Endocrinologia

Hipotireoidismo descompensado em pacientes tratados: como proceder?

Hipotireoidismo descompensado em pacientes tratados: como proceder?

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Imagem de perfil de Dr. Alexandre Câmara

Confira na coluna do Dr. Alexandre Câmara tudo que o médico precisa para conduzir pacientes tratados com hipotireoidismo descompensado!

Frequentemente, nos deparamos com pacientes que estão tomando doses altas de levotiroxina, mas ainda assim não conseguem manter o TSH sérico dentro da faixa de referência normal (aproximadamente 0,5 a 5,0 mU/L). 

Se esse for o seu caso também, você está certo, pois quase 40% das pessoas que têm hipotireoidismo não atingem o alvo terapêutico, ou seja, não estão com o tratamento adequado. Portanto, o que fazer nestas situações? Trazer respostas para essa pergunta é o objetivo da coluna de hoje. 

Hipotireoidismo descompensado: o que é dose excessiva de levotiroxina? 

Esta não é uma pergunta simples, a literatura não é clara em definir a partir de qual dose devemos nos “preocupar” em investigar que tem algo errado com o tratamento.

Mesmo sabendo que não existe dose máxima levotiroxina, a dose média é de 1,6-1,8 mcg/kg em pacientes jovens e saudáveis e com hipotireoidismo clínico, sendo que 95% destes pacientes controlam com doses de até 2,1 mcg/kg/dia. 

No entanto, as diretrizes atuais recomendam uma dosagem de levotiroxina de 1,6 mcg por kg por dia com base no peso corporal ideal em vez do peso corporal real. 

O peso corporal ideal pode ser calculado como o peso para a altura que geraria um índice de massa corporal de 24 a 25 kg por m2. A massa corporal magra é um melhor preditor da necessidade de dosagem do que o peso corporal real. 

Dose média de levotiroxina para cada faixa de IMC

Na tabela 01 trazemos a dose média de levotiroxina para cada faixa de IMC – acima de 25% da dose média devemos avaliar baixa adesão, má absorção ou mesmo alguma condição que esteja aumentando a necessidade de hormônio tireoidiano.

Tabela 01: Dose média de levotiroxina vs. IMC

Fonte: Papoian V, Ylli D, Felger EA, Wartofsky L, Rosen JE . Evaluation of Thyroid Hormone Replacement Dosing in Overweight and Obese Patients After a Thyroidectomy. Thyroid. 2019;29(11):1558. Epub 2019 Oct 1.

Quais as condições que devemos investigar diante de pacientes que estejam necessitando de doses altas de levotiroxina? 

Depois de definirmos se realmente a dose de levotiroxina está alta, vamos aos próximos passos da investigação. 

O primeiro ponto é avaliar se a absorção é adequada. Para facilitar a absorção, a levotiroxina deve ser tomada 30-45 minutos antes do café da manhã e pelo menos 3 horas após a última refeição. 

Além disso, é importante avaliar se o paciente está usando suplementos minerais como ferro, cálcio, magnésio, os quais afetam a absorção de levotiroxina.

A falta do ambiente ácido também pode interferir na absorção, sendo assim a gastrectomia (total ou parcial) e outros medicamentos comumente usados, como os inibidores da bomba de prótons e hidróxido de alumínio, também têm um impacto negativo na absorção da levotiroxina.

Adicionalmente, é fundamental investigar se o paciente tem alterações em jejuno — local da absorção da medicação. As mais frequentes são: 

  •  síndrome do intestino curto,
  •  by-pass intestinal,
  •  doença celíaca,
  •  doença inflamatória intestinal.

Também existem situações que podem aumentar a demanda do organismo pelo hormônio tireoidiano, tais como gravidez, síndrome nefrótica e uso de algumas medicações como: sertralina, fenitoína, carbamazepina, rifampicina, fenobarbital, combinação de medicamentos antivirais com ritonavir.

Uma outra questão para abordar ao paciente é se ele está mantendo a marca de levotiroxina. A bioequivalência entre as marcas é semelhante, mas a biodisponibilidade pode mudar. Alterar constantemente a marca pode dificultar o controle do hipotireoidismo. 

O que fazer em caso de não encontrar uma causa? 

Se na avaliação clínica não for encontrado nenhum dos fatores acima, sugerimos realizar a avaliação através de exames complementares (principalmente endoscopia digestiva alta) dos distúrbios gastrointestinais, como gastrite relacionada a H. pylori, gastrite atrófica ou doença celíaca. 

Caso seja evidenciado alguma destas condições (resumidas na tabela 2), é esperado que a dose seja realmente “mais alta que a média”. 

Além disso, caso não seja possível retirar a medicação ou situação clínica, pode ser necessário aumentar ainda mais a levotiroxina para atingir o alvo do TSH. Mas lembre-se que se alguma destas medicações forem excluídas da prescrição, recomenda-se a reavaliação da função tireoidiana e da dosagem de levotiroxina.


Principais fatores interferentes na dose de levotiroxina

Como avaliar a má adesão?

Ocasionalmente, mesmo diante de toda a investigação não encontraremos nenhuma explicação para a dose prescrita ser tão alta e o paciente insistirá que está tomando levotiroxina, mas o TSH estará bastante alto.

Caso na história clínica não ficar claro sobre o uso inadequado, pode ser feito o “teste de absorção da levotiroxina”, que consiste na aferição do T4 total, basal e após administração de 1.000 mcg de levotiroxina nos tempos 60, 120, 180, 240 e 300 minutos. 

Um incremento no teste acima de 60 % em relação ao basal favorece má adesão, se incremento menor que 60%, fala a favor de má absorção. 

Uma sugestão para facilitar a aderência é orientar que se o paciente esquecer da medicação em algum dia, tomar o dobro da dose no dia seguinte – não é a situação ideal, mas lembre-se que a meia-vida plasmática da levotiroxina é de 07 dias – o tratamento uma vez ao dia tem o objetivo de manter concentrações séricas quase constantes.

Caso mantenha a dificuldade no controle, uma alternativa é usar uma dose semanal supervisionada de 7x 1,6 mcg/kg /semana. No algoritmo 01 compilamos as principais etapas da investigação.

Algoritmo 01: avaliação de pacientes em uso de doses altas de levotiroxina

Hipotireoidismo descompensado: sugestão de leitura complementar

Que tal aproveitar para se aprofundar em outro tópico além do hipotireoidismo descompensado? Assista o podcast SanarCast que fala sobre os novos tratamentos da insulina.

Referências do artigo

  1. Bornschein A, Paz-Filho G, Graf H, Carvalho GA de. Treating primary hypothyroidism with weekly doses of levothyroxine: a randomized, single-blind, crossover study. Arq Bras Endocrinol Metab. 201 2Jun;56(Arq Bras Endocrinol Metab, 2012 56(4)):250–8.
  2. Using body mass index to predict optimal thyroid dosing after thyroidectomy. Ojomo KA, Schneider DF, Reiher AE, Lai N, Schaefer S, Chen H, Sippel RS. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1072751512013786. J Am Coll Surg. 2013;216:454–460
  3. Chaker L, Bianco AC, Jonklaas J, Peeters RP. Hypothyroidism. Lancet. 2017 Sep 23;390(10101):1550-1562. doi: 10.1016/S0140-6736(17)30703-1. Epub 2017 Mar 20.
  4. Patil N, Rehman A, Jialal I. Hypothyroidism. [Updated 2022 Aug 8]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK519536/
  5. Douglas S Ross. Treatment of primary hypothyroidism in adults . UpToDate 2023. https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-primary-hypothyroidism-in-adults