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Resumo de cetoacidose diabética: fisiopatologia, quadro clínico, diagnóstico e tratamento | Ligas

Resumo de cetoacidose diabética: fisiopatologia, quadro clínico, diagnóstico e tratamento | Ligas

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As emergências hiperglicêmicas constituem-se como uma importante causa de procura de atendimentos em setores de emergência. Não obstante, a cetoacidose diabética (CAD) possui relevante importância nesse ínterim, sendo definida a partir de 03 fatores avaliados laboratorialmente, sendo eles:

Glicemia >250 mg/dL

pH arterial <7,3

Cetonemia positiva (se ausente, cetonúria fortemente positiva)

Ocorre no contexto clínico de vigência de uma deficiência profunda de insulina, logo tende a ser mais presente principalmente em pacientes com DM tipo 1 (DM1) sendo geralmente precipitada por condições infecciosas ou na ausência ou má adesão do tratamento com insulina. Pode ser a primeira apresentação do DM, tanto do tipo 1 quanto do tipo 2, podendo estar presente no momento de diagnóstico de uma parcela não desprezível de pacientes.

Os dados acerca da incidência anual estimam a ocorrência de CAD em 1 a 5% da população. Havendo uma discreta predileção para o sexo feminino, sobretudo entre os adolescentes, sendo que no Brasil esses dados são escassos.

Fisiopatologia da cetoacidose diabética

Caracteriza-se por uma deficiência de insulina profunda, a qual pode ser absoluta e relativa. Associadamente há o aumento de hormônios contrarreguladores como glucagon, cortisol e catecolaminas. Nesse contexto, há um desarranjo metabólico no qual os tecidos sensíveis à insulina passam a metabolizar gorduras em vez de carboidratos, e uma vez que a insulina é um hormônio anabólico, processos catabólicos como a proteólise, glicogenólise e a lipólise são estimulados. Assim, há aumento da  produção de ácidos graxos livres, a partir da metabolização lipídica decorrente da insulinopenia e consequente aumento de glucagon, que adicionalmente, inibe a enzima malonil coenzima A, responsável por inibir a atividade da carnitina palmitil-transferase que transporta ácidos graxos para as mitocôndrias hepáticas. Esse processo resulta na produção de ácido aceto-acético, ácido beta-hidróxibutírico e acetona, consumindo a reserva alcalina e levando ao quadro de cetoacidose.

Quadro clínico

Geralmente, os pacientes acometidos são mais jovens, sobretudo na faixa etária dos 20-29 anos, podendo a apresentação ser por vezes abrupta. Ainda assim, pródromos em dias anteriores podem ser observados, tais como: poliúria, polidipsia, polifagia e mal-estar.

Na maior parte dos pacientes haverá desidratação associada, que pode ou não estar atrelada à hipotensão e taquicardia.

Além disso, destaca-se taquipneia, com ritmo respiratório de Kussmaul (pH entre 7,0-7,2) e hálito cetônico, bem característico para diagnóstico.

Alteração do nível de consciência e febre são sintomas menos comuns, assim como dor abdominal, náuseas e vômitos, os quais podem melhorar a partir da instituição da terapia de hidratação.

Também destacam-se que sintomas relacionados ao fator precipitante podem estar eventualmente presentes, como sintomas de infecção de trato urinário (ITU) e de Infarto Agudo do Miocárdio (IAM).

Diagnóstico da cetoacidose diabética

Conforme anteriormente mencionado, o diagnóstico de CAD  baseia-se em achados laboratoriais, sendo a gasometria arterial, a glicemia e a cetonemia e/ou cetonúria essenciais para esta finalidade.

O hemograma também possui significância, porém deve ter seus achados relativizados uma vez que podem estar alterados por conta da desidratação e desarranjo metabólico.

O hematócrito e a hemoglobina podem estar aumentados, assim como pode ser verificada leucocitose, que quando acima de 25.000 cels./mm³ é sugestivo de infecção enquanto fator precipitante do quadro.

A uréia e a creatinina podem estar elevadas. Salienta-se que o potássio sérico pode estar aumentado em decorrência da acidose, porém, há uma diminuição do potássio corporal associada ao quadro, podendo inclusive ser necessária a reposição deste eletrólito.

Outros eletrólitos como o fosfato também podem sofrer espoliação e estarem diminuídos. Adicionalmente exames como Urina Tipo I e Radiografia do tórax e Eletrocardiograma podem auxiliar na investigação do possível fator precipitante.

Na avaliação da cetonúria/cetonemia deve-se preferencialmente dosar o beta-hidroxibutirato, uma vez que possuem maior sensibilidade ao utilizar-se as fitas reagentes, pois estas só avaliam a presença de ácido aceto-acético, e podem gerar resultados falso-negativos, sobretudo em situações de sepse, no qual 100% dos corpos cetônicos são beta-hidroxibutirato.

Tratamento da cetoacidose diabética

A abordagem terapêutica envolve diferentes fundamentos, que além da identificação e correção do eventual fator precipitante quando aplicável, envolverá:

Hidratação:

Inicia-se com 1000 a 1500 mL de solução de NaCl 0,9% na primeira hora, podendo ser repitida ainda na primeira hora se hipotensão persistente.

Em seguida, recomenda-se 250- 500 mL ( 4 mL/kg) por hora. Em pacientes com Na <135 mEq/L mantemos solução salina a 0,9%, modificando se a natremia for normal ou aumentada, utilizando-se solução salina a 0,45%.

Quando a glicemia chegar a 250-300 mg/dL a hidratação continua, devendo-se associar glicose a 5-10% com a solução salina, mantendo a velocidade de infusão.

Insulinoterapia:

Recomenda-se ser feita em concomitância à hidratação, exceto se hipotensão arterial e  hipocalemia (K < 3,3) situação em que deve-se repor o potássio antes.

Utiliza-se bomba de infusão contínua endovenosa, com dose inicial de 0,1 U/kg de insulina em bolus e depois inicia-se a infusão da bomba em 0,1 /kg/hora.

Deve-se mensurar a glicemia capilar de 1/1 hora e a queda esperada é de 50-70 mg/dL por hora, ajustando a infusão para mais ou menos a partir da queda observada. 

Os critérios para desligamento da infusão são os seguintes e o desligamento é indicado se dois estiverem presentes:

  • pH > 7,3.
  • Ânion gap <12.
  • Bicarbonato >15

Reposição de potássio:

Deve ser individualizada a partir das situações descritas a seguir:

K < 3,3 Repor 25 mEq de potássio em 1L de solução de NaCl 0,9% e repetir a dosagem de K.
K <3,3 e >5 Repor 25 mEq de potássio a cada litro de solução de hidratação e dosar K a cada 2 ou 4 horas.
K >5 Só devem iniciar a reposição de K quando os valores forem < 5 mEq/L.

Reposição de bicarbonato:

só é indicada em pacientes com pH < 6,9 cuja reposição é de 100 mEq EV de bicarbonato em 2 horas com coleta de gasometria após 1-2 horas.

Reposição de fosforo:

Seguem-se as seguintes indicações:

  • disfunção cardíaca grave e arritmias;
  • fraqueza muscular e insuficiência respiratória;
  • rabdomiólise e anemia significativa;
  • concentração sérica < 1,0 mEq/L.

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