O que são
intoxicações exógenas agudas?
Um agente tóxico é um composto químico capaz de causar dano quando em contato com o organismo, devido às alterações bioquímicas que propicia.
Já a intoxicação é o processo patológico desencadeado por tais alterações. Essas substâncias químicas podem ter origem endógena, quando são produtos do metabolismo de microrganismos infecciosos ou do metabolismo deficiente do próprio indivíduo, ou origem exógena, quando tais substâncias são inoculadas no organismo.
Quando os efeitos da exposição se manifestam imediatamente ou no decorrer de alguns dias (até 2 semanas depois), após um único contato com o agente, ou múltiplos contatos em um período de 24 horas, a intoxicação é classificada como aguda.
Assim, a intoxicação exógena aguda é consequência do contato com agentes tóxicos que podem estar presentes no ambiente (seja no ar, na água, no solo, em plantas ou na picada de animais peçonhentos) ou em produtos com diferentes fins fabricados pelo ser humano (medicamentos, produtos de limpeza, pesticidas, etc.).
Já as manifestações clínicas apresentadas pelo paciente intoxicado dependem de vários fatores, tais como as propriedades químicas de cada produto, a dose e a via de exposição, que pode ser oral, inalatória, ocular ou dérmica.
Qual o papel do
carvão ativado em situações de intoxicação exógena aguda?
A maioria dos casos no pronto-socorro ocorre por ingestão de agentes tóxicos. Porém, independentemente da via de exposição, o manejo do paciente intoxicado requer a prevenção da absorção sistêmica do agente, para evitar o agravamento dos sintomas sistêmicos, e o aumento da sua eliminação, para antecipar o término de suas ações tóxicas sobre o organismo.
Quando o composto tóxico está presente no trato gastrointestinal (TGI), a fim de evitar que, além dos possíveis danos locais ao TGI, uma maior absorção sistêmica dessa substância ocorra, diferentes procedimentos podem ser realizados, como a lavagem gástrica, a irrigação intestinal, a hiper-hidratação, a alcalinização da urina e a administração do carvão ativado.
A escolha de qual método utilizar irá depender de uma série de fatores, como o tipo de substância ingerida, comorbidades do paciente e o tempo decorrido desde a ingestão.
O carvão ativado, obtido a partir da pirólise de material orgânico, possui partículas com alto poder adsorvente, ou seja, que têm a capacidade de se ligar a moléculas e íons e retê-los em sua superfície, desde que estejam dissolvidos em líquidos.
Assim, limita a quantidade de agente tóxico absorvido pela mucosa do TGI e, consequentemente, a quantidade presente na circulação sistêmica.
Substâncias não-ionizadas são melhor adsorvidas, enquanto sais altamente iônicos, como os compostos que contêm íons de ferro, lítio e cianeto, e pequenas moléculas polares, como álcoois, são fracamente adsorvidos.
Quando administrado em múltiplas doses, o carvão ativado pode aumentar a taxa de eliminação de alguns compostos tóxicos que possuem baixo volume de distribuição aparente (Vd), ou seja, que tendem a se concentrar no plasma, e que sofrem recirculação entero-hepática.
Além disso, substâncias como fenobarbital e a teofilina, que podem se difundir para a luz do TGI a partir da circulação intestinal, também tem suas concentrações corporais diminuídas.
Como usar o carvão ativado?
O carvão
ativado pode ser utilizado em casos de intoxicação por via oral e, de
preferência, até 1 hora depois da ingestão, desde que o paciente não se encaixe
nas situações descritas nas contraindicações.
Estudos em animais e voluntários humanos constataram que a eficácia do tratamento diminui com o passar do tempo decorrido desde a ingestão do agente.
Em média, a absorção do agente tóxico é reduzida em 69% quando o carvão ativado é administrado em até 30 minutos após a ingestão e em 34% quando usado em até 60 minutos. Porém, após 2 horas, ele é considerado ineficaz.
Na maioria
dos casos no pronto-socorro, é prescrita uma dose única de carvão ativado,
porém a administração de múltiplas doses é indicada em casos de
intoxicação por fenobarbital, ácido valproico, carbamazepina e
teofilina, ou quando a quantidade ingerida for superior a um décimo da dose
de carvão ativado.
O carvão ativado está disponível em pó, precipitados, suspensão líquida em sorbitol e propilenoglicol, embora a mais indicada seja a suspensão aquosa líquida.
Ele pode ser administrado após a lavagem gástrica ou como única medida de descontaminação, possuindo, neste caso, eficácia maior ou semelhante à da lavagem gástrica.
Deve ser
administrado por via oral ou através da sonda orogástrica e a via aérea de
pacientes torporosos deve ser protegida, a fim de impedir a aspiração do
conteúdo.
Segundo o
Manual de Toxicologia Clinica, as doses devem ser as seguintes:
- Dose única: 1g/kg (dose para adultos: 50 a 100 gramas; dose para
crianças menores de 5 anos: 10 a 25 gramas) via oral ou via sonda orogástrica.
Contudo, se a quantidade de toxina ingerida for conhecida, e igual a x gramas,
deve ser administrada uma quantidade 10 vezes maior ao paciente, correspondente
a 10x gramas de carvão ativado, respeitando-se o limite de 100 gramas. - Doses
múltiplas: A dose inicial deve ser 1g/kg (dose para
adultos: 50 a 100 gramas; dose para crianças menores de 5 anos: 10 a 25 g) via
oral ou via sonda orogástrica ou 10 vezes a quantidade da substância ingerida
em gramas, respeitando-se o limite de 100 gramas. As doses subsequentes devem
ser de 0,2 a 0,5 g/kg, (variando entre 15 a 30 gramas) a cada 2 a 4 horas (taxa
média em adultos de 12,5 g/h; taxa média em crianças de 0,2 g/kg/h),
Em casos de
pacientes com náuseas ou vômito, administra-se antieméticos (metoclopramida ou
ondansetrona), podendo ser utilizada a sonda orogástrica para a administração.
Embora seja
mais eficaz quando administrado até 1 hora após a ingestão, é importante
lembrar que a sua eficiência pode ser alterada por um série de variáveis, como
o pH, a solubilidade da substância e o seu tempo de persistência no estômago e
no intestino delgado superior, além da razão entre a quantidade de carvão e a
quantidade do composto tóxico.
Ainda é necessário observar que o carvão ativado pode reduzir, impedir ou retardar absorção de antídotos ou de outros fármacos administrados por via oral.
E, quando em doses repetidas, ele pode aumentar a eliminação de alguns fármacos necessários para a terapia, mesmo que não administrados por via oral, como anticonvulsivantes.
Quais os riscos do
uso do carvão ativado?
As
complicações, embora raras, podem ocorrer principalmente quando o paciente não
utiliza a sonda orogástrica, sendo as principais:
- Vômito e, consequentemente, a broncoaspiração do
conteúdo gástrico contendo o carvão ativado, especialmente em pacientes
torporosos sem proteção da via aérea. - Constipação e obstrução intestinal, principalmente quando se
administra múltiplas doses.
Vale
ressaltar que a administração de catárticos, que tem como objetivo evitar os
quadros de constipação, não tem benefícios comprovados e está associada a
outros riscos, logo não será abordada no presente texto.
Quando não usar o
carvão ativado?
O uso do
carvão ativado é contraindicado quando:
- O paciente ingeriu substâncias corrosivas, solventes ou hidrocarbonetos;
- O paciente ingeriu substâncias que não são adsorvidas pelo carvão, como álcool, metanol, etilenoglicol, álcalis, cianeto, ferro, lítio e flúor.
- Há risco de hemorragia ou perfuração do intestinal, especialmente quando o paciente passou por cirurgias abdominais recentemente ou possui doenças que aumentam o risco dessas hemorragias, como úlceras pépticas;
- Há sinais de obstrução intestinal, como ausência de ruídos gastrointestinais.
