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Resumo sobre Osteoartrite: epidemiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento

Resumo sobre Osteoartrite: epidemiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento

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A osteoartrite é a doença reumática mais comum, também denominada popularmente como artrose ou osteoartrose. Fato que, apesar de erroneamente acreditarmos ser um processo natural do envelhecimento, trata-se de uma patologia bem estabelecida, que tem como ponto principal a insuficiência da cartilagem, acarretando em alterações biomecânicas
no membro acometido. O impacto da osteoartrite no que se refere à saúde pública é muito significativo, sendo uma das causas mais comuns de ausência no trabalho, auxílio-doença e aposentadoria.

Epidemiologia

A prevalência da osteoartrite tem aumentado nos últimos anos em decorrência do aumento da expectativa de vida da população; atualmente, acomete 3,5% da população total. É mais comum em mulheres após os 60 anos.

Um dado importante: acima dos 85 anos, a prevalência de osteoartrite radiográfica é de 100%. Assim, o diagnóstico de osteoartrite não deve ser realizado em indivíduos assintomáticos, que possuem apenas doença radiográfica. Deve-se ter, obrigatoriamente, sintomas compatíveis.

Os fatores de risco são: idade (mais importante), sexo, predisposição genética, obesidade (fator modificável mais importante), sobrecarga mecânica, trauma, doenças ósseas e articulares congênitas, afecção
articular inflamatória precedente (ex: artrite reumatoide), patologias endocrinometabólicas.

Fisiopatologia da OA

A cartilagem hialina, responsável pelo revestimento do osso subcondral das articulações diartrodiais, é composta por: condrócitos (principais células),
colágeno tipo II, água e proteoglicanos.

O início do processo osteoartrítico decorre de etiologia multifatorial (genética, sobrecarga, trauma etc). O fator determinante da osteoartrite é a quebra da homeostase entre degradação e reparação da cartilagem (mecanismo fisiológico), levando a sua insuficiência. A degradação da cartilagem ocorre pelo aumento de citocinas inflamatórias como IL-1
e TNF-α e liberação das metaloproteases, enzimas responsáveis pela quebra de proteoglicanos e colágeno pelos condrócitos. É pela presença do componente inflamatório na fisiopatologia da osteoartrite e pela presença de sinovite que a mesma recebe tal denominação, e o termo artrose ou osteoartrose tornou-se inadequado.

Com a evolução da doença, ocorre afilamento da cartilagem hialina, com consequente sobrecarga do osso subcondral, que em resposta torna-se mais
denso (esclerose subcondral) e aumenta sua superfície (osteófitos) para dissipar carga.

Classificação da osteoartrite

A osteoartrite (OA) pode ser classificada em: idiopática ou secundária e localizada ou generalizada.

A forma idiopática não possui um fator causal diretamente relacionado, sua prevalência aumenta com a idade e pode ser dividida em OA nodal, OA nodal erosiva, OA generalizada e condromalácia de patela. Os sítios mais comuns são: mãos (interfalangeanas distais e proximais, primeira carpometacarpiana), joelhos, quadril, coluna cervical e lombar, pés (hálux
valgo). Já a forma secundária acomete pessoas mais jovens e é decorrente de algum fator diretamente associado, tais como trauma, artrite reumatoide, doenças de depósito, hipermobilidade etc. A dica para suspeição de OA secundária, além da idade, é o acometimento de sítios não habituais, como metacarpofalangeanas, punhos e cotovelos.

Manifestações clínicas da Osteoartrite

Importante ressaltar novamente a discrepância clínico-radiológica presente na OA. Indivíduos com OA radiográfica não necessariamente apresentarão sintomas, e o contrário também ocorre. É por esse motivo que o diagnóstico de OA deve ser feito na presença de ambas manifestações: clínica e radiológica. Também encontramos pacientes pouco sintomáticos e com alteração radiológica importante, ou com muita clínica e estágios iniciais de OA radiográfica.

A dor articular de caráter mecânico é o sintoma mais comum da OA e, certamente, não decorre do dano da cartilagem, visto que é aneural, e sim do componente inflamatório associado (sinovite) e nociceptores presentes em estruturas pericartilagem como ligamentos, enteses e osso subcondral. Na presença de rigidez matinal, esta é fugaz e dura alguns minutos (< 30 minutos), diferente da artralgia inflamatória, e sintomas constitucionais sugestivos de doença sistêmica estão ausentes.

Durante a evolução da doença, é comum os pacientes apresentarem “crises” inflamatórias, com aumento do volume da articulação, agudização da dor, hiperemia (artrite), e estas são decorrentes do componente inflamatório da OA ou podem estar associadas ao depósito de pirofosfato de cálcio (pseudogota). Com a progressão da doença ocorre deterioração da função articular e até anquilose, estes pacientes são referenciados ao ortopedista para avaliação de prótese articular.

Mãos

Nas mãos, a OA se manifesta através de nódulos de consistência óssea em interfalangeanas, que clinicamente são a tradução radiográfica da presença de osteófitos. Os nódulos recebem o nome de Heberden (distal) e Bouchard (proximal), e podem ser dolorosos e flogísticos ou assintomáticos. Para esse tipo clínico nomeamos OA nodal, a qual possui relação com hereditariedade.

Quando a OA nodal possui componente inflamatório significativo, com erosão associada (“sinal da gaivota” na radiografia em interfalangeanas), recebe o nome de OA nodal erosiva.

Outra articulação acometida é a primeira carpometacarpiana/trapézio-metacarpiana, a qual recebe o nome de rizartrose, comum em mulheres e associado a atividades manuais repetitivas como tricô e crochê.
A região hipotenar ganha um aspecto “quadrado”.

Joelhos

Nos joelhos, a OA, ou gonartrose, é responsável por alterações significativas de biomecânica, associada à distorção do alinhamento (genovalgo e genovaro) e redução de compartimentos de maneira assimétrica
(femorotibial lateral, femorotibial medial ou patelofemoral). Clinicamente, pode se manifestar com dor mecânica, estalidos, instabilidade e diminuição da aplitude articular. A obesidade é um fator importante associado à gonartrose.

Ao exame físico, podemos encontrar crepitação à flexão-extensão, dor na palpação de interlinha articular (lesão degenerativa meniscal), dor e crepitação na mobilização patelar, “sinal da tecla” positivo (casos
de derrame articular), cisto de BAKER, atrofia de quadríceps e, em casos mais avançados, perda de amplitude e funcionalidade do joelho.

A classificação de Kellgren Lawrence é utilizada para graduar radiograficamente a evolução da OA de joelhos.

classificação de Kellgren Lawrence para osteoartrite de joelhos

A condromalácia de patela é comum em mulheres jovens e a queixa é de dor ao subir e descer escadas ou quando muito tempo com joelho em flexão. Não se trata de uma entidade específica e pode ser decorrente de diversas causas.

Progressão da Osteoartrite de joelhos

Quadril

A coxartrose manifesta-se com dor e limitação quando da rotação interna do quadril. Pode ser de etiologia idiopática ou decorrente de alterações
morfológicas congênitas ou adquiridas, como a síndrome do impacto femoroacetabular.

Ombros

Subdiagnosticada, acometendo, geralmente, a articulação acromioclavicular, manifestando-se com dor, crepitação local e restrição da amplitude de movimento.

Pés

Hálux valgo (“joanete”) é a manifestação mais comum osteoartrítica nos pés, por acometimento da primeira metatarsofalangeana.

Coluna

Sítio comum de manifestação da OA, pode acometer o disco vertebral, corpo vertebral ou interapófisárias. A dor não é decorrente diretamente da alteração osteoartrítica, e sim das alterações associadas, como espasmo muscular, distensão ligamentar e capsular. Geralmente é crônica, vinculada ao esforço e vícios posturais, e não costuma ser intensa, a não ser que haja compressão radicular por complexos disco-osteofitários. Pode se associar à estenose de canal lombar, cuja marca principal é a claudicação neurogênica.

Na coluna cervical é comum o acometimento de C5-C6, C6-C7 por serem os segmentos mais móveis, assim como L4 e S1 na coluna lombar.

Radiografia da coluna lombar com escoliose, esclerose subcondral e osteófitos proeminentes

Exames complementares

Laboratoriais

Não se encontra alterações laboratoriais decorrentes de osteoartrite, uma vez ser uma doença sem manifestação sistêmica.

Imagem

A radiografia da articulação afetada é o exame a ser solicitado nos casos de osteoartrite e podemos encontrar as seguintes alterações:

  • Esclerose subcondral
  • Redução assimétrica do espaço articular
  • Osteófitos
  • Cistos ósseos

Tratamento da Osteoartrite

Medidas não farmacológicas

Na OA, por ser uma doença em que existem poucos estudos metodologicamente bons sobre arsenal farmacológico, muito se explora as medidas não farmacológicas.

  • Educação do paciente.
  • Perda de peso: principalmente na OA de joelhos. Trata-se do fator de risco modificável mais importante.
  • Fortalecimento muscular.
  • Evitar exercícios que agravem a dor.
  • Órteses: a rizartrose é a que mais possui benefício no uso de órtese.
  • Bengalas e palmilhas: melhora do equilíbrio e mobilidade.

Medidas farmacológicas

Infelizmente, até o momento não existe medicamento que tenha mostrado eficácia no dano estrutural da OA. A terapêutica farmacológica na OA é dividida em:

Fármacos de ação rápida: são sintomáticos. Analgésicos simples (paracetamol, primeira droga a ser prescrita), AINEs (por curto tempo de duração, em casos de “crise” inflamatória, via oral ou tópica),
colchicina (usada nos casos de pseudogota associado), corticoide intra-articular (caso de “crise” inflamatória), capsaicina tópica e opioides (codeína ou tramadol).

Fármacos de ação lenta: dividido em sintomáticos e modificadores de doença. Ação se inicia de 1 a 2 meses após o uso regular.

Sintomáticos: sulfato de condroitina e glucosamina, diacereína, ácido hialurônico intra-articular, extrato insaponificável de soja e abacate, UC II.

Modificadores de doença (condroprotetores): sulfatode condroitina e glucosamina, diacereína.

Capsaicina

Apresentação de creme 0,025 a 0,075% usado via tópica. Derivado da pimenta, atua inibindo a substância P, que tem papel no estímulo doloroso. Não é muito utilizado pelo seu efeito adverso de ardência
local.

Sulfato de condroitina e glucosamina

Analgesia lenta e condroprotetor, usado na dose de 1,5 g de glucosamina e 1,2 g de condroitina 1 vez ao dia. A condroitina e glucosamina são responsáveis por integrar a matriz extracelular da cartilagem de proteoglicanos. Mostrou menor diminuição de espaço articular comparado com placebo. Efeito colateral: flatulência.

Diacereína

A diacereína diminui a quantidade de receptores de IL-1 no condrócito, aumenta produção de colágeno e proteoglicanos. Usada na dose de 50 a 100 mg ao dia, seu principal efeito colateral é diarreia. Tem ação analgésica e condroprotetora.

Ácido hialurônico

Também denominada viscossuplementação intra-articular. Mostrou melhora de dor na OA de joelhos. Usado 1 vez a cada 6 meses.

Extrato insaponificável de soja e abacate

Inibe a IL-1 e estimula a produção de colágeno. Usado na dose de 300 mg, 1 vez ao dia, para melhora sintomática da OA.

UC II

Colágeno tipo II não hidrolisado, derivado do esterno do frango, usado na posologia de 40 mg, 1 x ao dia. O UC II mostrou melhora dos sintomas na OA
de joelhos. O mecanismo é a ativação do sistema imune e células T regulatórias, produzindo citocinas anti-inflamatórias.

Cirurgia

O tratamento cirúrgico, artroplastia, está indicado nos pacientes que apresentam dano funcional articular importante e/ou dor intratável.

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Referências:

https://www.rheumatology.org/Learning-Center/Rheumatology-Image-Library