influenciar o tratamento subsequente do paciente.
A presença de dor abdominal, especialmente se for intensa e associada a sensibilidade de rebote ou proteção involuntária, aumenta a preocupação com a perfuração. Os exames de laboratório que devem ser solicitados incluem hemograma completo, análises químicas séricas, testes hepáticos e estudos de coagulação.
Deve-se procurar por estigmas de hepatopatia crônica como ascite, encefalopatia portossistêmica ou sinais periféricos de hipertensão portal, como telangiectasias e eritema palmo plantar.
A EDA é o principal exame diagnóstico e terapêutico na HDA e é responsável pelo diagnóstico etiológico em 90% dos casos. Deve ser realizado em até 24 horas para avaliação e tratamento de pacientes admitidos com HDA. Para pacientes com suspeita de sangramento por varizes, deve-se realizar a endoscopia em até 12 horas após a apresentação.
Os achados endoscópicos em pacientes com úlcera péptica podem ser descritos de acordo com a classificação de Forrest. Essa classificação é utilizada como indicador para risco de sangramento.
Tratamento de hemorragia digestiva alta
A HDA na grande maioria dos casos é autolimitada. Cerca de 80% das não-varicosas cessam espontaneamente. Entretanto, a gravidade do sangramento está vinculada principalmente à idade, às comorbidades e ao uso prévio de medicamentos lesivos a mucosa ou anticoagulantes.
O exame físico tem papel de suma importância para determinação da estabilidade hemodinâmica. Taquicardia ao repouso e hipotensão ortostática são sinais de possível instabilidade hemodinâmica. Coagulopatia associada, hemorragia no hospital, múltiplas transfusões, imunossupressão e hemorragia grave são sinais de mau prognóstico.
Se o paciente encontra-se instável hemodinamicamente deve-se proceder a ressuscitação volêmica, obtendo-se dois acessos venosos calibrosos e iniciar infusão de solução salina/Ringer Lactato – 1000 a 2000 ml em 30 a 45 min , instalando cateter para medida de pressão venosa central caso haja hipotensão ou choque.
Deve-se realizar transfusão sanguínea se a hemoglobina estiver abaixo de 7 g/dL para maioria dos pacientes (incluindo aqueles com doença arterial coronariana estável) ou se estiver abaixo de 9 g/dL para aqueles pacientes com doença arterial coronariana instável . Igualmente deve-se proceder transfusão naqueles com choque persistente após a infusão rápida de soluções salinas.
Quando há suspeita de HDA não-varicosa a infusão de inibidores de bomba de prótons (IBP) , preferencialmente de forma continua, deve ser instituída. Altas doses de terapia antisecretora com infusão intravenosa de IBP, no cenário de uma úlcera sangrante, reduz significativamente as taxas de ressangramento.
É sugerido que a eritromicina seja administrada antes da endoscopia para ajudar a melhorar a visualização. Uma dose razoável é 250 mg por via intravenosa durante 20 a 30 minutos, 30 a 90 minutos antes da endoscopia.
Se o paciente apresentar sinais de hepatopatia crônica deve-se iniciar imediatamente terlipressina (1-2 mg EV em bolus e após até 2mg de 4/4hs) ou octreotide (50mcg em bolus e 50mcg de hora/hora de manutenção, mantendo por 3 a 5 dias em infusão continua.
Vários tipos de terapia endoscópica são descritos:
- Injeção endoscópica de soluções esclerosantes e vasoativas, como adrenalina,
- Métodos térmicos, como eletrocoagulação mono e bipolar; e
- Métodos mecânicos – clipes hemostáticos.
Há uma tendência em favor da utilização conjunta de um método injetável e um método térmico. Pode haver ressangramento (15 a 20%) nas primeiras 72 horas após a hemostasia endoscópica das lesões.
Mapa mental de hemorragia digestiva alta

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Referências:
- COELHO, Fabricio Ferreira et al . Tratamento da hemorragia digestiva alta por varizes esofágicas: conceitos atuais. ABCD, arq. bras. cir. dig., São Paulo , v. 27, n. 2, p. 138-144, June 2014 .
- SALTZMAN, John. Approach to acute upper gastrointestinal bleeding in adults.UpToDate, Inc. 2021.
- SOARES, Daisy C. Bitencourt. BROLLO, Flávia Moojen. KUPSKI, Carlos. Hemorragia digestiva alta. Acta méd. (Porto Alegre) ; 35: [5], 2014.