Ortopedia

Resumo de osteomielite: epidemiologia, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento

Resumo de osteomielite: epidemiologia, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento

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A osteomielite é um processo infeccioso do tecido ósseo, causado principalmente por bactérias, que compromete a porção cortical e esponjosa do osso, bem como o canal medular. A osteomielite pode ser classificada com base no mecanismo de infecção, em hematogênica ou não hematogênica, e na duração da doença, aguda ou crônica. 

A osteomielite aguda geralmente se apresenta com uma duração dos sintomas de alguns dias ou semanas. O sequestro ósseo, pedaços de osso necrótico que se separam do osso viável, estão ausentes. A osteomielite crônica é caracterizada por infecção de longa data ao longo de meses ou anos. O sequestro ósseo geralmente está presente. 

A osteomielite não hematogênica pode ocorrer como resultado da disseminação contígua da infecção para o osso de tecidos moles adjacentes e articulações ou via inoculação direta da infecção no osso (como resultado de trauma ou cirurgia). A osteomielite hematogênica é causada por microrganismos que semeiam o osso no contexto da bacteremia.

Epidemiologia da osteomielite  

A  osteomielite hematogênica ocorre mais comumente em crianças. 1 em cada 5000 crianças menores que 13 anos apresenta um quadro de osteomielite na vida, sendo este quadro mais comum em meninos. Essa complicação afeta com maior frequência os ossos longos, especialmente nos membros inferiores, sendo o fêmur mais afetado, seguido pela tíbia e úmero. Os fatores de risco para osteomielite hematogênica incluem endocardite, presença de dispositivos intravasculares permanentes. 

A osteomielite vertebral é a forma mais comum de osteomielite hematogênica em adultos. Em relação ao mecanismo, a osteomielite não hematogênica ocorre mais comumente no contexto de trauma e cirurgia relacionada, por isso é mais comum entre os adultos jovens. Os fatores de risco para osteomielite não hematogênica incluem feridas de tecidos moles de difícil cicatrização (incluindo úlceras de decúbito), presença de hardware ortopédico, diabetes, doença vascular periférica e neuropatia periférica. 

Fisiopatologia  

A bactéria que mais frequentemente provoca osteomielite é a S. aureus, seguida pelos estreptococos do grupo A, e nos pacientes com anemia falciforme a osteomielite é provocada principalmente por Salmonella. Nos pacientes imunodeprimidos, grande queimado e nos casos de trauma do osso calcâneo, o principal agente infeccioso é a Pseudomonas.

As alterações morfológicas na osteomielite dependem do estágio (agudo, subagudo ou crônico) e localização da infecção. Ao atingir o osso, a bactéria se prolifera e induz uma inflamação aguda. A proliferação bacteriana promove um acúmulo de exsudatos e produtos bacterianos, contribuindo na formação do abscesso dentro do osso, e nesse estágio não é possível identificar nenhuma lesão através de exames de imagem.

Na primeira imagem, cabeça femoral com área de necrose óssea amarelada em formado de cunha. Na segunda imagem, ressecção de fêmur num paciente com osteomielite em fase de drenagem.
Fonte: KUMAR, Vinay, et al. Robbins & Cotran: Bases patológicas das doenças. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010

O quadro evolui com a necrose óssea maciça sem reabsorção óssea nas primeiras 48 horas do processo infeccioso. Com isso, o exsudato é drenado até a medula ou para dentro do córtex ósseo através dos sistemas haversianos, atingindo o periósteo.

Sem drenagem cirúrgica do pus, ocorre o deslocamento do periósteo, que dificulta a chegada de suprimento sanguíneo, e assim são instaladas lesões supurativas e isquêmicas, gerando necrose óssea segmentar – a parte do osso morte é chamada de sequestro.

O deslocamento do periósteo induz uma reação de neoformação óssea, que radiologicamente corresponde à periostite. A ruptura do periósteo, devido à pressão gerada pelos líquidos inflamatórios ali presentes provoca um abscesso e eventual formação de um seio de drenagem. 

Abscesso ósseo visto a partir de radiografia.

Algumas vezes, o osso sequestrado se fragmenta e forma corpos estranhos livres, que passam através do trato do seio. Assim, em casos mais graves, a osteomielite pode provocar uma fístula na pele, que é a cronificação dessa condição.

O momento exato da transição da fase aguda para a fase crônica da osteomielite é determinado pela formação de osso necrosado por isquemia, o que na prática é difícil de se identificar, sendo considerado por alguns autores 48 horas após a infecção inicial. 

Quadro clínico de osteomielite  

A dor, provocada pela hiperemia tecidual e aumento da pressão intraóssea, geralmente é a primeira queixa do paciente com osteomielite, que apresenta instalação aguda e aumento progressivo da intensidade com o passar das horas. A característica dessa dor é a resistência a analgésicos comuns, e com a evolução o paciente se torna irritadiço, perde o apetite e diminui as atividades habituais.

O edema surge nos primeiros dias e se torna mais volumoso com o tempo. É importante se diferenciar o edema de articulações superficiais de derrame articular. O edema e a inflamação de partes moles também provocam impotência funcional, que surge na logo na fase inicial e piora com a evolução. Quando há o envolvimento do  membro inferior, a claudicação é o sinal mais frequente. 

O paciente com osteomielite apresenta frequentemente antecedente de infecção, febre de intensidade variável, sem correlação entre clínica e gravidade. Normalmente é acometido apenas 1 osso, e pode ocorrer em ossos chatos, especialmente os ossos cranianos e as vértebras. 

A osteomielite hematogênica pode se manifestar como uma doença aguda sistêmica, com mal estar, febre, calafrios, leucocitose e dor intensa sobre a região afetada. O paciente, no entanto, pode apenas apresentar febre inexplicada, principalmente lactentes ou uma dor localizada na ausência de febre em adultos.

Diagnóstico de osteomielite    

Em geral, o diagnóstico de osteomielite é feito por meio de cultura obtida por biópsia do osso acometido. A osteomielite não hematogênica deve ser suspeitada em caso de dor musculoesquelética nova ou piora, particularmente em pacientes com tecidos moles de difícil cicatrização ou feridas cirúrgicas adjacentes a estruturas ósseas, em pacientes com sinais de celulite sobreposta a hardware ortopédico previamente implantado e em pacientes com lesão traumática. 

Deve-se suspeitar de osteomielite hematogênica em caso de dor musculoesquelética nova ou piora, particularmente em caso de febre e / ou bacteremia recente. Lembrar que a osteomielite vertebral é a forma mais comum de osteomielite hematogênica em adultos. 

Os pacientes com suspeita de osteomielite devem ser submetidos a avaliação laboratorial (incluindo velocidade de hemossedimentação, proteína C reativa, contagem de leucócitos), hemoculturas e imagens radiográficas. Em pacientes com ≥2 semanas de sintomas, a radiografia convencional é uma modalidade de imagem inicial razoável. Em pacientes com <2 semanas de sintomas, uma modalidade de imagem avançada (imagem por ressonância magnética, tomografia computadorizada ou imagem nuclear) deve ser buscada. 

Tratamento de osteomielite

O tratamento da osteomielite consiste inicialmente com punção local, para qual o paciente precisa estar sedado e anestesiado, em centro cirúrgico. Caso seja aspirado pus, deve-se realizar drenagem cirúrgica de partes moles. Se houver pus subperiosteal, é preciso fazer perfurações ósseas com broca adequada ou aberta uma pequena janela com formão fino, e com isso o local é lavado e o material bacteriano e tecido necrosado é expulso.

A antibioticoterapia deve ser instituída logo após cultura de material e antibiograma, mas se deve iniciar  o tratamento antes do resultado. O tratamento empírico da osteomielite não hematogênica deve consistir em terapia antimicrobiana com atividade contra Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) e organismos gram-negativos. O uso de oxacilina associada à cefalosporina de 3°geração com atividade antipseudomonas, como ceftazidima, quando for devido a lesão traumática.Vancomici na e teicoplanina devem ser reservadas para casos de infecção adquirido no ambiente hospitalar ou nos casos resistentes aos antibióticos usuais.

O tratamento da osteomielite hematogênica consiste em antibioticoterapia parenteral. A cobertura antibiótica empírica para o tratamento da osteomielite hematogênica deve incluir atividade contra MRSA e bacilos Gram-negativos aeróbios. Em recém-nascidos, pode-se associar oxacilina a um aminoglicosídeo. Em crianças após períodos neonatal até a idade adulta, recomenda-se a associação de oxacilina à cefalosporina de terceira geração. Normalmente, o tempo de tratamento é de 4 a 6 semanas, sendo que se o paciente se mantiver estável nos 10 primeiros dias, a medicação pode ser passada para via oral a nível ambulatorial.

Antibióticos utilizados na osteomielite.
Fonte: SanarFlix.

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Referências:

  1. ADAMS, John Crawnford; HAMBLEN, David L. Manual de Ortopedia. 11.ed. Porto Alegre:Artes Médicas, 1994, 465 p.
  2. DANDY, David J.; EDWARDS, Dennis J. Fundamentos em ortopedia e traumatologia: umaabordagem prática. 5.ed. Rio de Janeiro, RJ: Elsevier, c2011. 494 p.
  3. HEBERT, Sizínio K., et. al. Ortopedia e Traumatologia: princípios e prática. 5a ed. Porto Alegre. Artmed, 2017.
  4. KUMAR, Vinay, et al. Robbins & Cotran: Bases patológicas das doenças. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
  5. LALANI, Tahaniyat. SCHMITT, Steven K. Nonvertebral osteomyelitis in adults: Clinical manifestations and diagnosis. UpToDate, Inc., 2021.  Acesso em: 20  abril. 2021.
  6. MOORE, L. Keith, et al. Anatomia orientada para Clínica. 7aed. Editora GuanabaraKoogan. Rio de Janeiro, 2014.
  7. ROCKWOOD, Charles A; GREEN, David P; BUCHOLZ, Robert W. Fraturas em adultos. São Paulo: Manole, 1994.