Anatomia de órgãos e sistemas

Traumatismo Cranioencefálico e Tríade de Cushing | Colunistas

Traumatismo Cranioencefálico e Tríade de Cushing | Colunistas

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Caso Clínico

Eis que você é chamado, no começo do plantão, para atender o seguinte paciente: jovem, masculino, 29 anos, vítima de colisão frontal de automóvel a anteparo fixo (poste) em alta velocidade, há 40 minutos, trazido por SAMU, imobilizado cervical em prancha rígida, com os seguintes dados do atendimento pré-hospitalar:

  • Vias aéreas prévias (falando);
  • AR: FR 28 irpm. Sat 95% em uso, oxigênio sobre máscara a 100%;
  • MV abolido em base D, à percussão presença de macicez;
  • Realizada drenagem em selo d’água com saída de 480 ml de material hemático;
  • AC: FC 117 bpm;
  • PA 80 X 65mmHg;
  • À ausculta, RCR BNF 2T sem sopros, EC < 3 seg, pulsos finos, sendo realizada expansão volêmica com 2000 ml Ringer Lactato aquecido;
  • Abdome: RHA +, flácido, pouco doloroso à palpação, com equimose em região de cinto;
  • Escala de coma de Glasgow de 13 (AO 4, RV 04, RM 5), pupilas isorreagentes ao estímulo luminoso;
  • Extremidades: fratura fechada de membro inferior esquerdo, sendo imobilizada e estabilizada.

Ao chegar no pronto-socorro, observa-se os seguintes dados ao exame:

  • Paciente desacordado;
  • AR: FR 24. Sat 97% em máscara;
  • MV reduzido a D;
  • Débito de dreno estável;
  • AC: FC 103;
  • PA 90X70 mmHg, RCR BNF 2T sem sopros. EC < 3 seg;
  • Glasgow 10 (AO 3, RV 2, RM 05), pupilas reagentes.

Neste momento, você opta por estabelecimento de via aérea definitiva, em caráter protetivo (intubação orotraqueal sob sequência rápida), sendo esta realizada com sucesso. Em abdome, observa-se presença de equimoses. FAST positivo com presença de líquido livre em janela hepatocólica e esplenorrenal. Paciente estabilizado, em uso de sedoanalgesia com fentanil, midazolam (RASS -3) e droga vasoativa, em infusão contínua (PAM 79, no momento), sendo levado para setor de radiologia para realização de tomografia de corpo inteiro. Observa-se o seguinte laudo.

TC de crânio e coluna vertebral: ossos do crânio íntegros. Observado pequenos pontos hemorrágicos em região de núcleos da base e periventricular D e edema discreto. Sem desvio de linha média. Não se observa fraturas de vertebras cervicais. 

TC de tórax: fratura clavícula E em terço médio. Fratura de 9ª e 10ª costela D, em porção distal. Presença de hemotórax a D drenado. Observado extensas áreas de consolidação com atenuação em vidro fosco em hemitórax E, compatíveis com contusão pulmonar. Sem fraturas de vertebras torácicas.

TC de abdome: presença de laceração envolvendo segmento V e VII (lesão grau III). Presença de hematoma subcapsular, envolvendo mais de 50% da superfície (lesão grau III). Presença de líquido livre em cavidade abdominal. Sem outras lesões abdominais. Sem fratura de vertebras lombares.

TC de pelve: íntegra, sem fraturas ou lesões de vasculares. Bexiga e trajeto urinário sem lesões aparentes.

TC de extremidades: presença de fratura estável em terço distal de tíbia e fíbula, com edema perilesional.

Você solicita avaliação com neurocirurgião; transferência para unidade de terapia intensiva e opta por conduta expectante de lesões abdominais através do acompanhamento de índices hematimétricos seriados. Enquanto aguarda transferência, mantém monitorização contínua do paciente e cuidados gerais:  cabeceira elevada a 30-40° graus; controle rigoroso de temperatura e HGT, evitando hipo e hipertermia, bem como hipoglicemia; PAM em torno de 65-70 mmHg. Em ventilação mecânica, mantendo a normocapnia. Observação: você não dispõe de cateter para monitoramento de pressão intracraniana no momento.  

Após 01 hora do chamado, o neurocirurgião avalia o paciente, sendo indicados conduta expectante com reavaliação periódica do exame neurológico e nova tomografia de controle.

Tudo estava indo bem, até que seu paciente, após 11 horas, evolui inesperadamente com bradicardia, bradipneia e elevação da pressão arterial. Ao exame neurológico, Glasgow 07T (AO 2, RV 01, RM 04) com presença de anisocoria.

Você sabe o que estes achados (bradicardia, bradipneia e aumento de pressão arterial)significam? Não?! Então, vem revisar comigo!

Paciente bradicárdico, bradipneico, porém com aumento da pressão: o que devo suspeitar?

Também conhecida como tríade de Cushing, esta situação se caracteriza pelos seguintes achados: bradicardia, arterial bradipneia ou irregularidade respiratória e hipertensão arterial, no contexto de uma injúria cerebral, como a do paciente em questão.

Esta tríade de sinais recebeu epônimo em homenagem ao neurocirurgião, Harvey Williams Cushing. Consiste, portanto, em uma resposta reflexa em decorrência da isquemia e da compressão do tronco encefálico, causadas geralmente pelo aumento da pressão intracraniana (PIC). O aumento da PIC, junto à compressão do tronco encefálico, desencadeia inibição/desregulação do centro respiratório, aumento do tônus vagal e vasoconstrição sistêmica, produzindo, respectivamente, bradipneia, bradicardia e hipertensão arterial.

Fique atento!

Por vezes, este reflexo representa o esforço final do organismo na tentativa de manter a perfusão cerebral a despeito da elevação acentuada da PIC. Pode estar presente em trauma cranioencefálico grave, acidentes cerebrovasculares extensos, tumores e hidrocefalia e indica necessidade de medidas ativas para controle da PIC e avaliação neurocirúrgica imediata. Após esta avaliação, você decide prescrever manitol (1 mg/kg) e tenta contato novamente com cirurgião geral. O paciente é então levado ao centro cirúrgico para realização de cirurgia descompressiva de emergência.  

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


Referências

BOWLES, E. Cerebral aneurysm and aneurysmal subarachnoid haemorrhage. Nurs Stand; 28(34):52-9. 6. Disponível em: https://medicinetoday.com.au/system/files/pdf/MT2017-02-016-LITTLE.pdf

PORTO, C.C. Semiologia Médica.  7ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2013

SCHOR, N. Editor. Baureri. BERTOLUCCI, P.H.F. et al. Guias de Medicina ambulatorial e hospitalar da UNIFESP:  Neurologia. Barueri: Manole, 2011.

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