Endocrinologia

Nova era para o tratamento da obesidade; acompanhe os estudos

Nova era para o tratamento da obesidade; acompanhe os estudos

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Imagem de perfil de Luiza Riccio

Uma nova era para o tratamento da obesidade começou. Em 2021, foram divulgados os ensaios clínicos Semaglutide Treatment Effect in People with obesity (STEP). E os resultados dos trials foram recebidos com entusiasmo pela comunidade médica. Na Tabela 1, localizada logo abaixo no texto, é possível ver o resumo dos resultados.

Os estudos foram divulgados em três dos principais periódicos médicos da atualidade. The New England Journal of Medicine, The Lancet e Nature Medicine.

Para entender o entusiasmo com o novo tratamento, é importante ressaltar dois pontos:

  • A obesidade é considerada uma epidemia global. Isso porque o excesso de peso corporal é um fator de risco importante para diversas doenças. Diabetes, doenças cardiovasculares, esteatose hepática e câncer. Além de estar relacionado à ocorrência de morte precoce. 
  • O tratamento para o controle ponderal eficaz ainda é um desafio.
FONTE: Ryan DH, 2021

Qual é o cenário do tratamento da obesidade? 

É comum a suspensão de medicamentos que levem à perda de peso. Mesmo de drogas que haviam sido previamente aprovadas pelas agências reguladoras. Isso ocorre devido a ocorrência de efeitos adversos graves.

Entre os medicamentos suspensos estão: anfetaminas (dependência), fenfluramina (toxicidade cardíaca) e lorcaserina (risco de câncer).

Recentemente, foram aprovados trials de fármacos para tratamento do diabetes mellitus tipo 2. Análogos do GLP-1 (glucagon-like peptide-1) e inibidores do cotransportador de sódio e glicose do tipo 2. Os estudos apontara uma perda ponderal importante entre os participantes dos estudos.

Um STEP 1 sobre o uso da semaglutida foi publicado no The New England Journal of Medicine. O objetivo de uso era ajudar na perda ponderal de pacientes obesos.

Atualmente, os fármacos disponíveis para tratamento da obesidade são orlistate, fentermina/topiramato, naltrexona/bupropiona e liraglutida. Eles levam a uma perda ponderal em média, 4-7% maior do que o placebo. Enquanto o tratamento com a semaglutida levou ao dobro desse valor.

Outro aspecto importante é que nenhuma das drogas existentes foi eficaz na prevenção ou tratamento de diabetes mellitus tipo 2. Essa doença frequentemente ocorre em associação à obesidade.

 Estudo da eficácia do uso da semaglutida  

O STEP 1 foi um randomized clinical trial (RCT) duplo-cego envolveu 16 países. Detalhes sobre os participantes do estudo:

  • Pacientes adultos não portadores de diabetes mellitus
  • Índice de massa corporal (IMC) ≥30 kg/m2 ou ≥27 kg/m2
  • Pelo menos uma comorbidade associada. Hipertensão, dislipidemia, apneia obstrutiva do sono ou doença cardiovascular
  • Registo de falha de uma ou mais tentativas de perda ponderal com dieta

Foram excluídos pacientes com:

  • Diabetes
  • Hemoglobina glicada ≥6,5%
  • Antecedente de pancreatite
  • Tratamento cirúrgico de obesidade prévio
  • Uso de medicações para perda de peso nos últimos 90 dias 

Os pacientes foram randomizados na proporção 2:1. Para um tratamento de 68 semanas com uma injeção subcutânea semanal de 2,4mg de semaglutida ou placebo. Associado a intervenções no estilo de vida. 

O tratamento com semaglutida foi iniciado em uma dose semanal de 0,25mg por quatro semanas. Aumentada mensalmente até atingir a dose de 2,4mg na semana 16.

As mudanças de estilo de vida incluíram uma redução de 500kcal em relação à ingestão diária habitual. E pelo menos 150 minutos de atividade física semanal.

Os pacientes também receberam aconselhamento individual mensal. Para ajudar na adesão às intervenções e receber orientações a registrar os hábitos diários. O seguimento dos pacientes foi mantido até sete semanas após o final do tratamento.

Resultados do estudo  

Os desfechos primários foram o percentual de mudança do peso corporal. E a ocorrência de redução de, pelo menos, 5% do peso. O que é considerada clinicamente relevante, de acordo com a literatura.

Os secundários mostram uma redução de mínima de 10% ou 15% do peso. E mudanças na circunferência abdominal e na pressão arterial. Escore da capacidade funcional nos questionários Short Form Health Survey (SF-36) e Impact of Weight on Quality of Life–Lite Clinical Trials Version (IWQOL-Lite-CT).

Com relação à segurança, foram avaliados o número de eventos adversos durante o período do tratamento. E a ocorrência de eventos adversos graves entre o início do estudo e a semana 75.

Os eventos cardiovasculares, pancreatites e óbitos foram revisados por um comitê externo.

Impacto da associação da dieta e de exercícios ao tratamento

Os resultados mostraram:

  • Redução de 14,9% do peso corporal no grupo semaglutida. Comparado a -2,4% com o placebo.
  • Diferença de -12,4% entre os grupos (IC 95%, −13,4 a −11.5; p<0.001).
  • Os pacientes tratados com semaglutida também tiveram maior probabilidade de perder peso 5% (86% vs. 32% com placebo, p<0,001), 10% (p<0,001) ou 15% do peso (p<0,001). 
  • Maior redução da circunferência abdominal (–13,54 cm vs. –4.13 cm com placebo; diferença de –9,42 cm; IC 95%, –10,30 a –8,53).
  • IMC (–5,54 vs. –0,92 com placebo; diferença de –4,61; IC 95%, –4,96 a –4,27).

Os pacientes tratados com semaglutida tiveram uma melhora dos escores de capacidade funcional em ambos os questionários SF-36 e IWQOL-Lite-CT, em relação ao grupo placebo (p<0,001). Os efeitos da droga sobre a perda ponderal são decorrentes da diminuição do apetite e, consequentemente, menor ingestão calórica.

Uma perda ponderal de 15% tem uma grande importância clínica. Uma perda moderada, de 5 a 10% do peso, já está associada a uma melhora de alguns fatores:

  1. Níveis glicêmicos,
  2. Fatores de risco cardiovascular (pressão arterial, lipidemia),
  3. Bem-estar referido pelos pacientes e dos seus aspectos funcionais. 

Perdas maiores que 10% levam a uma melhora continuada destes parâmetros. Além de melhorar sintomas de apneia obstrutiva do sono e escores de esteatohepatite não-alcoólica.

Para a remissão de diabetes e redução dos eventos cardiovasculares, é necessária uma perda ponderal maior ou igual a 15%.

Vale ressaltar que o grupo placebo também apresentou resultados interessantes.

O que reforça a importância e o impacto das mudanças de estilo de vida. 31% dos pacientes perderam 5% do peso, 12% perderam pelo menos 10% e 5% perderam pelo menos 15%.

Efeitos adversos do uso de semaglutida

Os principais eventos adversos associados ao tratamento foram a ocorrência de náuseas, vômitos e diarreia. Esses efeitos já conhecidos desta classe de medicamentos. Por isso, a recomendação de escalonar a dose. 

Em acréscimo, houve uma maior ocorrência de colelitíase no grupo semaglutida (2,6% vs. 1,2% no grupo placebo). Mas uma investigação dos efeitos adversos gastrointestinais. O que pode ter levado a um maior diagnóstico dessa condição em relação ao grupo placebo. 

Os efeitos mais preocupantes são a rara ocorrência de pancreatite e a contraindicação. No segundo caso, ocorre em pacientes com história pessoal ou familiar de neoplasia endócrina múltipla ou carcinoma medular da tireoide. 

A semaglutida já é amplamente utilizada para tratamento de diabetes. Ela faz parte de uma classe de medicamentos com um perfil de segurança conhecido. O que traz uma tranquilidade ao uso desta medicação para o tratamento da obesidade. 

Tratamento da obesidade: quais as perspectivas futuras?

A perda ponderal decorrente do tratamento com a semaglutida só atingiu o nadir na semana 60. Demonstrando um efeito mais prolongado do que o observado em estudo com a liraglutida.

Mais respostas sobre os efeitos da semaglutida a longo prazo virão com os resultados do STEP 5. Estudo que está mantendo o seguimento dos pacientes ao tratamento por dois anos.

Os riscos cardiovasculares associados ao uso da medicação ainda estão sendo avaliados. Através do estudo Semaglutide Effects on Heart Disease and Stroke in Patients With Overweight or Obesity (SELECT).

Apesar dos resultados promissores, o STEP 1 tem algumas limitações que podem prejudicar a validação externa. São elas:

  • A população majoritariamente branca
  • A sub-representação dos indivíduos do gênero masculino (26%)
  • O fato de que 40% dos participantes tinham pré-diabetes. O que nos leva a questionar qual seria a eficácia do tratamento. No caso de pacientes obesos sem intolerância à glicose.

Há muitas dúvidas quanto ao custo do tratamento. Envolvendo dúvidas em relação ao tempo de uso necessário e à cobertura pelos planos de saúde.

Em alguns países, os tratamentos para perda ponderal pagos pelas seguradoras incluem apenas pacientes com IMC ≥35kg/m2. E alto risco para diabetes e doenças cardiovasculares e falha das medidas de mudança de estilo de vida.

Esses critérios visam garantir que o tratamento seja realizado por razões médicas. O que exclui o simples desejo do paciente de perder peso. Da mesma maneira que as seguradoras não cobrem procedimentos estéticos.

Diante do exposto, a semaglutida passa a ser uma opção promissora para o tratamento da obesidade, associada às mudanças comportamentais.

Estudos futuros devem mostrar o impacto desta droga na ocorrência de doenças associadas à obesidade. E também de eventos cardiovasculares e de um aumento na expectativa de vida destes pacientes.

Fonte: Dra Luiza Riccio é professora Sanar, com graduação em Medicina na EBMSP . Doutorado pela FMUSP. Ela tem residência médica em Ginecologia e Obstetrícia no HC-FMUSP. Luiza é revisora em periódicos científicos.

Referências

Wilding et al. Once-Weekly Semaglutide in Adults with Overweight or Obesity. N Engl J Med, 2021. Disponível em: www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMoa2032183.

Ingelfinger JR e Rosen CJ. STEP 1 for Effective Weight Control — Another First Step?. N Engl J Med, 2021. Disponível em: www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMe2101705

Adler AI. The STEP 1 trial for weight loss: a step change in treating obesity? Nat Med, 2021. Disponível em: www.nature.com/articles/s41591-021-01319-4

Ryan DH. Semaglutide for obesity: four STEPs forward, but more to come. Lancet Diabetes Endocrinol, 2021. Disponível em: www.thelancet.com/journals/landia/article/PIIS2213-8587(21)00081-4/fulltext