O diabetes insípido (DI) é uma síndrome caracterizada pela incapacidade de concentração do filtrado urinário, com consequente desenvolvimento de urina hipotônica e aumento de volume urinário. Pode ocorrer por deficiência (problemas na síntese, secreção e excreção) do hormônio antidiurético (ADH) ou por resistência à sua ação nos túbulos renais.
Quando há deficiência na síntese do ADH, o DI é chamado central, neuro-hipofisário ou neurogênico; quando há resistência à sua ação nos túbulos renais, é dito renal ou nefrogênico. O diabetes insípido gestacional é um caso raro, e nela, durante a gravidez, ocorre uma excessiva degradação do ADH por uma vasopressinase produzida pela placenta.
Considerando o conhecimento pouco difundido sobre o diabetes insipidus,
é bastante relevante a importância de um estudo da doença, uma vez que a mesma
pode trazer muitas complicações ao indivíduo se não for devidamente tratada.
Seu diagnóstico correto é imprescindível para o tratamento, portanto se o
medicamento prescrito não for específico, a farmacoterapia não alcançará êxito,
além de poder agravar o quadro clínico do paciente.
Inexistem estudos epidemiológicos sobre diabetes insípido no Brasil,
mas, no mundo, é uma doença rara, com prevalência de 1:25.000 atingindo homens
e mulheres.
Fisiopatologia do diabetes insípido
Visão geral
A neurohipófise ou hipófise posterior integra um
sistema conhecido como hipotálamo-hipofisário que produz a vasopressina ou
hormônio antidiurético (ADH). O diabetes insípido é uma condição incomum na
qual a urina não é concentrada, e sim diluída ou semelhante à água. A
concentração urinária que ocorre em pessoas normais é devida à secreção desse
hormônio antidiurético (ADH) pela porção posterior da glândula hipofisária e pela
ação deste hormônio nos rins, onde ocorre à concentração urinária e o déficit do
ADH causa o diabetes insípido.
Como outros hormônios
hidrofílicos, o ADH é liberado na circulação periférica, sendo encontrado no
plasma não associado a proteínas carreadoras. Apresenta meia vida plasmática de
aproximadamente 5 minutos e a duração de seus efeitos biológicos nos rins é de
aproximadamente 30 segundos. Sua liberação é por osmorreceptores presentes na
região anteroventral do terceiro ventrículo. Um aumento na osmolalidade
plasmática, mesmo da ordem de 1 a 2%, é detectado pelos osmorreceptores,
estimulando então a secreção da vasopressina, cuja concentração sérica varia de
forma diretamente proporcional ao aumento da osmolalidade plasmática,
diminuindo significativamente o volume urinário. Outro fator de regulação é o
volume sanguíneo, monitorado por receptores vasculares. Os barorreceptores são
muito menos sensíveis que os osmorreceptores, detectando apenas mudanças
drásticas na pressão arterial e sendo necessária uma queda no volume sanguíneo
da ordem de 10 a 15% para estimular a secreção de ADH via barorreceptores. Além
desses receptores, a regulação neural e a idade podem, também, ser considerados
como fatores de regulação da liberação de vasopressina.
O
principal efeito fisiológico do ADH consiste na conservação de água no
organismo, através da formação de urina hipertônica. Além da atividade
antidiurética, o ADH possui ação vasoconstritora e, em altas concentrações,
promove a contração da musculatura lisa no trato gastrointestinal e no útero.
Apresenta também efeitos na coagulação sangüínea, devido a aumento nos níveis
séricos dos fatores de coagulação VIIIc e de Von Willebrand e, no sistema
nervoso central, causa bradicardia, aumento na frequência respiratória e
modulação do padrão do sono, atuando ainda sinergicamente com o CRH para
modular a secreção de ACTH.
Tipos de diabetes Insípido
É importante a diferenciação entre os tipos de DI.
Os tratamentos para o DI central e para o renal são distintos. O DI central
associado à redução na secreção de ADH, é mais frequentemente idiopático, ou
associado a trauma, cirurgia, tumores da região hipotalâmica ou a encefalopatia
hipóxica/isquêmica. Já o DI renal, associado a diferentes graus de resistência
à ação do ADH, ocorre nas formas hereditárias, induzido por fármacos (por
exemplo, lítio) ou secundário à hipercalcemia. O DI gestacional, causado pela
expressão de vasopressinases (enzimas que degradam o ADH) pela placenta, é uma
forma rara e transitória da doença, que se manifesta mais comumente no terceiro
trimestre da gestação e apresenta resolução do quadro alguns dias após o parto.
O diabetes insípido central pode ser dividido em
causa primária e secundária. No diabetes insípido central primário anormalidades genéticas do gene
da vasopressina no cromossomo 20 são responsáveis pelas formas
autossômicas dominantes do DIC primário, mas muitos casos são idiopáticos. No diabetes
insípido central secundário
(adquirido), causado por várias lesões, como hipofisectomia, lesões cranianas
(particularmente as fraturas da base do crânio), tumores supra e intrasselares
(primários ou metastáticos), histiocitose
de células de Langerhans, hipofisite linfocítica, granulomas (sarcoidose ou tuberculose), lesões vasculares (aneurisma ou trombose) e infecções (encefalite ou meningite).
O diabetes insípido renal é
caracterizado por início na infância, história familiar positiva, sede
persistente, poliúria e hipostenúria (urina de baixa intensidade ou pouco
concentrada) resistente à administração de vasopressina. Devido a sua
localização no cromossoma X (Xq28), mutações inativadoras no receptor AVPR2
(receptor de vasopressina tipo 2) causam um fenótipo caracterizado por
episódios de desidratação logo após o nascimento, hipernatremia e hipertermia.
Os episódios de desidratação podem ser tão severos que diminuem a pressão de
perfusão arterial, levando a uma oxigenação deficiente do cérebro, rins e
outros órgãos e, consequentemente, retardo mental, insuficiência renal etc. As
pacientes heterozigotas (portadoras) apresentam graus variáveis de poliúria e
polidipsia por causa da inativação preferencial do cromossomo X (skewed X-inactivation).
O diabetes insípido gestacional, por expressão de
vasopressinases (enzimas que degradam o ADH) pela placenta, é uma forma rara e
transitória da doença, que se manifesta mais comumente no terceiro trimestre da
gestação e apresenta resolução do quadro alguns dias após o parto. A
neuro-hipófise diminui de volume na gravidez. A concentração de AVP (arginina
vasopressina) é idêntica à das mulheres não grávidas. Todavia, durante a
gravidez há aumento da síntese de AVP, para compensar a degradação provocada
pela vasopressinase trofoblástica, cujos níveis aumentam em paralelo com o
crescimento das células do trofoblasto.
Quadro clínico
O início do
diabetes insípido pode ser insidioso ou súbito, ocorrendo em qualquer idade. A primeira manifestação do diabete insípido costuma
ser noctúria pela perda de capacidade de concentração da urina no período da
noite. A apresentação clínica ocorre com poliúria (volume urinário em 24 horas
acima de 3 L[acima de 40 mL/kg] em adolescentes e adultos e acima de 2 L/m2 de
superfície corporal [acima de 100 mL/ kg] em crianças) e consequente aumento da
ingestão de água (polidipsia). A velocidade de instalação dos sintomas é
importante, visto que, na maioria dos pacientes com diabetes insípido renal
hereditário, a manifestação se verifica já na primeira semana de vida. Nos
casos de diabetes insípido central hereditário, a manifestação pode ocorrer na
infância após o primeiro ano de vida ou na adolescência. Em adultos, o início
dos sintomas costuma se dar de forma súbita nos casos de diabetes insípido
central e de forma insidiosa nos casos de diabetes insípido renal. O aumento do
volume urinário, que pode chegar a 18 litros em 24 horas, é compensado com o
aumento da ingestão hídrica. Em pacientes sem acesso livre a água (por exemplo,
sedados), com alteração hipotalâmica no centro da sede (por exemplo, lesões
hipotalâmicas) e naqueles com grande volume urinário, pode haver distúrbios
hidroeletrolíticos graves.
Diagnóstico do diabetes insípido
Diferenciar o diabetes insípido
central de outras causas de poliúria, em particular a polidipsia psicogênica e
o diabetes insípido nefrogênico. Todos os testes para DIC (e para DIN)
baseiam-se no princípio de que a elevação da osmolalidade plasmática em
indivíduos normais causa diminuição da excreção de urina com aumento da
osmolalidade.
O teste de privação de água é o método mais simples e
confiável para o diagnóstico do diabetes insípido central, mas só deve ser realizado quando o paciente
estiver sob supervisão constante. Pode causar desidratação grave. Além
disso, se houver suspeita de polidipsia psicogênica, o paciente deve ser
observado para evitar a ingestão escondida. O teste é indicado pela manhã,
pesando-se o paciente, coletando-se sangue venoso para determinar as
concentrações de eletrólitos e a osmolalidade e medindo-se a osmolalidade
urinária. A urina eliminada é coletada de hora em hora e a gravidade específica
ou, preferencialmente, osmolalidade, é medida. A desidratação continua até
ocorrer hipotensão ortostática e taquicardia postural; perda ≥ 5% do
peso corporal inicial; ou a concentração urinária não
aumentar > 0,001 de gravidade específica ou > 30
mOsm/L em amostras eliminadas em sequência. Os eletrólitos séricos e a
osmolalidade são determinados novamente. Vasopressina exógena é então dada (5
unidades de vasopressina aquosa SC, 10 mcg de desmopressina [DDAVP] intranasal,
ou 4 mcg IM ou IV). A gravidade específica e a osmolalidade da urina são
coletadas após 60 min da injeção e encerra-se o teste.
Uma resposta normal produz
osmolalidade urinária máxima após a desidratação (em geral > 1,020
de gravidade específica ou > 700 mOsm/L), excedendo a osmolalidade
plasmática; a osmolalidade não se eleva mais que 5% adicionais após a injeção
de vasopressina. Pacientes com DIC em geral não conseguem concentrar a urina
mais que a osmolalidade plasmática, mas podem aumentar a osmolalidade do volume
urinário em > 50 a > 100% após a administração
de vasopressina} exógena. Os pacientes com diabetes insípido central
parcial geralmente conseguem concentrar a urina acima da osmolalidade do
plasma, porém mostram aumento da osmolalidade urinária de mais de 15 a 50% após
a administração de vasopressina. Pacientes com DIN não conseguem
concentrar a urina além da osmolalidade plasmática e não mostram resposta
adicional à administração de vasopressina (Resultados do teste de privação de água).
Todos os pacientes com diagnóstico de DI central
devem submeter-se a ressonância magnética da região hipotalâmico-hipofisária,
para investigação etiológica e para afastar a presença de tumor. Outro dado
importante fornecido pela ressonância magnética é a ausência do brilho na
hipófise posterior em T1, que ocorre mais frequentemente em pacientes com DI.
Tratamento
Tratamento hormonal
A desmopressina, um análogo
sintético da vasopressina com
propriedades vasoconstritoras mínimas, apresenta atividade antidiurética
prolongada durante 12 a 24 h na maioria dos pacientes e pode ser administrada
por via intranasal, subcutânea, intravenosa ou oral. A desmopressina é a
preparação de escolha tanto em adultos como em crianças, disponível em 2 formas
de solução intranasal. Um frasco de gotas com cateter nasal calibrado tem a
vantagem de fornecer doses crescentes de 5 a 20 mcg, mas é mais difícil de
utilizar. Um frasco com spray que fornece 10 mcg de desmopressina em 0,1 mL de
líquido é mais fácil de administrar, mas fornece uma quantidade fixa.
Deve-se estabelecer, para cada
paciente, a duração da ação de determinada dose, pois a variação entre os
indivíduos é grande. A duração da ação pode ser determinada seguindo-se os
volumes urinários e a osmolalidade urinária. A dose noturna é a menor dose
necessária para evitar a noctúria. As doses matinal e vespertina devem ser
ajustadas separadamente. A dosagem habitual varia de 10 a 40 mcg, com a maioria
dos adultos necessitando de 10 mcg, 2 vezes/dia. Para crianças de 3 meses a 12
anos, a dose habitual varia de 2,5 a 10 mcg, 2 vezes/dia.
Superdosagem pode causar
retenção de líquidos e diminuição da osmolalidade plasmática, possivelmente
resultando em convulsões em crianças pequenas. Nessas circunstâncias, pode-se
administrar furosemida para induzir a diurese. A cefaleia pode ser um efeito
colateral problemático, mas geralmente desaparece com a redução da dose. Não é
comum a desmopressina causar discreta elevação da pressão arterial. A absorção
da mucosa nasal pode ser errática, em especial quando ocorrem infecções das
vias respíratórias superiores e rinite alérgica. Quando o fornecimento
intranasal de desmopressina for inadequado, pode-se administrá-la SC utilizando-se
um décimo da dose intranasal. A desmopressina pode ser administrada IV se
houver necessidade de um efeito rápido (p. ex., hipovolemia). Com desmopressina
VO, não é possível estabelecer a equivalência de dose com a preparação
intranasal, assim é necessária a titulação de dose. A dose inicial é de 0,1 mg,
VO, 3 vezes/dia, e a dose de manutenção é habitualmente 0,1 a 0,2 mg, 3
vezes/dia.
Vasopressina aquosa, em 5 a 10
UI, SC ou IM, pode ser administrada para fornecer uma resposta antidiurética
que habitualmente dura ≤ 6 h. Deste modo,
essa substância é pouco útil no tratamento prolongado, mas pode ser utilizada
como tratamento inicial de pacientes inconscientes e daqueles com diabetes
insípido central submetidos a cirurgia. A vasopressina sintética pode ser
administrada 2 a 4 vezes/dia como spray nasal, com dose e intervalo ajustados
para cada paciente. O tanato de vasopressina em óleo, 0,3 a 1 mL (1,5 a 5 UI),
IM, pode controlar os sintomas por até 96 h.
Tratamento não hormonal
Diuréticos, principalmente
tiazidas. Fármacos liberadores de vasopressina (p.
ex., clorpropamida, carbamazepina, clofibrato). Inibidores da prostaglandina. Esses
fármacos foram particularmente úteis no diabetes insípido central parcial e não
causam os efeitos adversos da vasopressina exógena.
Os diuréticos tiazídicos,
paradoxalmente, reduzem o volume urinário no diabetes insípido central (e no
diabetes insípido nefrogênico) parcial e total, primariamente como consequência
da redução do volume extracelular e do aumento da reabsorção tubular proximal.
Os volumes urinários podem reduzir de 25 a 50% com 15 a 25 mg/kg de
clorotiazida.
Clorpropamida, carbamazepina e
clofibrato podem reduzir ou eliminar a necessidade de vasopressina em alguns pacientes com DIC parcial.
Nenhuma é eficaz para DIN. Clorpropamida, 3 a 5 mg/kg VO, 1 ou 2 vezes/dia,
causa alguma liberação da vasopressina e
também potencializa a ação da vasopressina nos
rins. Clofibrato, 500 a 1.000 mg, VO, 2 vezes/dia, ou carbamazepina, 100 a 400
mg, VO, 2 vezes/dia, são recomendados apenas para adultos. Esses fármacos podem
ser utilizados sinergicamente com um diurético. Entretanto, pode ocorrer
hipoglicemia significativa com o uso de clorpropamida.
Inibidores de prostaglandinas
(como indometacina, 0,5 a 1,0 mg/kg, VO, 3 vezes/dia, embora a maioria das
AINEs seja eficaz) são modestamente eficazes. Eles podem reduzir o volume
urinário, mas geralmente por não mais que 10 a 25%, talvez reduzindo o fluxo
sanguíneo renal e taxa de filtração glomerular. Juntamente com a indometacina,
a restrição da ingestão de sódio e um diurético tiazídico ajudam a reduzir
ainda mais o volume urinário na DIN.
Diabetes mellitus tipo Ι e tipo ΙΙ versus diabetes insipidus
O diabetes mellitus é amplamente reconhecido como a
causa habitual de polidipsia e poliúria, a possibilidade de encontrarmos frente
a um diabetes insipidus (DI) é passada despercebida. É muito importante ter o
conhecimento sobre o diabetes insipidus, pois seu diagnóstico errado ou tardio
pode levar a uma desidratação severa com dano cerebral irreversível, inclusive
a morte. Diabetes insipidus não é sinônimo de diabetes mellitus. Ambos possuem
características parecidas, como um incremento de excreção urinária associada a
uma sede constante. Não obstante, em seus aspectos restantes, incluindo causas
e tratamento, são completamente diferentes. Às vezes o diabetes insipidus é
chamado de “diabetes da água”, para diferenciá-lo do conhecido diabetes
mellitus ou “diabetes do açúcar. O diabetes mellitus tipo 1 geralmente ocorre
em pessoas com menos de trinta anos, apresentam-se com baixo peso, tem pouca ou
nenhuma insulina endógena, inicia-se rapidamente, a cetose é comum, produz
anticorpos contra as ilhotas de Langerhans ocorrendo destruição auto-imune das
células das ilhotas pancreáticas, é poligênico, há fatores ambientais
implicados (vírus e toxinas).
O diabetes mellitus tipo 2, geralmente ocorre em
indivíduos com mais de quarenta anos, que apresentam peso normal ou aumentado.
Inicia-se de forma lenta, ocorrendo cetose sob estresse, está presente a
insulina endógena, não há produção de anticorpos contra as ilhotas de
Langerhans, sendo a secreção de insulina prejudicada com resistência à
insulina. Tem uma forte associação genética, e fatores como obesidade e
inatividade física complicam a doença. O diagnóstico de ambos (tipo 1 e 2) é
feito por meio da análise da urina (glicose, cetonas ) e glicose sanguínea.
O diabetes insipidus pode ocorrer em qualquer idade, e quando é de origem genética os sintomas geralmente começam aparecer após 1 ano de idade. Ocorre perda de peso, devido à perda de líquido constante. Ocorre devido à síntese, secreção ou ação inadequada do hormônio antidiurético (ADH). Pode ser adquirido por uso de drogas, medicamentos, distúrbios hidroelétricos (hipercalcemia, hipercalciúria), doenças sistêmicas, tumores, infecções. Fatores genéticos, como defeitos no receptor da vasopressina (V2R) ou no receptor da aqüaporina (AQP2), caracterizam o diabetes insípido herdado. A falta da ingestão de líquidos pode levar à desidratação. O diagnóstico é feito pela análise da urina (osmolaridade) e do sangue (concentração), além de tomografia computadorizada e ressonância magnética.




