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Mulheres na ciência: quais são os principais desafios de ser cientista?

Mulheres na ciência: quais são os principais desafios de ser cientista?

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Hoje, dia 11 de fevereiro, é comemorado o dia Internacional das Mulheres na Ciência. A data importantíssima é um excelente momento para falar sobre os desafios da carreira. Para isso, nada melhor do que ouvir as próprias cientistas.

A Agência Brasil produziu um conteúdo comemorativo super rico de informações. Duas cientistas foram entrevistadas para apresentar panorama sobre o mercado de trabalho na área. Elas também falaram sobre como as meninas de hoje podem se tornar cientistas.

Mulheres na ciência: quando nasce o interesse pela profissão?

Desde menina, ela já dava aulas às bonecas sobre a estrutura do átomo e como dominar a transformação da matéria. Sonhava em ser professora. Mas primeiro se formou em medicina, porque acreditou que esse era o caminho de unir as aptidões.

“Eu sempre quis ser professora, talvez pelo fato de minha mãe acreditar que esse é o ofício mais honrado. Também por acreditar que tenho necessidade de cuidar e orientar. Fazer medicina foi o meio. Sempre me interessei pela ciência da vida e do indivíduo. E na minha cabeça de 18 anos, além de ser desafio para uma pessoa comum como eu, iria me trazer experiências humanas extraordinárias. Dignas de Tolstoi, mas em campo de batalha hospitalar, em que o oponente e companheiro seria a doença”.

Foi assim que a cientista Rebecca Stival conta como iniciou a carreira. Ela é pneumologista dos hospitais Marcelino Champagnat e Universitário Cajuru, em Curitiba (PR). E mestranda em medicina interna pela Universidade Federal do Paraná, Atualmente, estuda impactos e tratamentos de enfisema na doença pulmonar obstrutiva crônica.

Rebecca é mestranda em medicina interna pela Universidade Federal do Paraná

Papel da mulher na ciência

As contribuições que as mulheres podem oferecer à ciência, tecnologia e inovação são inúmeras, a começar pela resiliência, diz Rebecca.

“A mulher tem como prerrogativa a resiliência. Por isso, o seu olhar para a ciência se torna importante. Acredito que por termos enorme capacidade de adaptação, que inclusive é biológica enfrentamos adversidades e geramos soluções práticas rapidamente. Basta olhar para uma mulher gestante. Todas as variações hormonais e modificações corporais que ocorrem ao longo de nove meses”.

Ela cita uma das mais famosas cientistas da história, Marie Curie, como exemplo de resiliência às frustrações e resposta rápida e prática às adversidades.

“Basta lembrar de sua contribuição para a realização de radiografias. Durante a Primeira Guerra Mundial, que beneficiou muitas pessoas em campo de batalha. Ela conseguiu transformar conhecimento de bancada em ferramenta de utilidade pública, outra característica importante de um cientista.

Dados

No entanto, o caminho para conquistar esse espaço não é fácil. E os homens ainda são maioria na área. De acordo com o relatório “A Jornada do Pesquisador pela Lente de Gênero”, a participação de mulheres nos mais diversos campos da ciência oscila entre 20%. Material foi publicado pela empresa holandesa Elsevier em 2020,

O Brasil figura entre os mais próximos do equilíbrio na proporção entre homens e mulheres na autoria de artigos científicos. São 0,8 mulher por cada homem. O desempenho é superior ao do Reino Unido, com 0,6, e ao dos Estados Unidos e da Alemanha, ambos com 0,5.

Para a professora e coordenadora de pós-graduação na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Cristina Baena, os desafios podem ser resumidos na questão da produtividade.

“Se você olha, a produtividade anual das mulheres é a mesma, mas ao longo da carreira elas produzem menos. Afinal, ficam menos tempo que os homens em papel de liderança na produção acadêmica e científica. Isso ocorre por causa da dificuldade da mulher de se manter nessa carreira juntando todas as responsabilidades que acumula”.

Importância do incentivo para superação de desafios da carreira

Na opinião da pesquisadora, há como incentivar a carreira da mulher cientista.

“São questões básicas: por exemplo, a bolsa da pesquisadora deve levar em consideração a maternidade. Hoje, a gente não tem estrutura para acolher os filhos das pesquisadoras nem em eventos científicos. O que dificulta a presença delas. É preciso dar condições para essas mulheres continuarem na carreira. Quando conseguem, há impacto muito importante na formação de recursos humanos e na produção científica”, defende Cristina. Ela já passou por esse desafio. Dividiu o tempo entre a criação de um filho enquanto fazia mestrado, doutorado e pós-doutorado.

Muito antes da pandemia, Cristina tinha rotina muito comum à das mães que trabalham e ainda trabalham em tripla jornada em casa, devido ao distanciamento social.

“Houve período em que tive que fazer muitas escolhas difíceis. Sobretudo financeiramente, porque vivia com a bolsa de doutorado. A minha receita diminuiu muito porque a bolsa no Brasil hoje tem valor muito pequeno. E me lembro claramente de um período em que tinha de responder e-mails em inglês para líderes internacionais. Ao mesmo tempo, precisava cozinhar o feijão, tinha que terminar a limpeza da casa e tinha que escrever um artigo. Ir à reunião da escola do meu filho, então fui muito desafiada em todos os sentidos. Acho que se a gente não tem muita persistência. Não tem ajuda, apoio, é natural que acabe desistindo mais cedo da carreira científica.

Hoje, Cristina Baena é coordenadora do ambulatório pós-covid. Montado pelo Hospital Universitário Cajuru, em parceria com a PUCPR. E coordenadora do Centro de Ensino, Pesquisa e Inovação dos hospitais Marcelino Champagnat e Universitário Cajuru.

Ela participou de dezenas de estudos para compreender o comportamento da covid-19. O ambulatório que Baena coordena estudas as sequelas da doença e práticas para reverter esses problemas.

Cristina Baena é professora e coordenadora de pós-graduação na PUCPR

Mulheres na ciência: como garantir equidade?

O último relatório do Fórum Econômico Mundial mostrou que a desproporção de gênero no trabalho aumentou. E apenas daqui a 267 anos o equilíbrio será alcançado. Ou seja, a atual geração de mulheres cientistas ainda não verá equidade na área, mas indica os caminhos para chegar lá.

Para Rebecca Stival, salários iguais são o primeiro passo. “Buscar equiparação salarial nas funções que a mulher representa. Em 1928, [a escritora] Virginia Woolf já nos contou que só há possibilidade de criação depois de garantido o pão, a independência financeira. E é fato que a pesquisa no Brasil recebe pouco ou nenhum financiamento. Pesquisadores de dedicação exclusiva são raros”.

A segunda medida, completa a cientista, é garantir equidade de acesso às mulheres. Considerando seu papel intrínseco na perpetuação da espécie.

“Apesar de direitos já adquiridos, mas ainda não completamente respeitados. O período de gestação e criação de uma criança, mesmo nos dias atuais – pasmem – ainda pode significar retrocesso profissional”.

Já Cristina Baena, considera a longevidade na carreira um dos pontos para alcançar equidade. “Acho que vai haver certa equidade na ciência quando tivermos a mesma longevidade de carreira. E também quando a gente aqui no Brasil, principalmente, parar de ouvir que a formação acadêmica científica não é considerada trabalho. São mudanças culturais que a sociedade deve resolver antes de termos essa igualdade”.

Pandemia

“Mulheres cientistas, até então conhecidas somente no meio acadêmico, ficaram famosas no país. Isso pelo papel relevante na pesquisa sobre o novo coronavírus e na divulgação”, destaca Cristina.

“No Brasil, a gente pode citar a Ester Sabino e a Jaqueline de Jesus. Elas decodificaram o genoma dos primeiros casos de covid-19 em tempo recorde. Informação que ajudou o mundo inteiro a combater a doença. Tivemos na mídia também algumas cientistas que fizeram papel muito importante de comunicadora. Natalia Pasternak e Margareth Dalcolmo são ótimos exemplo. A Mellanie Fontes Dutra é excelente exemplo no Twitter.

A Luana Araújo, com formação científica, também se colocou de forma muito firme contra onda de fake news que estava tomando conta do país naquele momento”.

Ela acredita ainda que outros exemplos servirão de inspiração. “Em níveis individuais e dentro dos hospitais, na produção de conhecimento rápido da pandemia, tivemos mulheres com papéis fundamentais. Tenho a impressão de que isso ajudou a inspirar algumas meninas”.

Rebecca Stival reforça: “as mulheres representam a maioria dos profissionais dedicados ao cuidado das pessoas. Cuidar é uma prerrogativa da mulher. Somos aproximadamente 79% da força de trabalho na área da saúde. Apesar de o Ministério da Saúde ser ocupado por um homem, as batalhas na pandemia foram lideradas, em sua grande maioria, por mulheres cientistas”.

Mulheres na ciência: o que dizer para quem sonha em ser cientista?

Rebecca dá um conselho às meninas que têm o sonho de ser cientista. “Resiliência. Outras vieram antes para garantir o que conquistamos até agora. Temos que persistir para assegurar plena equidade às que virão depois”.

Cristina Baena dá a mesma sugestão feita às alunas que orienta em pesquisas na universidade. “Sobretudo no Brasil hoje, a formação e a carreira científica devem ser plano quase familiar. Porque vai haver ausências na família. É bom que alguém possa cobrir esse papel. Um parceiro ou equivalente, que ajude na criação e na presença com os filhos”, afirma.

“É uma sensação de recompensa muito grande. Quando a gente percebe que conseguiu produzir conhecimento, que é aplicado na ponta e tem impacto na vida das pessoas”, complementa.

Fonte: Agência Brasil

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