Índice
- 1 Manifestações clínicas da síndrome de Cushing
- 2 Principais causas de hipercortisolismo e a diferença para entre síndrome e Doença de Cushing
- 3 Diagnóstico da síndrome de Cushing: passo a passo na investigação
- 4 Etapa zero: definir se vai iniciar ou não a investigação
- 5 Etapa 1: Confirmar o Hipercortisolismo
- 6 Segunda etapa: ACTH dependente x independente
- 7 Terceira etapa: etiologia
- 8 Síndrome de Cushing: Take home messages
- 9 Referência
- 10 Sugestão de leitura
Confira neste artigo do Dr. Alexandre Câmara sobre a Síndrome de Cushing e a sua abordagem diagnóstica.
Um dos maiores desafios da endocrinologia é a abordagem diagnóstica da síndrome de Cushing. A síndrome é uma situação decorrente da exposição prolongada ao glicocorticoide (GC), seja de origem exógena (administração prolongada de doses suprafisiológicas) ou endógena (hiperprodução crônica de cortisol).
Diversos fatores contribuem para considerarmos a avaliação desta situação desafiadora, entre eles é o fato de muitas de suas manifestações clínicas e laboratoriais serem sutis. É raro aqueles pacientes “de livro” com giba e estrias violáceas.
Algumas queixas se confundem com doenças bem mais frequentes (como a obesidade e síndrome dos ovários policísticos). Além disso, a avaliação laboratorial é complexa e exige testes diagnósticos específicos.
Sabendo disso, nosso objetivo com este texto é trazer de forma clara e objetiva informações que possam te auxiliar na abordagem desta síndrome tão peculiar.
Manifestações clínicas da síndrome de Cushing
As principais manifestações clínicas da síndrome de Cushing estão mostradas na figura 01.
Figura 01: Manifestações da síndrome de Cushing
Fonte: Acervo Sanar
No entanto, nem sempre o paciente apresentará os sintomas clássicos, por isso é fundamental que você entenda que as manifestações nada mais são que a exacerbação das ações fisiológicas do cortisol (Quadro 1).
Quadro 1. Manifestações clínicas da síndrome de Cushing
Ação fisiológica | Manifestações clínicas |
Regulador metabolismo intermediário | Hiperglicemia (gliconeogênese, glicogenólise, lipólise, proteólise e inibe captação periférica de glicose) – 30 a 40% têm DM, e tolerância alterada à glicose ocorre em 20 a 30%Obesidade visceral; Gibosidade dorsal e supraclavicular e face de lua cheia (fácies cushingoide)Dislipidemia – caracterizada por elevação dos triglicerídeos e LDLcolesterol, além de redução do HDL |
Inibição do sistema imune e inflamatório | Linfopenia e eosinopenia;Leucocitose por Neutrofilia (desmarginação – desprendimento dessas células do endotélio);Infecções de repetição e fúngicas: tinea versicolor ou onicomicose. |
Inibição da atividade osteoblástica | OsteoporoseOsteonecrose |
Inibição da síntese proteica | Fraqueza muscular proximal (sintoma mais específico)Fragilidade capilar – pele fina, com predisposição a equimoses e petéquias; pletora facialCatarata |
Favorece atividade de catecolamina e angiotensina II | HIpertensão arterialHipocalemia – em situações de intenso HIPERcortisolismoAlcalose metabólica |
Modula receptores em SNC associado a humor, apetite e cognição | Insônia, euforia, mania, Psicose, Irritabilidade, depressãoFome |
Situações de hiperprodução de cortisol também podem ser acompanhadas de aumento da secreção de outros esteroides adrenais. Por isso, é comum que a síndrome de Cushing venha acompanhada de manifestações de hiperandrogenismo, como acne e hirsutismo.
Principais causas de hipercortisolismo e a diferença para entre síndrome e Doença de Cushing
As causas da síndrome de Cushing podem ser classificadas conforme a origem endógena ou exógena, esta última está relacionada ao uso de doses suprafisiológicas de glicocorticoides. Este grupo consiste na principal causa de hipercortisolismo. Uma vez que os corticosteroides estão entre os hormônios mais prescritos na prática clínica.
Apesar de num primeiro momento parecer simples a identificação, nem sempre o paciente deixa claro que está usando corticoide. É fundamental questionar ativamente o paciente, pois frequentemente é omitido o uso de fórmulas, cremes, preparações nasais etc… que eventualmente podem conter corticoides.
É importante ressaltar que qualquer via de administração tem o potencial de levar a sintomas cushingoides. E o risco é aumentado quando se utiliza doses diárias maiores que 7,5 mg de prednisona, 0,75 mg de dexametasona ou 30 mg de hidrocortisona.
Mas mesmo doses menores podem levar ao desenvolvimento da síndrome, principalmente se é de uso crônico ou o paciente está fazendo uso concomitante de substâncias que inibam a metabolização hepática dos GC pelo citocromo P450, como itraconazol, inibidores de proteases, fluoxetina, sertralina etc.
As causas de síndrome de Cushing endógena são aquelas doenças que levam ao excesso na produção “interna” do cortisol. Trata-se de uma doença rara (prevalência estimada de 40 por milhão) e pode ocorrer em qualquer faixa etária, mas é mais comum em adultos, com idade média de 40 anos ao diagnóstico, e predomínio no sexo feminino (3:1).
Dividimos as causas endógenas em: “dependentes de ACTH” e “independentes de ACTH”. Lembre-se que o ACTH é o hormônio que estimula a adrenal a produzir cortisol, portanto o seu excesso levará ao hipercortisolismo.
Figura 02: Eixo corticotrófico na SC ACTH independente x dependente

a) ACTH dependente: o excesso de ACTH quase sempre é proveniente de um tumor produtor de ACTH (hipofisário ou ectópico) – também chamamos o tumor hipofisário produtor de ACTH de ”DOENÇA de Cushing” – não confunda com a SÍNDROME de Cushing, quando nos referimos a “doença” é exclusivamente um tumor hipofisário – etiologia mais comum dentre as causas endógenas da SC.
b) ACTH independente: quando a produção de cortisol é autônoma proveniente do córtex da glândula adrenal.
No quadro 2 listamos as principais etiologias de síndrome de Cushing endógena.
Quadro 02: Etiologias da síndrome de Cushing endógena.
ACTH dependente (80-85%) | ACTH independente (15-20%)* |
Doença de Cushing (80-85%) | Adenoma adrenal (60%) |
Carcinoma adrenal (40%) | |
ACTH ectópico (15-20%) | Síndrome de MacCune-Albrght |
Hiperplasia macronodular | |
Doença adrenal nodular pigmentada primária (PPNAD) associada ao complexo de carney | |
CRH ectópico (<1%) | Produção ectópica em tumores testiculares, ovarianos, restos adrenais testiculares… |
Diagnóstico da síndrome de Cushing: passo a passo na investigação
Para tentar “simplificar” este assunto vamos dividir a abordagem diagnóstica em etapas.
Um grande erro no rastreio da síndrome de Cushing é querer pular para o diagnóstico etiológico antes mesmo de saber se o paciente tem excesso de glicocorticoide, portanto nossa maior dica é: NÃO PULE ETAPAS.
Na “ansiedade” de fazermos o diagnóstico é comum querer realizar exames de imagem antes de saber se há realmente hiperprodução hormonal.
Lembre-se: os exames radiológicos vão entrar somente devem ser realizados após a adequada avaliação hormonal.
Etapa zero: definir se vai iniciar ou não a investigação
Para diferenciar se a obesidade é por hipercortisolismo ou exógena, um exame que pode auxiliar é a idade óssea. Geralmente, a idade óssea encontra-se avançada na obesidade exógena e atrasada no cushing.
Paciente com síndrome metabólica (obesidade, diabetes, HAS…) + osteoporose, pense em síndrome de Cushing. A sobrecarga mecânica do excesso de peso “protege” contra osteoporose. Portanto, baixa massa óssea deve chamar atenção para a possibilidade de hipercortisolismo.
Na SCE, devido à supressão do eixo HHA, encontram-se tipicamente baixos os níveis séricos e urinários de cortisol (exceto nos casos decorrentes do uso de hidrocortisona) e ACTH.8 Contudo, existe a possibilidade de reações cruzadas
com GC sintéticos (sobretudo, a prednisolona), gerando valores falsamente elevados do cortisol.
Etapa 1: Confirmar o Hipercortisolismo
Consideramos o diagnóstico de SC quando temos dois ou mais exames alterados que comprovem hipercortisolismo com o cortisol:
- Plasmático pela manhã após 1 mg de dexametasona a meia noite;
- Salivar ou plasmático na madrugada (entre 23/24 horas) – positivo se ao menos 2 medidas alteradas.
- Urinário de 24 horas – positivo se ao menos 2 medidas alteradas.
Vamos detalhar melhor cada um deles a seguir:
Cortisol plasmático pela manhã após 1 mg de dexametasona a meia noite
Este teste é realizado entre 7 e 10 horas da manhã, após o paciente ter tomado 1 mg de dexametasona, entre 23 horas e meia-noite da noite anterior.
O esperado durante o teste em pessoas sem hipercortisolismo é que, com o uso da dexametasona de madrugada, ocorrerá inibição da secreção do ACTH e, consequentemente, do cortisol devido feedback negativo.
Sendo assim, caso o cortisol não tenha suprimido, está evidente a hiperprodução autônoma. O valor de cortisol > 1,8 μg/dL define hipercortisolismo.
Cortisol plasmático ou salivar à meia-noite
Esse exame também usa o racional fisiológico. Medimos o cortisol próximo à hora de dormir, período em que a secreção deveria ter seu valor mais baixo.
Nos portadores de SC, há uma perda do nadir fisiológico, por isso encontramos valores mais elevados. Consideramos positivo se ao menos 2 medidas alteradas.
Cortisol urinário 24 horas
O cortisol urinário de 24 horas deve ser coletado de duas a três amostras, sendo duas delas positivas para hipercortisolismo. Mas fique atento que esse exame pode ser falso negativo. Isso acontece se a taxa de filtração glomerular < 60 mL/min ou coleta inadequada.
Uma dica para certificar que a amostra foi colhida corretamente (sem perda significativa de urina): avalie se a creatinina urinária é > 15 mg/kg em mulheres, e > 20 mg/kg em homens.
Segunda etapa: ACTH dependente x independente
Após confirmação do hipercortisolismo, passamos para a segunda etapa da investigação: saber se é uma causa ACTH dependente ou independente. Assim, nada mais óbvio do que dosar o ACTH! Podemos ter os seguintes quadros:
-ACTH < 5 pg/mL: ACTH independente.
-ACTH > 20 pg/mL: ACTH dependente.
-ACTH 5 a 20 pg/mL: Quando o ACTH está “isentão”, precisamos tentar estimular e ver para onde ele vai, buscando, assim, definir o diagnóstico. Daí lançamos mão dos testes dinâmicos com estímulo do CRH ou de DDAVP.
Se houver resposta após administração dessas medicações, ou seja, se o ACTH elevar, é ACTH dependente. Caso se mantenha suprimido, vamos atrás das causas independentes de ACTH.
Terceira etapa: etiologia
Depois de determinar se é do grupo do ACTH dependente ou independente, fica mais fácil achar a causa específica.
ACTH independente
ACTH independente, o próximo passo será a tomografia computadorizada de adrenais para tentar diferenciar entre carcinoma e adenoma adrenal, ou mesmo alterações mais raras como hiperplasia macro ou micronodular da adrenal. Se a adrenal não estiver alterada, vale a pena inclusive reavaliar uso de glicocorticoide exógeno.
ACTH dependente
ACTH dependente, a dúvida ficará entre doença de Cushing (DC) ou secreção ectópica. Como DC é muito mais comum, a primeira conduta deverá ser a ressonância magnética de sela túrcica (hipófise).
Mas, se não acharmos tumor na hipófise ou se visualizarmos um tumor muito pequeno (menor que 6 mm), está indicado o cateterismo do seio petroso.
Lembre-se de que 10% da população pode ter um pequeno incidentaloma hipofisário. É o padrão-ouro para diferenciar tumor hipofisário de tumor ectópico.
E se excluir a possibilidade de doença de Cushing?
Só após excluir a possibilidade de doença de Cushing, é que buscamos os tumores ectópicos produtores de ACTH, através de TC de tórax e abdome.
Não os investigamos antes, pois os tumores ectópicos são raros e existe a chance de acharmos um incidentaloma que confundirá a investigação.
Uma alternativa quando as tomografias não acharem o tumor ectópico é o PET gálio (68Ga-dotatate). Um PET com marcador específico para tumores neuroendócrinos, aumentando muito a acurácia para esses casos.
Talvez você já tenha ouvido falar na possibilidade de realizar alguns testes para auxiliar no diagnóstico de ectópico x hipofisário, tais como Liddle 2 (supressão com 2 mg de Dexametasona, 6/6h por 48 horas), teste com 8 mg de Dexametasona simplificado, CRH ovino…
Mas nenhum tem acurácia suficiente para “fechar” o diagnóstico etiológico, portanto não podemos “bater o martelo” com o resultado deles.
Só para você entender o racional desses testes: se o tumor for da hipófise, apesar da produção autônoma, ele ainda sofre alguma regulação. Assim, o ACTH responderá aos estímulos nos testes (seja para suprimir – Liddle 2; ou para estímulo – CRH ovino). Já o tumor ectópico não mudará seu padrão de secreção, independentemente do que fizermos.
Síndrome de Cushing: Take home messages
A investigação da síndrome de Cushing deve se iniciar com anamnese e exame clínico cuidadoso, e o uso de glicocorticóide exógeno deve sempre ser excluído.
É essencial confirmar o hipercortisolismo antes de prosseguir com as investigações etiológicas.
Cateterismo dos seios petrosos: Padrão ouro para identificar etiologia ACTH dependente.
Muita informação! Mas vamos facilitar, segue abaixo o algoritmo para abordagem sistemática da síndrome de Cushing.
Fonte: Autor.
Referência
- Causes and pathophysiology of Cushing’s syndrome – UpToDate.
- Epidemiology and clinical manifestations of Cushing’s syndrome – UpToDate.
- Establishing the cause of Cushing’s syndrome – UpToDate.
- Medical therapy of hypercortisolism (Cushing’s syndrome)- UpToDate.
- Overview of the treatment of Cushing’s syndrome – UpToDate.
Sugestão de leitura
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