Carreira em Medicina

Resumo de doença renal crônica: epidemiologia, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento

Resumo de doença renal crônica: epidemiologia, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento

Compartilhar
Imagem de perfil de Prática Médica

A Doença Renal Crônica (DRC) é definida como a diminuição do ritmo de filtração glomerular (RFG) abaixo de 60 ml/min/1,73m2 e/ou a presença de anormalidades na estrutura renal, com duração acima de 3 meses. Ao contrário do que se observa na maioria dos casos de Injúria Renal Aguda (IRA), na DRC não ocorre regeneração do parênquima renal, e por isso a perda de néfrons, por definição, é irreversível.

Segundo a Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO), a DRC é subdividida em estágios (0, 1, 2, 3a, 3b, 4 e 5), com base no ritmo de filtração glomerular e em relação a proteinúria em A1, A2 e A3, antes, a doença era estadiada apenas pela TFG, porém, o risco de piora da função renal está intimamente ligado à quantidade de albuminúria, de modo que ela foi incorporada na classificação.

Essas duas classificações diferentes unidas estagiam a doença, assim como dão seu prognóstico. Conforme mostra a tabela, pacientes na faixa verde dificilmente tem complicações graves e pacientes na vermelha geralmente estão em diálise, para evitar outras complicações.

Prognóstico de insuficiência renal crônica por GFR e categorias da albuminúria

Epidemiologia da doença renal crônica 

Em países desenvolvidos, o rastreamento estima prevalência de doença renal crônica entre 10 e 13% na população adulta, com mais de 4,5 milhões de adultos com a doença no mundo. No Brasil, a primeira causa de DRC é a hipertensão arterial sistêmica, a segunda é o diabetes, seguido pela glomerulonefrite crônica. Nos EUA, observa-se o diabetes como principal etiologia da DRC (45%), seguido pela HAS e glomerulopatias.

No Brasil, estimativas da prevalência dessa enfermidade são incertas, contudo, de acordo com a caderneta de saúde coletiva de 2017 mais de 100 mil pacientes recebiam terapia dialítica no país, com uma taxa de internação hospitalar de 4,6% ao mês e uma taxa de mortalidade 17% ao ano. O mesmo estudo detectou maior predominância no sexo masculino com taxa de crescimento anual de 2,2% e, de 2% para o sexo feminino, raça/cor predominante é a branca (39,6%) em relação às raças/cor amarela (1,2%), indígena (0,1%), parda (36,1%) e preta (11,4%).

Fisiopatologia

A fisiopatologia da DRC caracteriza-se por dois amplos grupos gerais de mecanismos lesivos:

  1. mecanismos desencadeantes específicos da etiologia subjacente, por exemplo anormalidades do desenvolvimento ou da integridade renal determinadas geneticamente, deposição de imunocomplexos e inflamação em alguns tipos de glomerulonefrite, ou exposição a toxinas em algumas doenças dos túbulos e do interstício renais.
  2. um conjunto de mecanismos progressivos que envolvem hiperfiltração e hipertrofia dos néfrons viáveis remanescentes, que são consequências comuns da redução prolongada da massa renal, independentemente da etiologia primária.

As respostas à redução da quantidade de néfrons são mediadas por hormônios vasoativos, citocinas e fatores de crescimento. O aumento da atividade intrarrenal do sistema renina-angiotensina (SRA) parece contribuir para a hiperfiltração adaptativa inicial e, embora inicialmente benéfica, parece resultar em dano a longo prazo aos glomérulos dos néfrons remanescentes, que se manifesta por proteinúria e insuficiência renal progressiva. Este processo parece ser responsável pelo desenvolvimento de insuficiência renal entre aqueles nos quais a doença original é inativa ou curada.  

Fisiopatologia da doença renal crônica
Fonte: Sanarflix 

Fonte: Supermaterial Sanarflix 

Quadro clínico da doença renal crônica

O declínio gradual da função em pacientes com DRC é inicialmente assintomático. No entanto, diferentes sinais e sintomas podem ser observados com insuficiência renal avançada, incluindo sobrecarga de volume, hipercalemia, acidose metabólica, hipertensão, anemia e distúrbios minerais e ósseos. 

As manifestações do estado urêmico incluem anorexia, náusea, vômito, pericardite, neuropatia periférica e anormalidades do sistema nervoso central (variando de perda de concentração e letargia a convulsões, coma e morte). Não existe correlação direta entre os níveis séricos absolutos de nitrogênio ureico no sangue ou creatinina e o desenvolvimento desses sintomas.

O distúrbio ósseo e mineral decorrente da DRC inicia-se com a redução na produção de 1,25 dihidroxi-calciferol. O declínio progressivo do nível sérico de vitamina D é acompanhado por elevação de paratormônio (PTH) à medida que declina a filtração glomeruar. Assim, nos estágios 3 e 4 da DRC, a maioria dos pacientes já apresenta hiperparatireoidismo secundário.

Há uma grande quantidade de evidências de que pacientes com DRC têm um aumento substancial no risco cardiovascular que pode ser explicado em parte por um aumento nos fatores de risco tradicionais, como hipertensão, diabetes e síndrome metabólica. A DRC sozinha também é um fator de risco independente para doenças cardiovasculares.

Diagnóstico da doença renal crônica

Diagnóstico da doença renal crônica é mais bem identificado com o ritmo de filtração glomerular. Essa é a melhor medida do funcionamento renal em indivíduos normais ou pacientes com doença renal. O nível da RFG varia com a idade, sexo, e massa muscular. A RFG menor que 60mL/min/1,73 m2 representa diminuição de cerca de 50% da função renal normal e, abaixo deste nível, aumenta a prevalência das complicações da DRC. Na prática clínica, a RFG pode ser determinada pela dosagem da creatinina sérica e/ou pela depuração desta pelo rim.

Mais recentemente, as diretrizes preconizam que a FG pode ser estimada a partir da dosagem sérica da creatinina (Crs), aliada a variáveis demográficas, tais como: idade, sexo, raça e tamanho corporal. As duas equações mais frequentemente utilizadas encontram-se a seguir:

Outros marcadores de lesão renal incluem anormalidades no sedimento urinário (principalmente hematúria e leucocitúria), alterações de parâmetros bioquímicos no sangue e na urina e alterações nos exames de imagem. 

A ocorrência de uma ou mais cruzes de proteinúria no sumário de urina determina a necessidade de quantificação, que pode ser feita em amostra urinária isolada relação proteína/creatinina) ou na urina de 24 horas. Indivíduos normais excretam pequena quantidade de proteína na urina diariamente, numa faixa considerada como fisiológica. No entanto, a excreção de quantidade aumentada de proteína na urina  é um marcador sensível para DRC secundária a diabetes (doença renal diabética), glomerulopatias primárias e secundárias e hipertensão arterial. Já as proteínas de baixo peso molecular, quando em quantidade anormal na urina, sugerem a ocorrência de doenças túbulo-intersticiais.

Pacientes com perda de função renal no início da doença podem apresentar nefropatia crônica à imagem do ultrassom, com perda da diferenciação córtico medular, redução do córtex renal e aumento da ecogenicidade do parênquima renal.

Tratamento da doença renal crônica

Os tratamentos dirigidos às causas específicas da DRC incluem, entre outros, o controle rigoroso da glicemia dos pacientes diabéticos, o uso de agentes imunossupressores na glomerulonefrite e a utilização das novas modalidades de tratamento específico para retardar a cistogênese na doença renal policística. 

Em geral, a ocasião ideal para iniciar o tratamento, específico e não específico, é muito antes que haja declínio detectável da RFG e certamente antes que a DRC esteja bem estabelecida.

O controle da hipertensão glomerular é importante para retardar a progressão da DRC. Além disso, a pressão arterial elevada agrava a proteinúria porque aumenta o fluxo através dos capilares glomerulares. Essa observação constitui a base das diretrizes terapêuticas que estabelecem o nível de 130/80 mmHg como meta de pressão arterial para pacientes com DRC e proteinúria. Os inibidores da ECA e os bloqueadores de receptores da angiotensina II (BRAs) inibem a vasoconstrição das arteríolas eferentes da microcirculação glomerular, que é induzida pela angiotensina, por isso são drogas de escolha para controle da PA. 

Já o manejo da nefropatia diabética consiste em prevenção por meio de controle da glicemia. O objetivo é manter a glicemia capilar pré-prandial entre 90 e 130 mg/ dL, pico pós-prandial < 180 e hemoglobina glicada < 7,0%. 

Pacientes com DRC devem ser encaminhados a um nefrologista quando a eTFG for <30 mL / min / 1,73 m 2 para discutir e, potencialmente, planejar uma terapia de substituição renal. As indicações clínicas para iniciar a diálise em pacientes com DRC incluem pericardite ou pleurite (indicação urgente); encefalopatia urêmica progressiva ou neuropatia, com sinais como confusão, asterixia, mioclonia, punho ou pé caído ou, em casos graves, convulsões; diátese hemorrágica clinicamente significativa atribuível à uremia; Sobrecarga de fluidos refratários a diuréticos; hipertensão pouco responsiva a medicamentos anti-hipertensivos; e distúrbios metabólicos persistentes que são refratários à terapia medicamentosa.

Confira a aula de sobre Doença Renal Crônica:

Posts relacionados:

Referências:

  1. Bastos, Marcus Gomes, Rachel Bregman, and Gianna Mastroianni Kirsztajn. “Doença renal crônica: frequente e grave, mas também prevenível e tratável.” Revista da Associação Médica Brasileira 56.2 (2010): 248-253.
  2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Diretrizes Clínicas para o Cuidado ao paciente com Doença Renal Crônica – DRC no Sistema Único de Saúde/ Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. – Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
  3. CARDOSO, Fabiano Nassar de Castro et al . Contribuição da avaliação radiológica no hiperparatireoidismo secundário. Rev. Bras. Reumatol., São Paulo , v. 47, n. 3, p. 207-211, June 2007 . Acesso em 20/04/2021.
  4. GOLDMAN, Lee; AUSIELLO, Dennis. Cecil Medicina Interna. 24. ed. SaundersElsevier, 2012 Chao LW et al. Clínica Médica – Medicina USP/ HC-FMUSP. Editora Manole. Volume (3) 637- 651, 2009
  5. Harrison, Tinsley Randolph, and Anthony S. Fauci. Principios de medicina interna. No. 616. McGraw-Hill Interamericana,, 2009.
  6. Kirsztajn, Gianna Mastroianni, et al. “Leitura rápida do KDIGO 2012: Diretrizes para avaliação e manuseio da doença renal crônica na prática clínica.” Brazilian Journal of Nephrology 36.1 (2014): 63-73.
  7. Marinho, Ana Wanda Guerra Barreto, et al. “Prevalência de doença renal crônica em adultos no Brasil: revisão sistemática da literatura.” Cadernos Saúde Coletiva 25.3 (2017): 379-388.
  8. ROSENBERG, Mark. Visão geral do manejo da doença renal crônica em adultos. UpToDate, Inc., 2021.  Acesso em: 19 abril. 2021.
  9. Sesso, Ricardo de Castro Cintra, et al. “Relatório do censo brasileiro de diálise crônica 2012.” Jornal Brasileiro de Nefrologia (2014).