Hipotireoidismo no idoso: implicações no diagnóstico e o tratamento

Hipotireoidismo no idoso (1)
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Confira neste artigo do Dr. Alexandre Câmara orientações valiosas sobre hipotireoidismo no idoso com foco na prática médica!

As alterações da função tireoidiana aumentam conforme o envelhecimento, principalmente as disfunções relacionadas à deficiência na produção destes hormônios (hipotireoidismo).

Ao mesmo tempo, é esperada que haja redução adaptativa na função fisiológica do eixo hipotálamo-hipófise-tireóide em idosos. Por isso, a abordagem do hipotireoidismo em pacientes idosos pode ser um verdadeiro desafio.

Neste artigo vamos revisar as principais peculiaridades na identificação das manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento do hipotireoidismo no idoso.

Definição do hipotireoidismo

O hipotireoidismo é definido como síndrome clínica decorrente de redução da concentração ou de ação dos hormônios tireoidianos. Resultando em queda do metabolismo e prejuízo das atividades biológicas que dependem do estímulo dos hormônios tireoidianos para acontecerem.

Portanto, para entender o hipotireoidismo, é fundamental conhecer suas manifestações clínicas.

Manifestações Clínicas do hipotireoidismo no idoso

As manifestações clínicas do hipotireoidismo são altamente variáveis, dependendo da idade de início, da duração e gravidade da deficiência do hormônio tireoidiano.

Os sintomas comuns de deficiência de hormônio tireoidiano incluem fadiga, intolerância ao frio, ganho de peso, constipação, pele seca, mialgia e irregularidades menstruais ( Figura 1).

Os achados do exame físico podem incluir bócio [particularmente em pacientes com deficiência de iodo ou tireoidite autoimune crônico bócio (tireoidite de Hashimoto)], bradicardia, hipertensão diastólica e redução dos reflexos tendinosos profundos( Figura 1).

Várias anormalidades metabólicas podem estar presentes, incluindo hipercolesterolemia, anemia macrocítica, hiponatremia, creatina quinase e lactato elevados.

Sinais e sintomas do hipotireoidismo

Fonte: Autor / arquivo sanar

No entanto, o paciente mais idoso pode ter relativa escassez de sintomas. Quando há alguma queixa, frequentemente, o médico e o próprio paciente relacionam as manifestações relatadas com outras comorbidades comuns entre os idosos, ou atribuem aos efeitos do próprio envelhecimento.

Portanto, atenção às principais queixas que os idosos com hipotireoidismo relatam:

  • fadiga,
  • dispneia,
  • sibilos,
  • alteração do paladar (hipogeusia e disgeusia),
  • deficiência auditiva e
  • ataxia.

Entre os sinais mais frequentes estão:

  • bradicardia,
  • hipertensão diastólica,
  • palidez,
  • pele seca,
  • cabelos grossos,
  • rouquidão,
  • disartria,
  • retardo do relaxamento dos reflexos tendinosos profundos e
  • alterações do estado mental.

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Peculiaridades do envelhecimento no diagnóstico e tratamento do hipotireoidismo

A incidência e prevalência de tireoidite autoimune de Hashimoto aumentam com o envelhecimento.

A qual é a etiologia mais frequente de hipotireoidismo em países onde não há deficiência de iodo na dieta (como o Brasil).

Por isso, a idade é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de alterações na função tireoidiana (Tabela 1).

Fonte: Adaptado UpToDate

Função tireoidiana vs. idade

Para entender a dimensão do impacto da idade na função tireoide, a prevalência na população geral do hipotireoidismo subclínico (TSH elevado com T4 livre normal) é de aproximadamente 4% a 8%, e para o hipotireoidismo clínico (TSH elevado com T4 livre baixo) de 0,3 a 1%.

Enquanto em pessoas com mais idade, a prevalência é significativamente maior (Figura 2):

  • Entre 65 e 74 anos: 10% dos homens e 16% das mulheres de 65 a 74 anos,
  • Com 75 anos ou mais: 16% dos homens e 21% das mulheres tem níveis aumentados de TSH.

No entanto, como já referimos anteriormente, muitos destes pacientes são subdiagnosticados. Estudos que avaliaram residentes de asilos demonstraram que 7% a 12% dos moradores tinham evidência de hipotireoidismo e não foram diagnosticados no momento da admissão.

Ao mesmo tempo, é importante mencionar que no idoso, pode haver um aumento fisiológico do TSH, sem representar obrigatoriamente uma disfunção tireoidiana.

Por isso, em pacientes com idade maior que 65 a 70 anos utilizamos parâmetros distintos para indicar tratamento no hipotireoidismo subclínico (Fluxograma 1).

Já que muitos sinais e sintomas do hipotireoidismo são inespecíficos, e valores pouco alterados de TSH (< 7 mU/L), não justificariam as manifestações clínicas em idosos.

Mas o tratamento está indicado nos pacientes com TSH maior que 10 mU/L e naqueles com hipotireoidismo clínico (T4 livre baixo e TSH alto).

Tratamento inicial do hipotireoidismo

O tratamento inicial do hipotireoidismo em qualquer paciente deve começar com levotiroxina sódica (tiroxina).

No entanto, em idosos, cardiopatas ou pacientes nos quais a duração do hipotireoidismo é desconhecida, ela deve ser administrada em doses mais baixas do que as prescritas para pessoas mais jovens – 0,25 a 0,5 mcg/kg/dia – geralmente 25 a 50 mcg/dia.

Uma vez avaliada a tolerância cardiovascular da dose inicial, a maioria dos especialistas recomenda aumentar gradualmente as doses diárias.

12,5 a 25 mcg a cada quatro a seis semanas até que a reposição adequada seja confirmada pela repetição da dosagem de TSH.

Tratamento em pacientes idosos

Nos pacientes com idade acima de 70 anos, o TSH sérico alvo é de 3 a 6 mU/L.Já nos idosos entre 60 e 70 anos sem comorbidades cardiovasculares, a meta de TSH pode ser individualizada, considerando faixas mais liberais de TSH, inclusive buscando a normalidade: 1,0-4,0 mUI/L.

Para o tratamento eficaz do hipotireoidismo, além da dose, deve-se levar em consideração as potenciais interações medicamentosas. Também as alterações na depuração metabólica do hormônio tireoidiano que ocorrem com o envelhecimento.

Pontos de atenção

Entre os principais pontos de atenção, devemos sempre levar em conta:

Em mulheres na pós-menopausa, a terapia de reposição de estrogênio pode levar ao aumento das necessidades de tiroxina. Isso se dá como consequência do aumento da produção de globulina de ligação à tireoide (TBG). O que eleva a quantidade total de T4, mas diminui a fração livre, e consequentemente reduz sua função.

Pessoas que utilizam esteroides androgênicos, até os que são utilizados no câncer de mama, como fluoximesterona, podem necessitar de doses substancialmente mais baixas de tiroxina. Afinal, ele pode reduzir a produção de TBG, o que aumenta a fração livre do hormônio tireoidiano (e consequentemente sua função).

Tratamento medicamentoso

Medicações como fenitoína, carbamazepina, fenobarbital ou rifampicina aumentam o metabolismo da tiroxina, caso a introdução destas medicações ocorra em pessoas com hipotireoidismo em tratamento, pode ser necessário aumentar a dose da levotiroxina.

Uma outra interação importante é com a biotina, também conhecida como “vitamina H” ou “vitamina B7”, mas neste caso o impacto não é na função tireoidiana propriamente dita, e sim na análise laboratorial. Podendo haver uma falsa alteração, que geralmente mimetiza o hipertireoidismo, mas dependendo do “kit” laboratorial utilizado, pode haver um “pseudo hipotireoidismo”.

Orientações durante o tratamento

Durante o seguimento do paciente, deve ser dada atenção em minimizar os riscos de arritmias atriais (fibrilação atrial, outras taquiarritmias) e perda óssea progressiva, que podem estar associadas à tireotoxicose iatrogênica causada pelo tratamento excessivo, com doses de levotiroxina maiores que a necessidade.

Por isso, é fundamental o médico orientar que o paciente retorno em consulta para ser reavaliado e fazer novos exames laboratoriais se apresentar manifestações clínicas relacionadas ao excesso de hormônios tireoidianos, como:

  • palpitações,
  • insônia,
  • ansiedade,
  • irritabilidade,
  • tremores,
  • intolerância ao calor,
  • hiperdefecação e
  • perda de peso.

Principais mensagens sobre o hipotireoidismo no idoso

O hipotireoidismo é mais comum no idoso. Isso porque a tireoidite autoimune de Hashimoto, principal etiologia do hipotireoidismo (em pacientes onde não há deficiência de iodo), aumenta progressivamente com o envelhecimento.

As manifestações clínicas são inespecíficas e podem ser confundidas com queixas de outras comorbidades comuns entre os idosos, ou do próprio envelhecimento.

Na dúvida solicite TSH e T4 livre, mas lembre-se que a indicação de tratamento para o hipotireoidismo subclínico deve ser baseada em parâmetros diferentes daqueles utilizados em adultos jovens (Fluxograma 1) .

O tratamento INICIAL com levotiroxina deve ser prescrito em doses mais baixas do que para pacientes jovens. Sugerimos começar de 0,25 a 0,5 mcg/kg/dia – geralmente 25 a 50 mcg/dia. Mas caso boa tolerabilidade cardiovascular, deve-se progredir a cada 4 a 6 semanas, até atingir a meta para o TSH.

Referências

  1. Ross SD. Diagnosis of and screening for hypothyroidism in nonpregnant adults. UpToDate. [Internet]; 2022. [Acesso em out. 2022]. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/diagnosis-of-and-screening-for-hypothyroidism-in-nonpregnant-adults.
  2. Sales P, Halpern A, Cercato C. O essencial em endocrinologia. 1. ed. Rio de Janeiro: Roca; 2016.
  3. Surks MI. Clinical manifestations of hypothyroidism. UpToDate. [Internet]; 2022. [Acesso em out. 2022]. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-of-hypothyroidism.
  4. Ross SD. Disorders that cause hypothyroidism. UpToDate. [Internet]; 2022. [Acesso em out. 2022]. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/disorders-that-cause-hypothyroidism.
  5. Ross SD. Treatment of primary hypothyroidism in adults. UpToDate. [Internet]; 2022. [Acesso em out. 2022]. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/treatment-of-primary-hypothyroidism-in-adults.
  6. Ross SD. Subclinical hypothyroidism in nonpregnant adults. UpToDate. [Internet]; 2022. [Acesso em out. 2022]. Disponível em: www.uptodate.com/contents/subclinical-hypothyroidism-in-nonpregnant-adults.

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