Psiquiatria

Parafilia: o que é, como diagnosticar e atender seu paciente

Parafilia: o que é, como diagnosticar e atender seu paciente

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Entenda o que é a parafilia, como é diagnosticado o quadro no seu paciente, e a abordagem para o acompanhamento psiquiátrico. Bons estudos!

A parafilia é um dos distúrbios psiquiátricos da vontade que desperta curiosidade, e merece ser abordado com cuidado e seriedade. Assim sendo, é fundamental que o médico esteja familiarizado com a condição e saiba manejá-la da melhor forma possível.

O que é parafilia?

A sociedade humana, de maneira geral, estabelece padrões sexuais considerados “naturais” ou esperados pelo homem. É evidente que todos esses padrões variam com a cultura e comportamentos dos grupos sociais.

Pensando nisso, a palavra parafilia advém dos prefixo “para” (fora/paralelo) e “filia” (predileção). Com isso, as parafilias são variações do comportamento sexual que fogem ao padrão estabelecido pela sociedade.

A característica das parafilia é a atração sexual recorrente ou intensa por objetos ou atividades atípicas , através de fantasias, apresentando esse comportamento por mais de 6 meses.

De maneira geral, esses comportamentos podem ser prejudiciais tanto para o praticante quanto para o sujeito envolvido no foco sexual.

Além disso, a origem desses padrões de comportamento costuma se desenvolver no final da infância ou início da puberdade. Assim sendo, o tratamento envolvido na terapia da parafilia envolve principalmente diminuir ou evitar episódios de recaídas .

No entanto, o sofrimento mútuo não é uma regra para a definição da parafilia. Em tempos passados, ela era conhecida ainda como “perversão sexual”. Hoje, chamada de transtornos parafílicos, conta com uma abrangência que permite uma abordagem essencialmente médica, distante dos julgamentos morais.

Classificação das perturbações parafílicas, segundo o DSM-5

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Figura 1: Classificação das perturbações parafílicas, segundo o DSM-5.

Ato IMpulsivo vs ato COMpulsivo: como a parafilia se relaciona

A parafilia se enquadra nos distúrbios da vontade, e com isso precisamos diferençar os atos considerados impulsivos dos considerados compulsivos a fim de entender essa condição.

O ato impulsivo se dá em oposição à ação voluntária. Logo, ele pode ser representado como um “curto circuito” do ato voluntário, entre a fase de intenção e a de execução. Ou seja, o ato impulsivo tem como característica abolir as fases de intenção, deliberação e decisão abruptamente, devido à grande intensidade dos desejos. É importante ainda compreender que para o indivíduo dominado pela impulsividade, os desejos e necessidades de outras pessoas tendem a ser desconsideradas.

Outra característica importante do comportamento impulsivo é o fato de ele ser egossintônico, estando em sintonia com o íntimo do indivíduo, que não percebe aquela ação como inadequada. Por isso, ele não sente a necessidade de evitá-la ou adiá-la por não ser contrária aos seus próprios valores morais.

Com relação ao ato compulsivo, diferente do ato impulsivo, ele é reconhecido pelo indivíduo como indesejável ou inadequado. Por isso, existe a tentativa de refreá-lo. Nesse caso, ainda, é um comportamento egodistônico, sendo contrário aos valores de moral do indivíduo. Justamente por esse fato, existe a sensação de alívio na realização da ação, porém é logo substituído pelo desconforto de ter realizado a ação.

A parafilia, portanto, é um conjunto de atos impulsivos e compulsivos de natureza sexual.

Riscos: quais são os problemas que acompanham esse comportamento?

Como vimos, o comportamento parafílico é muito diverso, podendo ter uma gama imensa de apresentações e raízes psiquiátricas. Pensando nisso, os riscos que envolvem a apresentação desses quadros são variados, muito relacionados à etiologia da parafilia em questão.

Em primeiro lugar, embora a parafilia seja uma condição que prejudique tanto o agente quanto o sujeito da ação, o maior prejudicado é o objeto/pessoa/animal que não consentiu com o ato.

Pensando na repercussão social que transtornos parafílicos, como pedofilia e frotteurismo, o indivíduo com o transtorno corre o risco de exposição dos seus atos publicamente, ou ainda risco de vida.

Grupos de parafilia: entenda os tipos

O DSM-5 ainda estende a nomenclatura dos transtornos parafílicos. Essa mudança é importante para reclassificar alguns costumes sexuais atípicos, mas que não são enquadrados como tratados como transtornos mentais.

Como exemplo de um costume sexual revisado, tem-se o Masoquismo Sexual, que ganhou o nome de Transtorno de Masoquismo Sexual.

Abaixo, podemos visualizar alguns transtornos parafílicos e suas definições resumidas.

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Tabela 1: Mudanças de diagnóstico do DSM-5. Fonte: LB Braga et al., 2014.

Voyeurismo e a relação a dois: sempre é um problema parafílico?

No voyeurismo, o indivíduo tem excitação sexual ao observar ou espionar a atividade sexual realizada por outras pessoas. Embora seja um tipo de parafilia, a maioria dos voyeurs não tem o transtorno de voyeurismo.

É importante esclarecer que em certo grau o voyeurismo é comum. Por isso, esse comportamento é tolerado em certa medida pela sociedade, representado pelo consumo de conteúdo adulto explícito.

Esse é um comportamento que tem se tornado popular entre muitos casais. Existem frentes terapêuticas para fortalecer a conexão entre o casal que se baseiam no voyeurismo. Em outros casos, acordos entre os(as) parceiros(as) envolvem a observação do toque íntimo ou ato sexual do par com uma terceira pessoa.

O voyerismo passa a ser um problema quando, na busca de oportunidades de observação, ocorre a negligência de aspectos da sua vida pessoal.

Sadomasoquismo sexual: entenda essa parafilia

A palavra sadomasoquismo é derivada do “sadismo” e “masoquismo”, que significam a obtenção de prazer sexual por meio da dor. Em grande parte das vezes, esse tipo de relação envolve um dominador e um dominado, e não necessariamente o ato sexual em si.

Nessa parafilia, apesar do nome, nem sempre a dominação implica em dor. Na maioria dos casos, a sensação de dominar e ser dominado é suficiente para atingir a excitação sexual e o orgasmo. Assim, em geral, o que motiva os praticantes do sadomasoquismo é o mistério e a sequência de surpresas durante o ato sexual.

Embora seja considerado uma parafilia, o sadomasoquismo também tem se popularizado entre muitos casais e ganhado muitos adeptos. De maneira geral, são definidas preferências, a exemplo do enforcamento, e senhas de segurança. Sendo assim, no momento em que a prática não agradar o parceiro, pode ser imediatamente interrompida.

É comum que os simpatizantes da prática sadomasoquista queiram assumir um papel totalmente oposto ao de costume na sua vida diária. Um exemplo muito trazido em filmes com esse enfoque são grandes empresários poderosos assumindo os papéis de submissão.

A raiz da preferência sadomasoquista tem sido muito discutida, e tem-se encontrando respostas na infância dos praticantes. Uma das grandes associações feitas para justificar essa preferência é a relação parental.

Por ter sido ensinado de que os pais são as pessoas que mais a amam, mas ainda assim ter sido machucada física ou psicologicamente por um deles ou ambos, a relação entre dor e amor se torna tênue. Esse é apenas um exemplo muito comum de raízes infantes que possam conduzir à essa parafilia.

Apesar disso, o sadomasoquismo representa uma questão que merece ser tratada na medida em que põe em risco a vida ou moral do paciente.

Discussão em foco: quais são os desafios do debate sobre a parafilia?

A parafilia ainda é considerada um tema tabu nos dias atuais. No entanto, com o acesso à informação, em especial de maneira anônima, ela desperta a curiosidade de muitos.

As descrições da parafilia datam desde os tempos bíblicos, sendo já proibidas e vistas com maus olhos na época, a exemplo da zoofilia e a necrofilia.

Ao longo dos séculos, a parafilia foi discutida pelos manuais de DSM, sendo abordada de várias maneiras diferentes. Dentre elas, a 3ª edição as parafilias integraram os distúrbios psicossexuais.

Embora o tabu acerca do tema tenha tomado menores proporções ao longo dos anos, ainda se trata de um tema pouco discutido e compreendido. Não se tem, assim, tantas informações acerca de incidência, distribuição e curso das parafilias.

DSM-5: o que mudou com o diagnóstico do Transtorno Parafílico

O lançamento da 5ª edição do DSM trouxe a discussão sobre o comportamento atípico e o comportamento decorrente do transtorno totalmente claro, e houve uma distinção acerca de ambos.

Segundo essa nova classificação, a grande maioria das pessoas com interesses sexuais atípicos não necessariamente tem um transtorno mental. Por isso, para que a parafilia seja de fato diagnosticada, os interesses sexuais atípicos devem estar relacionados a:

  • Angústia pessoal a respeito do seu interesse pessoal, devido à clara reprovação da sociedade;
  • Seu desejo ou comportamento sexual envolve situações tais como:
    • Sofrimento psicológico;
    • Lesões;
    • Morte de outras pessoas;
    • Prática sexual que não tenha o consentimento ou que não se tenha como obter o consentimento.

Como abordar a parafilia com o paciente?

A medicina, em seu lugar de cuidado e acolhimento, não intenciona julgar esses comportamentos de maneira moral, mas deixar o paciente seguro de expor as suas angústias acerca do quadro.

Portanto, a abordagem do paciente com parafilia deve ser tratada com um somatório entre habilidade e cuidado. Pensando nisso, o profissional deve se comportar de maneira a não ter um comportamento julgador com o paciente.

É importante ter em mente que, em casos mais avançados e de longa data do comportamento parafílico, é comum que o paciente tenha um abalo nas relações interpessoais. Isso porque é muito incomum que o paciente considere o seu comportamento de fato algo distônico, ou que mereça intervenção.

Pensando nisso, os profissionais de saúde mental são os grandes agentes auxiliadores no processo de tratamento desses pacientes. A avaliação cuidadosa de cada indivíduo, bem como a identificação específica de qual parafilia se trata aquele caso específico fazem parte da conduta terapêutica.

O cultivo de uma boa relação médico paciente é fundamental para o sucesso terapêutico do indivíduo, visto que o acompanhamento pode ser facilmente quebrado por falta de confiança do paciente.

Condução terapêutica do paciente com parafilia?

No que diz respeito à administração farmacológica, geralmente é feita com a administração específicas de substâncias, como pela supressão de andrógenos e desejo sexual. Algumas medicações permitidas no Brasil são a ciproterona e acetato de medroxiprogesterona, exclusivamente para essa finalidade.

Além das medicações citadas acima, os antidepressivos (como inibidores seletivos de recaptação de serotonina) e neurolépticos são administrados visando o controle da sintomatologia.

A condução terapêutica para a parafilia consiste, primariamente, na terapia cognitivo-comportamental (TCC). Através dela, com associação à análise comportamental e psicanálise e fármacos, a terapia para a parafilia é conduzida. Apesar disso, ainda é considerado insuficiente para a maioria dos quadros.

Quanto à TCC costuma ser uma abordagem importante, especialmente quanto à prevenção de recaídas. É através dela que o paciente, juntamente a um profissional psiquiatra e psicólogo, manejam os pensamentos impulsivos e compulsivos do paciente.

Em vista disso, a preparação profissional do médico que está acompanhando um paciente com parafilia é determinante. Ter o conhecimento acerca dos transtornos e como orientar o paciente se faz prioridade no atendimento.

Desafios do tratamento de parafilia

O tratamento e abordagem terapêutica do paciente com parafilia é um desafio na psiquiatria atualmente. Esse fato é decorrente dos ainda limitados estudos acerca do quadro, sendo as evidências atuais ainda insuficientes para uma abordagem.

Ainda sobre essa realidade, os pacientes que costumam participar dos estudos sobre parafilia são presidiários ou pacientes em centros de tratamento. Em vista disso, a amostra não costuma representar a população geral.

Outros fatores que desfavorecem o tratamento sobre a parafilia é o protagonismo que o estupro e a pedofilia tomam diante do todo. Assim, a urgência por encontrar um tratamento se perde diante pelo foco se direcionar para esses pequenos grupos, não havendo estudos exclusivos e consistentes acerca de fetichismo e masoquismo, dentre outras.

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Como vimos, o preparo profissional para os cuidados do paciente com parafilia são fundamentais para um bom manejo dos sintomas.

Diante desse e outros casos tão comuns em atendimentos psiquiátricos, a pós graduação em psiquiatria da Sanar pode ser um grande diferencial na sua carreira!

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Perguntas frequentes

  1. De forma geral, o que são as parafilias?
    As parafilias são comportamentos sexuais que se afastam dos padrões sociais, tornando-se preocupantes ao prejudicar a vida do indivíduo ou de outrem.
  2. Qual é o papel do médico na abordagem das parafilias?
    O médico tem como papel o acolhimento e manejo dos sintomas do paciente. O psiquiatra apresenta destaque nessa tarefa, que em parceria com o paciente, visa evitar o ato em si.
  3. Existem desafios na compreensão da parafilia?
    Os desafios são vários. Os principais é o ainda escasso estado da arte acerca das parafilias e suas raízes.

Referências

  1. Balone, 2005.
  2. parafílico: o que mudou com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5a edição (DSM-5).
  3. Perturbações Parafílicas no séc. XXI. Ana Rita Ribeiro Caldeano.
  4. Dalgalarrondo, Semiologia dos Transtornos Mentais.