Índice
- 1 O que é uma concussão cerebral?
- 2 Concussão cerebral no futebol
- 3 Quando surgiu as discussões sobre concussão cerebral no mundo do esporte?
- 4 Suspeita do diagnóstico de concussão
- 5 Como é feita a avaliação médica em caso de concussão cerebral?
- 6 Concussão cerebral no futebol: indicativos para considerar na avaliação médica
- 7 O que fazer em caso de diagnóstico de concussão cerebral positivo?
- 8 Por que é importante o médico ter conhecimento sobre concussão?
- 9 Referência
- 10 Sugestão de leitura complementar
A concussão cerebral no futebol é um tema cada vez mais importante na atuação do médico do esporte. Saiba mais com a coluna do Dr. Luiz Mourão!
O que é uma concussão cerebral?
A concussão cerebral consiste em uma lesão cerebral traumática induzida por forças biomecânicas. O mecanismo envolvido é aceleração e desaceleração do cérebro dentro da calota craniana através de um trauma direto ou indireto de qualquer parte do corpo que transmite a energia para a cabeça.
A concussão, geralmente, promove alterações neurológicas agudas que podem se resolver espontaneamente, mas há casos em que a resolução pode levar de minutos até horas após o trauma.
Há alterações neuropatológicas importantes associadas, além de sintomas cognitivos que podem se cronificar e evoluir. Em casos extremos, para doenças neurológicas que cursam com demência.
Concussão cerebral no futebol
A Confederação Brasileira de Futebol fez um levantamento das lesões ocorridas no Campeonato Brasileiro de Futebol, em 2016. Os traumas de cabeça corresponderam a 10% do total, sendo que 40% desse total foi associado à concussão.
Quando levantamos a literatura a nível mundial, o American Journal of Sports Medicine traz que 47% das concussões acontecem no futebol, sendo 8,2% no futebol feminino.
Com relação ao retorno pós-concussão, 55,3% dos atletas voltaram a jogar dentro de três semanas após a lesão e 22,8% retornaram em menos de uma semana.
Quando surgiu as discussões sobre concussão cerebral no mundo do esporte?
No mundo do esporte, há alguns marcos que tornaram o tema cada vez mais relevante para a comunidade científica.
O surgimento de síndromes demenciais em ex-atletas de boxe, por exemplo, é um fator relacionado aos repetitivos traumas na cabeça ao longo da carreira de um pugilista.
O exemplo mais conhecido é do Muhammad Ali. Muhammad Ali teve o diagnóstico de Parkinson em 1984, aos 42 anos de idade, três anos após ter se aposentado do boxe.
Na liga esportiva profissional de futebol americano dos Estados Unidos (National Football League – NFL) houve uma grande discussão nos últimos anos devido ao surgimento de ex-atletas com quadros demenciais após a aposentadoria.
Essa questão acabou evoluindo para mudança de regras para desestimular os traumas de cabeça entre os jogadores. Esse contexto foi abordado, inclusive, em um filme “Concussion”.
O filme mostra a história de um médico patologista que estudou anatomopatologicamente os cérebros de ex-atletas da NFL e denominou o termo “Encefalopatia traumática crônica” como uma doença desenvolvida por sucessivos traumas no cérebro.
Suspeita do diagnóstico de concussão
A suspeita do diagnóstico de concussão pode incluir um ou mais dos seguintes sintomas:
- somáticos (cefaleia), cognitivos (“sentir-se nas nuvens”) e/ou emocionais (alterações de humor);
- alterações de equilíbrio (alteração da marcha);
- físicos (perda do nível de consciência, amnédia, déficit neurológico);
- alterações cognitivas (tempo de reação diminuído;
- distúrbios de sono (sonolência);
- alterações comportamentais (irritabilidade).
Na maioria das vezes não ocorre perda de consciência e a cefaleia é o sintoma mais comum. Caso a cefaleia seja de padrão enxaquecosa, provavelmente terá uma evolução mais lenta na reabilitação.
Além disso, após a concussão, podem vir à tona sintomas depressivos que estavam controlados previamente.
Em cerca de 80-90% dos casos os sintomas melhoram em 7-10 dias, porém é fundamental manter a vigilância para a possibilidade do surgimento de sintomas tardios. Em alguns casos, os sintomas podem durar anos, evoluindo de forma subclínica.
Como é feita a avaliação médica em caso de concussão cerebral?
Na avaliação inicial à beira do campo, a avaliação médica deve ser pautada primariamente pelo nível de consciência do atleta. É preciso também a avaliação dos sinais de alarme ou red flags. São eles:
- Cervicalgia
- Visão dupla
- Fraqueza ou formigamento nos membros superiores ou inferiores
- Cefaleia intensa ou crescente
- Convulsão
- Perda o nível de consciência
- Rebaixamento do nível de consciência
- Vômitos
- Inquietação, agitação ou agressividade
Atleta inconsciente
Caso o atleta apresente-se inconsciente, o atleta deve ser imobilizado com colar cervical, imobilizador lateral de cabeça e prancha rígida e ser conduzido para serviço de urgência.
Atleta consciente
Caso o atleta apresente-se consciente, a orientação é fazer a avaliação de acordo com o SCAT 5 (Sport Concussion Assessment Tool – 5th edition) ou CRT5 (Concussion Recognition Tool 5th Edition), ferramentas que auxiliam o médico no reconhecimento da concussão através da avaliação de sinais, sintomas e memória.
Essa ferramenta é bastante útil no pós-concussão e tem o benefício de ser utilizada também como ferramenta para avaliar a evolução após 3-5 dias.
Realização de exame de imagem
A realização de exame de imagem (tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética) é indicada nos casos de concussão para afastar lesões eventualmente associadas, como fraturas e hemorragias. Não há diagnóstico de concussão através de exame de imagem.
Concussão cerebral no futebol: indicativos para considerar na avaliação médica
De acordo com a Comissão Nacional de Médicos do Futebol, da CBF, há indicativos visuais para a suspeita de concussão:
- Perda de consciência ou responsividade
- Ficar deitado no chão sem se mover/Lentidão para levantar-se
- Problemas de equilíbrio, cair/diminuição da coordenação motora
- Segurar/apertar a cabeça
- Olhar vago ou vazio
- Confuso/Perda da leitura de jogo
Para avaliação da memória, o médico deve perguntar ao atleta as seguintes questões:
- Em que estádio estamos?
- Estamos em qual “tempo do jogo”?
- Que time marcou o último gol?
- Contra que time foi a última partida?
- O seu time ganhou o último jogo?
A falha na resposta em qualquer uma dessas perguntas pode sugerir uma concussão.
O que fazer em caso de diagnóstico de concussão cerebral positivo?
Todo atleta com diagnóstico de concussão deve ser imediatamente substituído e a decisão para tal é médica. Isso porque a performance está comprometida e o atleta pode apresentar fadiga, lentificação do raciocínio, diminuição do tempo de reação, alteração da percepção do jogo e tontura.
Além disso, um atleta com concussão não deve treinar nem jogar, pois há de três a dez vezes mais chance de ele sofrer uma nova concussão. Nesse caso, é denominado de Síndrome do Segundo Impacto e é causa possível de óbito.
Nesse contexto, é importante ressaltar que o diagnóstico é clínico e independe da avaliação de exames de imagem.
É cada vez mais crescente a realização de avaliação neurológica e testes neurocognitivos na pré-temporada dos clubes para que os atletas tenham um baseline dessa avaliação, pensando na possibilidade de ter um parâmetro após uma eventual avaliação após um caso de concussão cerebral.
Trata-se de uma medida ainda incipiente, mas que grandes clubes que possuem médicos especialistas em Medicina do Exercício e do Esporte estão começando a realizar na rotina ao longo da temporada com seus atletas.
Tempo de recuperação de uma concussão
O tempo de recuperação é individual e dependerá de reavaliações diárias com a supervisão da equipe médica.
É indicado após a concussão que o atleta permaneça por 24-48 horas em repouso absoluto, inclusive de atividades que exijam a função cerebral e raciocínio, como por exemplo leitura. Esse fato minimiza a demanda de energia para o cérebro.
Após esse período, o atleta é encorajado a retornar gradualmente para as atividades sem que haja exacerbação dos sintomas cognitivos e físicos. Dessa forma, recomenda-se a seguinte sequência para o retorno ao futebol:
- Repouso total até não apresentar sintomas;
- Iniciar exercícios;
- Aeróbicos leves;
- Introduzir exercícios de força;
- Treinos – sem bola, com bola sem contato e depois com contato;
- Competição.
É feita a orientação de evoluir cada etapa sequencialmente após 24h sem que o atleta apresente piora de sintomas físicos e cognitivos.
Não há, até o momento, evidências consistentes para tratamento medicamentoso. Como principais complicações da concussão, pode-se mencionar:
- Síndrome do Segundo Impacto,
- Síndrome pós-concussão (com persistência dos sintomas por mais de 3 meses) e
- Encefalopatia Traumática Crônica.
As principais complicações são as síndromes:
- segundo impacto, que pode causar edema cerebral importante representando grave risco à saúde do atleta;
- pós concussão, persistindo os sintomas por período superior a 3 meses e encefalopatia traumática crônica.
Por que é importante o médico ter conhecimento sobre concussão?
O tema tem ganhado bastante relevância no futebol, principalmente devido ao registro crescente de casos ocorridos nos principais campeonatos pelo Brasil e pelo mundo.
No futebol, o tema concussão começou a ter uma maior relevância na Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil. Houve um caso emblemático em que o atleta da seleção do Uruguai, Alvaro Pereira, sofreu uma concussão cerebral com perda do nível de consciência por cerca de dois minutos.
O médico recomendou a substituição, mas o atleta se negou a sair e continuou jogando até o final da partida. Semanas depois, o atleta sofreu nova concussão com perda de consciência jogando pelo São Paulo FC.
Em dezembro de 2020, a IFAB (International Football Association Board), órgão que regulamenta as regras do futebol, aprovou a regra provisória para substituição extra para casos de atletas com concussão e decidiu prorrogá-la até 2023. A FIFA já usou a regra no Mundial de Clubes de 2020 e vai repetir na Copa do Mundo do Catar.
Além disso, há a evolução desse contexto que envolve concussão no futebol para as novas gerações. A própria IFAB regulamentou a medida de proibir que jogadores menores de 12 anos cabeceiem bolas durante treinos e partidas.
A medida do IFAB tem embasamento e recomendações médicas e tem o objetivo de reduzir concussões e doenças neurodegenerativas a curto e longo prazo.
Medidas preventivas aplicadas no futebol pelo mundo
Os Estados Unidos foram o primeiro país a adotar uma maior cautela nesse sentido, proibindo o cabeceio em treinos e partidas para crianças com idade inferior a 11 anos.
A Escócia tornou-se o primeiro país europeu a adotar medida semelhante. No início de 2020, iniciou-se a proibição de cabeceios para jovens menores de 12 anos. Existe a tendência de que a regra se espalhe por mais países ao redor do mundo, inclusive já há discussões incipientes no Brasil.
No comunicado enviado para as federações de futebol, a IFAB ressaltou que as jogadas aéreas geram riscos de choque não somente com a bola, mas também com a cabeça dos adversários.
A preocupação com menores de 12 anos é ainda maior uma vez que seus corpos, cérebros e habilidades motoras ainda estão em desenvolvimento.
Referência
- MCCRORY P., et al. Consensus statement on concussion in sport—the 5th international conference on concussion in sport held in Berlin, October 2016. Br J Sports Med 2018;51:838–847. doi:10.1136/bjsports-2017-097699
- https://www.cbf.com.br/a-cbf/informes/comissao-medicos/ferramenta-para-auxilio-diagnostico-de-concussao
- istoe.com.br/ifab-aprova-testes-para-substituicoes-extras-no-futebol-em-caso-de-concussao/
- Masumeci G, et al. Concussion in Sports. J. Funct. Morphol. Kinesiol. 2019, 4, 37; doi:10.3390/jfmk4020037
- Echemendia RJ, et al. The Sport Concussion Assessment Tool 5th Edition (SCAT5): Background and rationale. Br J Sports Med 2017;51:848–850. doi:10.1136/bjsports-2017-097506