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As doenças parasitárias provocadas por helmintos são um grave problema de saúde pública. As crianças são comumente acometidas por essas doenças, fazendo com que as helmintíases tenham relevância ímpar na Pediatria. Diante da variedade de doenças causadas por esse grupo de parasitas, também há uma diversidade de medicamentos utilizados no tratamento das helmintíases. Este texto foi elaborado para ajudar na apresentação das classes de medicamentos, descrevendo seus mecanismos de ação, principais indicações, doses utilizadas (todos os fármacos discutidas devem ser utilizados por via oral) e faixas etárias em que eles podem ser utilizados com segurança.
Derivados da piperazina
Os representantes dessa classe são a piperazina e a dietilcarbamazina. A piperazina age através da indução de paralisia flácida nos parasitas, através do bloqueio da junção mioneural. Dessa forma, os vermes são eliminados pelo organismo, devido aos movimentos peristálticos do tubo digestivo do hospedeiro. Essa medicação tinha importância na ascaridíase, sendo o tratamento de escolha nos casos de semioclusão ou obstrução intestinal. Entretanto, foi retirada de circulação pela ANVISA devido a sua toxicidade.
A dietilcarbamazina tem como mecanismo de ação provável a opsonizar as larvas, facilitando a fagocitose pelos macrófagos. Tem indicação clínica no tratamento das filarioses, loíase (larva do olho) e oncocercose, na dose de 6mg/kg/dia, sendo a duração do tratamento dependente da patologia em questão. Na população pediátrica, tem uso liberado em crianças com idade acima de 5 anos ou com peso maior que 15 kg.
Derivados quinoleínicos
Inclui a oxamniquina e o praziquantel, importantes drogas no tratamento da esquistossomose. A oxamniquina não tem mais disponibilidade do Brasil, já que o praziquantel é preferível para tratar a esquistossomose.
O praziquantel tem como mecanismo de ação o rompimento da cutícula do helminto, com consequente desintegração do seu organismo, através da formação de vesículas no tegumento. Age também provocando a inibição da captação de glicose e as enzimas responsáveis pelo transporte de íons (permitindo a entrada de sódio e cálcio enquanto inibe a entrada de potássio), o que causa paralisia dos vermes.
O praziquantel é indicado no tratamento da fase aguda e da fase crônica esquistossomose, em dose única de 70 mg/kg fracionada em duas tomadas com intervalo de 12 horas. Também é indicada na teníase e himenolepíase, em dose única de 10 mg/kg. Na neurocisticercose, esse medicamento deve ser utilizado com cuidado, pois sua ação cisticida provoca morte dos cistos com intensa reação inflamatória. O corticoide deve ser utilizado em conjunto, ou o tratamento pode ser feito com a niclosamida. O praziquantel está disponível em comprimidos com 150mg, 500mg ou 600mg. Está liberado para uso em crianças a partir de quatro anos de idade.
Benzimidazóis
Os fármacos desse grupo agem através da ligação à beta-tubulina dos vermes, causando dano aos microtúbulos que formam o citoesqueleto e flagelos. Além disso, também inibem alguns sistemas enzimáticos dos parasitas.
O tiabendazol tem destaque devido aos seus bons índices de cura no tratamento da estrongiloidíase, e também tem atividade, com menos eficácia, em outras geo-helmintíases. A dose é de 25 mg/kg duas vezes ao dia, por três dias. Está disponível em apresentações de comprimidos com 500mg e suspensão oral com 250mg/5ml, e não deve ser utilizado em crianças com peso menor que 13,5kg. É importante pontuar que, mesmo na estrongiloidíase, seu uso vem sendo substituído pela ivermectina, droga considerada de primeira linha para o tratamento dessa doença.
O mebendazol é uma droga anti-helmíntica de amplo espectro, tendo indicação no tratamento de ascaridíase, tricuríase, ancilostomíase, enterobíase e triquinose. Além do mecanismo de ação comum a outros medicamentos do grupo, também inibe a captação de glicose pelo verme. É comercializado em cápsulas e comprimidos de 100 mg e em suspensão oral de 100mg/5ml. Seu uso é liberado em crianças com mais de um ano de idade. Em casos pontuais, pode ser utilizado em crianças menores com verminoses causando dano importante à saúde.
O albendazol também age através da inibição da captação de glicose. Na ascaridíase, ancilostomíase e enterobíase, é eficaz em dose única de 400mg. No caso da enterobíase, essa dose deve ser repetida duas semanas após a primeira. Esquemas com doses mais elevadas e por tempo prolongado estão indicados nas seguintes doenças:
- Toxocaríase: 400 mg, duas vezes ao dia, durante cinco dias;
- Estrongiloidíase: 400mg, duas vezes ao dia, por 10 a 14 dias;
- Cisticercose: 15 mg/kg/dia, dividida em duas doses diárias, durante duas a quatro semanas. Deve ser utilizado em associação com corticoide, e a cisticercose ocular precisa ser excluída antes do tratamento sistêmico;
- Triquinose: 400 mg, duas vezes ao dia, por oito a 14 dias;
- Hidatidose: 10-15 mg/kg/dia (dose máxima de 800mg), dividida em duas tomadas diárias, durante um a seis meses.
O albendazol está disponível em suspensão oral com 40mg/ml e comprimidos mastigáveis de 200mg e 400mg, e seu uso é liberado para crianças com mais de dois anos de idade. Em crianças com idade entre um e dois anos, pode ser utilizada metade da dose (200mg) para tratamento de ancilostomíase e ascaridíase.
Nitazoxanida
Tem amplo espectro de ação, podendo ser utilizada nas seguintes parasitoses: ascaridíase, tricuríase, ancislostomíase, estrongiloidíase, enterobíase, teníase e himenolepíase. Seu principal efeito adverso é a dor abdominal, que pode ser recorrente. Age inibindo a polimerização da tubulina nos helmintos.
A dose indicada é de 7,5 mg/kg/dose (dose máxima de 500mg), duas vezes ao dia, por três dias. Está disponível em apresentações de pó para suspensão oral com 100mg/5ml e comprimidos com 500mg, e pode ser usada a partir de um ano de idade.
Ivermectina
Age inibindo o ácido gama-aminobutírico, causando paralisia e morte do verme. Pode ser utilizada no tratamento da ascaridíase e da ancilostomíase, mas destaca-se por ser a primeira linha no tratamento da estrongiloidíase, na dose de 200mcg/kg, uma vez ao dia, por dois dias. Em casos de hiperinfecção, o tratamento deverá ser estendido para 14 dias. Tem importância também, em substituição a dietilcarbamazina, no tratamento de oncocercose e filariose. Está disponível na apresentação de comprimidos com 6mg. Seu uso é indicado em crianças com idade maior que cinco anos ou com mais de 15kg de peso.
Niclosamida
A niclosamida provoca a morte com desintegração da tênia, sendo indicada como segunda linha para teníase (50 mg/kg, em dose única) e para himenolepíase (1g, seguida por 500mg/dia por seis dias, em pacientes com peso entre 11 e 34 kg; e 1,5g seguida por 1g/dia por seis dias, em pacientes com mais de 34kg). Nos casos de neurocisticercose, é recomendada dose única de 50 mg/kg, sendo a máxima de 2g. Os comprimidos devem ser bem mastigados antes da ingestão. Nos casos de teníase, a niclosamida pode ser utilizada em lactentes.
Pamoato de pirvínio
Pertencente ao grupo das cianinas, o pamoato de pirvínio é um corante vermelho que age no metabolismo energético dos helmintos, através da interferência na captação de glicose. É indicado no tratamento da enterobíase.
É utilizado por via oral, e não tem absorção sistêmica. É importante pontuar que o pamoato de pirvínio colore as fezes e vômitos em vermelho, podendo também alterar a coloração da boca e dos dentes. Esse aspecto deve ser comunicado aos responsáveis pelo paciente, a fim de não confundir essa alteração com a presença de sangramento.
A dose recomendada para o tratamento da enterobíase é de 10mg/kg/dia, por via oral, dose única, preferencialmente pela manhã em jejum. Vinte dias após a administração da primeira dose, a mesma deve ser repetida. As apresentações disponíveis são: comprimidos de 100mg e suspensão com 50mg/5ml. Pode ser utilizado para crianças a partir de 1 ano de idade.
Agentes espásticos paralisantes
O pamoato de pirantel pode ser usado nos casos de tricuríase, ascaridíase, enterobíasee ancislostomíase, na dose de 11mg/kg, em uma única tomada diária, por três dias. A dose não deve ultrapassar 1g. Sua ação consiste na inibição da colinesterase, o que causa um bloqueio neuromuscular, e, consequentemente, a paralisia espástica do verme. As apresentações são: comprimidos com 250mg e suspensão com 250mg/15ml. Deve ser utilizado a partir de 2 anos de idade.
O outro representante do grupo é o levamisol, um fenilimidazol que inibe a fumarato-redutase dos músculos dos helmintos, causando sua paralisia. Pode ser utilizado no tratamento da ascaridíase. É comercializado em comprimidos com 150mg e com 80mg, podendo ser utilizado em lactentes, na dose de 2,5mgkg, em dose única.
Por fim, ressaltamos a importância do conhecimento dos medicamentos utilizados para tratamento das helmintíases. Após o diagnóstico, feito através da suspeição clínica e utilização de exames complementares, é essencial que seja instituído o tratamento correto para a doença em questão e a faixa etária do paciente, a fim de alcançar o sucesso terapêutico individual e ajudar na diminuição da prevalência dessas parasitoses.
Autora: Liliane Coelho
Instagram: @_lilianecoelho
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
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Referências
- BATISTA, R.S. et al. Parasitologia : fundamentos e prática clínica. 1. ed. Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 2020.
- BURNS, D.A.R., et al. Sociedade Brasileira de Pediatria: Tratado de Pediatria. 4ª. ed- Barueri,SP: Manole. 2017
- CITRATO DE DIETILCARBAMAZINA: comprimidos. Responsável técnico Carlos Araújo da Costa. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz. Bula de remédio.
- NICLOSAMIDA: comprimidos mastigáveis. Responsável técnicoDr Claudio Roberto Mataruco. São Bernardo do Campo: UCI FARMA. Bula de remédio.
- PRAZIQUANTEL: comprimidos. Responsável técnico Carlos Araújo da Costa. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2016. Bula de remédio.
- REY, L. Parasitologia : parasitos e doençasparasitárias do homem nos trópicos ocidentais. 4.ed. Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 2018.
- Tavares, W. Antibióticos e quimioterápicos para o clínico. 3. ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2014.
- TIABENDAZOL: comprimidos e suspensão oral. Responsável técnicoDr Claudio Roberto Mataruco. São Bernardo do Campo: UCI FARMA. Bula de remédio.