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Resumo sobre gota: fisiopatologia, diagnóstico e tratamento – Sanarflix

Resumo sobre gota: fisiopatologia, diagnóstico e tratamento – Sanarflix

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Introdução

A gota é uma artrite inflamatória de origem metabólica que é causada por cristalização dos cristais de urato monossódico mono-hidratado (UMS) nas articulações. Também considerado na definição de gota está o espectro das condições clínicas resultantes da deposição dos cristais de UMS nos tecidos subcutâneos e rins, manifestando-se como depósitos de tofos, celulite inflamatória, nefropatia do urato e cálculos renais.

Epidemiologia

É a doença articular inflamatória mais comum nos homens e em mulheres idosas. Sua incidência e prevalência estão aumentando a nível mundial. A gota afeta na sua maioria homens (2-7:1), ocorrendo com maior frequência a partir dos 40 anos. Importante salientar que embora a hiperuricemia seja um pré-requisito necessário para o desenvolvimento de gota, apenas 20% de todos os indivíduos hiperuricêmicos desenvolverão gota.

Fisiopatologia da gota

O desequilíbrio metabólico responsável pela gota é a supersaturação do sangue e dos fluidos orgânicos com o íon urato até o ponto em que a formação de cristais é viável. Em um pH fisiológico e temperatura corporal normal, o urato é considerado supersaturado em concentrações de 6,8 mg/dL ou mais. Assim, de uma perspectiva biológica, a hiperuricemia é caracterizada por nível sérico de urato superior a 6,8 mg/dL nos homens e nas mulheres.

Ao contrário da maioria dos mamíferos, o urato é o produto final da degradação oxidativa do metabolismo da purina em humanos e espécies primatas superiores, porque o gene que codifica a enzima uricase (oxidase do urato) tem sido silenciado por mutações.

Metabolismo das purinas

As purinas são compostos que possuem um núcleo de purina de nove membros constituído de anéis de pirimidina e imidazol fundidos. As purinas preenchem as funções essenciais em todas as células vivas, sendo a maior parte dessas funções realizada por derivados de nucleotídeo e nucleosídeo das bases de purina adenina, hipoxantina e guanina.

A degradação dos nucleotídeos e nucleosídeos de purina a bases de purina culmina nos precursores-chave de urato: hipoxantina e guanina. Eles são principalmente reusados nas reações de salvamento com PRPP, catalisados pela enzima hipoxantina-guanina fosforibosiltransferase (HPRT). O restante da guanina é deaminado a xantina. A hipoxantina não salva é oxidada a xantina, que se submete a oxidação adicional a urato. A enzima xantina oxidoredutase (XOR) catalisa a conversão tanto da hipoxantina em xantina quanto da xantina em urato.

Fisiologia do Urato

O urato existe nos sistemas biológicos em duas formas com solubilidade limitada:

Variantes do urato no organismo.
Figura 1. Variantes do Urato no organismo.

Em pH fisiológico (7,4), o urato predomina em cerca de 50:1 sobre o ácido úrico não ionizado. A solubilidade do íon de urato é funcionalmente reduzida na alta concentração de sódio dos líquidos extracelulares, de modo que o urato monossódico e o ácido úrico têm solubilidade relativamente baixa nos líquidos biológicos.

A carga de urato em geral deriva da síntese endógena, que ocorre principalmente no fígado, com contribuição menor do intestino delgado. O urato liberado das células circula relativamente livre (4%) do ligante de proteína sérica, de modo que todo ou quase todo o urato circulante é filtrado no glomérulo.

Fatores que influenciam no equilíbrio do Urato.
Figura 2. Fatores que influenciam no equilíbrio do urato.

Hiperuricemia

A hiperuricemia ocorre quando a produção de urato não é balanceada pela excreção renal. Em 90% de todos os pacientes com gota, a causa desse desequilíbrio é a subexcreção renal. Os 10% restantes dos casos de gota são causados por superprodução de purina ou uma combinação da superprodução e subexcreção. As causas não genéticas de hiperuricemia incluem outras condições médicas, componentes da dieta e medicações.

Esses fatores podem resultar na superprodução ou na diminuição do clearance renal do ácido úrico. De forma semelhante, as causas genéticas da hiperuricemia podem afetar tanto a produção como a eliminação de ácido úrico.

Figura 3. Processo de formação do processo de hiperuricemia culminando em Gota.
Fonte: Supermaterial do Sanarflix.

Quadro clínico de gota

A gota é com frequência manifestada por articulação ou pé agudamente doloroso e intumescido. Isso, entretanto, é apenas um estágio único na progressão da doença de deposição de urato nos tecidos moles e articulações. A gota típica evolui de um período inicial geralmente prolongado de acúmulo assintomático de cristais de urato monossódico nas articulações e em torno delas para uma fase de episódios agudamente dolorosos, mas autolimitados de monoartrite ou oligoartrite e daí para uma fase final de poliartrite cronicamente dolorosa, deformante e debilitante associada à presença visível de depósitos de cristal de urato monossódico de tecido mole, conhecidos como tofos.

A duração de cada estágio da gota varia de uma pessoa para outra dependendo de vários fatores endógenos e exógenos. Desses fatores, o mais importante é o grau de hiperuricemia.

Estágios clínicos da gota.
Figura 3. Estágios clínicos da gota. Fonte: Supermaterial do Sanarflix.

Diagnóstico dae gota

O padrão-ouro no diagnóstico de gota é a observação de cristais de urato monossódico na microscopia ótica de luz polarizada compensada, em que esses cristais apresentam birrefringência negativa. A amostra deve ser, de preferência, coletada de articulações afetadas recentemente, bem como de articulações anteriormente afetadas. Entretanto, frente a uma apresentação clínica típica, o diagnóstico clínico é razoavelmente preciso e aceitável na ausência de microscopia disponível ou de reumatologistas. Esse diagnóstico, porém, não é definitivo.

Após a comprovação da presença de cristais de UM no ambiente articular, é preciso quantificar essa deposição, bem como sua extensão e o dano estrutural induzido. Além da anamnese e do exame físico, recursos de imagem, como radiografias, ultrassonografia e tomografia computadorizada de dupla emissão, podem ser úteis para avaliar a fase crônica da doença e os danos acarretados.

Diagnósticos diferenciais devem ser considerados, em especial na gota de apresentação oligoarticular e poliarticular, que podem mimetizar diversas doenças, tais como artrite reumatoide e espondiloartropatias. Na forma monoarticular, a artrite séptica sempre deve ser descartada.

Tratamento de gota

O tratamento da gota basicamente divide-se em duas etapas: manejo da crise aguda e terapia de longo prazo. Na primeira é preponderante aliviar a dor, diminuir a inflamação e a incapacitação articular e para isso são usados agentes anti-inflamatórios; na segunda etapa o objetivo é diminuir as concentrações de ácido úrico circulante (AUC), bem como prevenir novas crises.

Manejo da crise aguda

O tratamento da crise de gota ou gota aguda deve ser iniciado o mais precocemente possível. Para crises de baixa ou moderada intensidade (índice de dor menor ou igual a 6 em uma escala de 0 a 10) que envolvem entre uma e três articulações pequenas ou entre uma e duas grandes articulações (definidas como tornozelo, joelho, punho, cotovelo, quadril e ombro), a monoterapia é recomendada. Essa pode ser iniciada tanto com anti-inflamatórios não esteroides quanto com colchicina ou corticosteroides.

A terapia combinada está recomendada quando a dor é intensa (dor >6 em 10), especialmente quando o envolvimento é poliarticular (≥ 4 pequenas articulações) ou com envolvimento de mais uma ou duas grandes articulações. As seguintes opções de tratamento combinado são recomendadas: colchicina e AINE, corticosteroides orais e colchicina ou corticoides intra-articulares e qualquer uma das outras classes. O uso de corticoides sistêmicos e AINE não é recomendado pelo sinergismo da toxicidade gastrointestinal.

Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs)

Os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) constituem a terapia mais usada no tratamento precoce da artrite gotosa aguda e, devido à intensidade das crises, podem ser administrados em suas dosagens máximas. Os AINEs têm sua função anti-inflamatória por meio da inibição das enzimas cicloxigenases (COX), que catalisam a transformação de ácido aracdônico derivado de fosfolipídios de membrana em prostaglandinas.

Entre os AINEs comumente prescritos na gota, é tradicional o emprego de indometacina. Entretanto, há evidências de que qualquer AINE tem efeito semelhante na redução da atividade inflamatória aguda na gota. Como os pacientes com gota geralmente têm comorbidades e as doses de anti-inflamatórios prescritas são altas, inibidores de bomba de prótons podem ser usados a fim de prevenir danos gastrointestinais, como ulceração, sangramentos e perfuração.

Colchicina

A colchicina, um alcaloide derivado de extratos do açafrão-do-prado, também é recomendada no tratamento de primeira linha. Essa substância
tem diversos efeitos já relatados, a inibição da divisão celular é o mais conhecido. No contexto da gota, essa função interfere diretamente na atividade dos neutrófilos, além de inibir a formação do inflamassomo NLRP3 induzida por cristais de ácido úrico.

Quanto à dosagem, há diferenças entre as recomendações da Liga Europeia Contra o Reumatismo (European League Against Rheumatism – Eular) e o Colégio Americano de Reumatologia (American College of Rheumatology – ACR). A primeira recomenda uma dose máxima de 0,5mg três vezes ao dia e a segunda propõe administrar uma dose de 1,2 g, seguida de outra administração de 0,6mg uma hora depois, repetida em 12 horas.

As diretrizes da ACR complementam que o tratamento com colchicina obtém melhores resultados se iniciado em até 24 horas do início dos sintomas, não deve exceder 36 horas e permanece até que a crise seja suprimida. A administração endovenosa de colchicina é extremamente tóxica e não recomendada.

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