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O papilomavírus humano (HPV) destaca-se como um dos agentes etiológicos responsáveis por causar infecções sexualmente transmissíveis (IST) mais comuns no mundo.
Acredita-se que aproximadamente 80% dos indivíduos adultos no mundo possam entrar em contato com algum tipo de HPV em algum momento de suas vidas.
O conhecimento sobre a infecção pelo HPV tem avançado de modo impressionante, impactando fortemente políticas de saúde. As políticas buscam propor o rastreamento e o tratamento das doenças relacionadas ao HPV. Além disso, tem como foco a prevenção da infecção primária.
Hoje, sabe-se que o HPV é o segundo agente mais oncogênico, superado apenas pelo tabaco. Esse vírus é responsável por:
- 100% dos casos de câncer do colo do útero
- 88% dos casos de câncer anal
- 70% dos casos de câncer de vagina
- 50% dos caso de câncer do pênis
- 43% dos casos de câncer de vulva
- 26 a 50% dos casos de câncer de orofaringe no mundo
Além disso, o HPV também é responsável por outras doenças importantes, entre elas:
- verrugas genitais
- papilomatose respiratória recorrente
- tumor de Buschke-Lowestein
Epidemiologia
A Organização Mundial de Saúde estima que 630 milhões de pessoas apresentem infecção genital pelo HPV. Deiante disso, há uma prevalência mundial de 9 a 13%.
O risco de adquirir a infecção ao longo da vida é de pelo menos 50%. No geral, ocorre entre 2 e 10 anos do início da atividade sexual. Estima-se que o risco cumulativo de adultos sexualmente ativos apresentarem manifestação clínica do HPV (condiloma acuminado) durante suas vidas é de 10%.
Biologia do HPV
Os papilomavírus pertencem à família Papilomaviridae e são estritamente espécie-específicos, denominados de acordo com o seu hospedeiro. Sendo assim, o HPV é um vírus pequeno, que mede 55 nm e possui uma dupla fita de DNA circular. Essa fita tem aproximadamente 8.000 pares de base que codificam 9 genes. e exclusivo dos humanos.
O genoma viral pode ser dividido em três regiões:
- early (precoce), que contém estruturas proteicas necessárias à replicação viral e com propriedades de transformação oncogênica;
- late (tardia), com genes que codificam proteínas do capsídeo viral;
- regulatória, que controla os elementos de transcrição e replicação.
Capacidade do codificação
O HPV tem a capacidade de codificar oito proteínas maiores, das quais as oncoproteínas E6 e E7. Essas oncoproteínas, presentes nos tipos de HPV de alto risco, merecem maior destaque. Isso ocorre pois estão associadas às funções de transformação e imortalização:
- E6: liga-se e inativa a proteína supressora tumoral do hospedeiro (p53). Dessa forma, acaba evitando o reparo do defeito genético e a morte celular programada (apoptose).
- E7: liga-se e inativa a proteína supressora tumoral pRB, liberando, assim, os fatores de transcrição E2F, que participam do estímulo à síntese de DNA na célula do hospedeiro.
Os estudos mais recentes, evidenciam que existem mais de 150 tipos diferentes de HPV; alguns são inofensivos, mas outros estão associados a doenças importantes. Destes, cerca de 40 tipos infectam os genitais, o ânus e a orofaringe. Eles são divididos de acordo com sua associação epidemiológica com o câncer do colo do útero.
Os tipos de alto risco oncogênico têm o potencial de atuar como carcinógeno, são representados por 18 tipos:
- tipos 16, 18, 26, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 53, 56, 58, 59, 66, 68, 73 e 82
Já o outro grupo é chamado de baixo risco oncogênico (tipos 6, 11, 40, 42, 43, 44, 53, 54, 61, 72, 73 e 81) e está associado ao desenvolvimento de doenças de caráter mais benigno como verrugas genitais e lesões de baixo grau.
Como ocorre a transmissão do HPV?
O HPV é um vírus onipresente e resistente que pode sobreviver no meio ambiente sem um hospedeiro. Diferentemente de outras viroses, tais como HIV e Hepatite B, o HPV não é transmitido pelo sangue. No geral, é transmitido pelo contato direto de pele com pele.
Trata-se de um vírus que:
- Infecta apenas o revestimento epitelial (pele ou mucosas)
- Altamente infectante
- Transmitido pelo contato direto com a pele e mucosas via microabrasão ou microtraumatismo.
Sendo assim, infere-se que o HPV é transmitido pelo contato sexual íntimo. Via de regra, nem sempre a relação sexual com penetração representa a via clássica de contaminação do HPV. Embora esta infecção seja considerada doença sexualmente transmissível, há documentado relato de contágios através de contato mão-genital e oral-genital.
A infecção por HPV, por ser muitas vezes assintomática, é transmitida imperceptivelmente. Portanto, a maior parte das pessoas não sabe que foi infectada.
Quadro clínico do HPV
Sabe-se que, para que a infecção pelo HPV ocorra, é necessário que ele atinja as células da membrana basal. Isso se dá por meio de microtraumas que ocorrem durante o contato íntimo, antes de entrar nas células epiteliais (queratinócitos).
Desse modo, a infecção do trato genital inferior pelo HPV é dividida em:
- Clínica: é a forma que se pode evidenciar a olho nu; são as verrugas genitais, também denominadas de condilomas acuminados.
- Subclínica: seu diagnóstico só é possível por meio de recursos de magnificação (lente de aumento, colposcopia e microscopia).
- Latente: é a identificação de sequências de DNA-HPV com técnicas de biologia molecular. No geral, é feita em indivíduos com tecidos clínica e colposcopicamente normais.
História natural da infecção na mulher
A infecção pelo HPV é na maioria das vezes transitória. Desse forma, pode ocorrer várias infecções por diferentes tipos no decorrer da vida da mulher, além de reinfecções pelo mesmo tipo.
A maioria das mulheres infecta-se por HPV no início da atividade sexual. Dentro desse âmbito, estima-se que que metade das infecções por HPV tornam-se indetectáveis em um ano. Além disso, cerca de 90% estão negativas após dois anos de sua detecção.
Estudos revelam que o maior risco para desenvolvimento de lesão precursora pré-câncer (NIC – neoplasia intraepitelial cervical – de alto grau) é a infecção persistente por determinados tipos de HPV de alto risco oncogênico. Dentre os principais estão o HPV-16, 18, 31, 33 e 58. Outros tipos de HPV, como 39, 59 e 68, não estiveram associados ao desenvolvimento de NIC-3 ou lesão mais grave.
História natural da infecção do HPV no homem
As doenças relacionadas ao HPV que afetam o homem são as verrugas anogenitais e cânceres de pênis, ânus e orofaringe. A curva de prevalência no homem é muito maior do que na mulher, sem tendência de redução com a idade. De fato, a prevalência no homem permanece elevada (50 a 70%) em toda a sua vida, sem qualquer declínio substancial com a idade.
Comparativamente, a mulher parece ter maior probabilidade de adquirir genótipos de HPV associados a alto risco oncogênico. Já o homem, a probabilidade de adquirir tanto genótipos de baixo como de alto risco é semelhante.
Diagnóstico
Os métodos diagnósticos das lesões induzidas pelo HPV se baseiam na identificação de alterações celulares. As características associadas à replicação viral incluem a:
- Citologia oncológica
- Exame clínico
- Exame de imagem de alta resolução do trato anogenital (colposcopia) e histologia.
Já a identificação do DNA do HPV, seu tipo e carga viral é realizada por métodos de biologia molecular.
Tratamento do HPV
Não existe cura para o HPV. Desse modo, o primeiro objetivo do tratamento da infecção clínica é a remoção dos condilomas visíveis. Sabe-se que a regressão espontânea dos condilomas pode ocorrer em até 20% dos casos. Contudo, o atraso no tratamento pode levar à disseminação local, tornando as lesões mais extensas e potencialmente mais graves.
Hoje, há uma variedade de métodos citodestrutivos eficazes para remover as verrugas, incluindo:
- Excisão
- Vaporização a laser
- Eletrocauterização
- Crioterapia
- Podofilina
- Ácido tricloroacético
- 5-fluouracila
- Podofilotoxina.
Apesar de existirem várias opções terapêuticas para o tratamento das verrugas genitais, quase todos os tipos de tratamento possuem taxas de resposta em torno de 50 a 75%, com as taxas de recorrências em torno de 30%.
Sabe-se que aproximadamente 80% dos pacientes obtêm cura dentro do primeiro ano de tratamento. Os 20% restante necessitará de terapias múltiplas a longo prazo.
As opções de tratamento devem ser discutidas com o paciente levando em conta a relação custo-benefício que abrange:
- Eficácia
- Conveniência
- Volume
- Distribuição da lesão e possíveis efeitos adversos
A escolha de método ambulatorial ou autoaplicável deve ter concordância do paciente.
Além disso, o médico deve alertar os pacientes da possibilidade de:
- Cicatrizes hipo ou hipercrômicas
- Áreas deprimidas ou hipertróficas
- Síndromes dolorosas incapacitantes
- Hiperestesia do local tratado quando são utilizados métodos destrutivos
Referências:
- Rotinas de diagnóstico e tratamento das doenças infecciosas e parasitárias. Editores Walter Tavares, Luiz Alberto Carneiro Marinho. – 4. ed. — São Paulo : Editora Atheneu, 2015. Bibliografia. Vários autores. ISBN 978-85-388-0641-7
- Veronesi : tratado de infectologia / editor científico Roberto Focaccia. — 5. ed. rev. e atual. — São Paulo : Editora Atheneu, 2015. Obra em 2 vol. Vários autores. Bibliografia. ISBN 978-85-388-0648-6
- Salomão, Reinaldo. Infectologia: Bases clínicas e tratamento / Reinaldo Salomão – 1. ed. – Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. : il. ISBN: 978-85-277-3261-1