Índice
- 1 Contextualização: o que preciso saber sobre o HIV?
- 2 Epidemiologia
- 3 O desenvolvimento das vacinas
- 4 Vacina do HIV: ensaio clínico Mosaico
- 5 Vacina do HIV: ensaio clínico com a tecnologia da vacina do Covid-19
- 6 Por que é tão difícil desenvolver uma vacina do HIV?
- 7 Medicamento injetável: a novidade do momento
- 8 Entrevista com especialista sobre o cenário atual do HIV/AIDS
- 8.1 1. Qual a situação atual da vacina contra o vírus HIV, responsável por causar a AIDS!?
- 8.2 2. Qual a importância que a vacina do SARs-COV2 teve em relação ao avanço das pesquisas da Vacina do HIV!?
- 8.3 3. Como considera a importância de se ter uma vacina para essa doença?
- 8.4 4. Atualmente, na sua rotina como infectologista, como a Dra. observa o panorama da AIDS!?
- 8.5 5. O que a Dra. considera como maior barreira para se ter uma prevalência elevada dessa doença até os dias atuais!?
- 9 Sugestão de leitura complementar
- 10 Referências
Atualização das ações preventivas contra a infecção do HIV: desafios para o desenvolvimento da vacina.
Recentemente, chegou ao fim mais uma tentativa de descoberta da vacina do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Isso porque o estudo do imunizante Ad26.Mos4.HIV foi descontinuado após a sua última fase de teste, que foi realizada em outubro de 2022.
Apesar disso, as esperanças ainda se mantém com a possibilidade de uma vacina criada com a mesma tecnologia da vacina do Covid-19.
Confira no nosso artigo tudo sobre a vacina do HIV e os mais novos medicamentos disponíveis no mercado.
Contextualização: o que preciso saber sobre o HIV?
O HIV é uma das principais doenças infectocontagiosas do mundo e há décadas representa um sério problema de saúde pública no Brasil. Ela é responsável desenvolvimento da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), que causa debilidade no sistema imunológico do paciente expondo-o a várias doenças oportunistas como tuberculose, pneumonias, entre outras.
Historicamente, a ciência já avançou consideravelmente no diagnóstico e tratamento do HIV, o que contribui para melhora da qualidade de vida dos pacientes infectados.
Porém, ainda existem barreiras no que diz respeito ao controle da doença, as medidas profiláticas e tratamento. Assim, o HIV/AIDS ainda são responsáveis por muitos internamentos e gastos ao serviço de saúde público.
Um passo importante para evoluirmos em medidas de controles mais gerais seria a produção e distribuição de vacinas. Muitos grupos de pesquisa e empresas de tecnologia médica trabalham diariamente em busca de um imunizante que seja seguro e eficaz.
Vale salientar que todas as pessoas diagnosticadas com HIV devem iniciar o tratamento imediatamente com antirretroviais. Dessa forma, o vírus ficará impedido de se replicar dentro da célula, o que consequentemente impede a baixa na imunidade e evolução do quadro para AIDS.
Atualmente, são disponibilizados 22 medicamentos para tratar HIV em 38 apresentações farmacêuticas. Eles são distribuídos gratuitamente pelo SUS.
Epidemiologia
Segundo dados de 2019, no mundo temos 38 milhões de pessoas vivendo com HIV. O predomínio maior é na região da África Subsaariana e na Ásia. Isso tem relação com a falta de acesso ao Tratamento Antirretroviral (TARV), à prevenção e outras medidas.
No Brasil, segundo o Boletim Epidemiológico HIV/AIDS de 2021 disponibilizado pelo Ministério da Saúde, em julho de 2022, houve um aumento do número de casos.
Entre os anos de 2010 à 2017, passou de 10.000 casos registrados para 45.000. Esse número se manteve por um ano e em 2019 começou a decrescer, chegando em 2020 com aproximadamente 33mil casos.
Em número de óbitos pelo HIV, observamos uma queda ao longo desses 10 anos de estudo, saindo de 5,7 para 4,0. No que diz respeito à taxa de detecção de AIDS, também observamos um decrescimento, saindo de 21,4 para 14,1.
Até julho de 2021 havia sido registrado no Sistema de Notificação do Governo 381.793 casos de infecção pelo HIV no país. Eles estavam distribuídos da seguinte forma nas regiões:
- Sudeste: 43,3%
- Nordeste: 19,8%
- Sul: 9,5%
- Norte: 7,7%.
Em relação ao sexto, a prevalência é maior em homens (69,8%) do que em mulheres (30,2%). A faixa etária com maior número de casos de infecção é a de 20 a 34 anos, representando 52,9% os casos.
Em relação às gestantes, no período de 2000 até junho de 2021, foram notificadas 141.025 gestantes infectadas com HIV. Houve um aumento de mais de 30% na taxa de detecção do HIV nesse grupo de pacientes, ligando um sinal de alerta.
O desenvolvimento das vacinas
Há anos existe uma luta para descoberta de uma vacina que possa reduzir a contaminação por HIV. Busca-se um imunizante que reúna eficácia e segurança. Tem registros de diversas tentativas frustradas de busca por essa vacina.
Apenas em 2019, o cenário tornou-se mais promissor. Foi dado início à pesquisas que, pela primeira vez, puderam testar os imunizantes em humanos e não mais em laboratórios como antes.
Esta foi uma pesquisa realizada pela empresa Janssen que pertence ao grupo Johnson & Johnson. O ensaio clínico intitulado Mosaico chegou a avançar bastante. No final de 2022 foi dado início a sua 3ª e última fase, mas os resultados não foram como esperados.
A pesquisa alcançou a segurança necessária, mas a sua eficácia foi bastante reduzida. Isso levou a descontinuidade do projeto em Janeiro de 2023, causando uma grande decepção para àqueles que estavam com esperança.
Apesar disso, a ainda há uma “luz no fim do túnel” com a vacina que está sendo desenvolvida pela empresa farmacêutica Moderna. Esse imunizante está utilizando da mesma tecnologia da vacina contra o vírus do Sars-Cov-2 e tem alta expectativa de dar certo.
Para entender mais sobre a pesquisa, o porquê de a vacina ser tão difícil de ser criada e o painel atual do HIV na nossa sociedade, continue lendo o nosso texto.
Vacina do HIV: ensaio clínico Mosaico
Pela primeira vez, desde a descoberta do HIV em 1981, uma pesquisa conseguiu chegar à fase de ser testada em humanos. Essa pesquisa foi desenvolvida pela Janssen que pertence à Johnson & Johnson.
A pesquisa foi realizada em três fases e teve início no ano de 2019, tendo o inicio da sua 3ª e última fase em outubro de 2022 e o imunizante era chamado de Ad26.Mos4.HIV.
O estudo teve a participação de 3,9 mil homens cisgênero e pessoas trans com idade entre 18 e 60 anos em 50 lugares de nove países do mundo. Essas pessoas foram voluntárias do projeto.
Nos participantes foram aplicadas algumas doses do imunizante que era feito com inúmeras cepas do HIV, o que deu o nome de Mosaico, utilizando um adenovírus (Ad26).
Uma boa vacina precisa ter duas coisas: ser eficaz e segura. O Mosaico se mostrou seguro, entretanto, não se mostrou eficaz na sua última fase. Assim, foi necessário a descontinuação da pesquisa e dando uma desanimada na população e pesquisadores.
Vacina do HIV: ensaio clínico com a tecnologia da vacina do Covid-19
Apesar do “banho de água fria” com o resultado da vacina da Janssen, ainda temos esperança com a vacina da Moderna que está sendo desenvolvida. Esta se encontra ainda na primeira fase, mas tem se mostrado promissora.
A Moderna, juntamente com o Scripps Research Institute, Fred Hutchinson Cancer Center, a International AIDS Vaccine Initiative, o US Institute of Allergies and Infectious Diseases, estão desenvolvendo uma vacina do HIV.
Chamada de eOD-GT8, a vacina tem possui a mesma tecnologia desenvolvida na vacina SARS-CoV-2, utilizando o RNA mensageiro.
Como funciona a vacina
Essa vacina tem como objetivo criar células imunológicas que produzirão no corpo anticorpos amplamente neutralizantes chamados de bnAbs do tipo chamado VRC01.
Esse bnAb teria a função de neutralizar o HIV agindo em seu envelope, impedindo assim desse vírus entrar nas células de defesa do corpo humano, as CD4.
O ensaio clínico
O ensaio clínico conta com 48 voluntários distribuídos entre homens e mulheres, pessoas cis e trans, que moravam nos Estados Unidos. Todos eles são saudáveis e soronegativos.
Eles receberam esta vacina ou um placebo em duas doses com oito semanas de intervalo. Entretanto, alguns efeitos colaterais foram observados:
- Dor no local da injeção;
- Leve dor de cabeça;
- Calafrios;
- Dor nas articulares;
- Febre baixa;
- Mal-estar ou fadiga.
Felizmente, não tiveram muitos sintomas graves nos participantes.
Resultados já encontrados
Nesse primeiro momento, os pesquisadores queriam observar a relação das células B e células T e não uma reação direta ao HIV. E dessa forma, a vacina conseguiu obter os resultados esperados.
O principal objetivo da vacina, aumentar a população de células B capazes de produzir bnAbs, foi alcançado.
Foi realizado ainda sequenciamento genético nessas pessoas que receberam esses imunizantes e observado em cada um deles o efeito na produção das células imunes.
Apesar dos resultados positivos e o aumento da esperança de que a vacina é segura, a mesma ainda precisa passar por outras fases de testes para avaliar a sua eficácia.
Por que é tão difícil desenvolver uma vacina do HIV?
O HIV é um retrovírus, classificado na subfamília dos Lentiviridae. Este possui duas fitas idênticas de RNA que possui uma enzima fundamental para o seu funcionamento chamada transcriptase reversa, traduzindo o seu material genético, de forma “reversa”, em DNA dupla-fita, possuindo capsídeo viral (composto pelo antígeno p24) e envoltório lipoproteico.
Este, por ter essa enzima, apresenta uma diversidade genética muito grande. Isso, entretanto, acaba tornando difícil criar um agente imunizante capaz de atuar em todas os subtipos do HIV.
A maioria das pesquisas e dos ensaios clínicos que são realizados ao longo do mundo sempre tem problema em desenvolver a eficácia da vacina para todas as cepas e não some aquelas que foram derivadas à vacina.
Mais informações sobre o HIV, acesse nossos textos Resumo de HIV (Completo) e HIV: Epidemiologia, Fisiopatologia e Clínica.
Medicamento injetável: a novidade do momento
Enquanto a vacina não é desenvolvida, alguns medicamentos surgem para melhorar o cenário da doença. A mais nova conquista promissora e inovadora é do medicamento injetável que recebe o nome de Cabotegravir. Ele teve seu uso aprovado pela Anvisa no último dia 05.
O Cabotegravir também atua na terapia pré-exposição, conhecida por PrEP, ajudando a previnir infecções pelo vírus da Aids em pessoas que tenham comportamento de risco. O seu grande diferencial em relação ao que já tínhamos no mercado (tenofovir e entricitabina) é que ele é injetável e não precisa ser utilizado todos os dias, como os orais.
A aplicação do medicamento é feita da seguinte forma: duas doses com quatro semanas de intervalo e depois, uma dose a cada oito semanas.
Além disso, esse novo medicamento tem uma ação mais prolongada, tendo portanto, uma melhor adesão ao tatamento. Ele ainda possui uma eficácia 69% maior que os de uso oral.
Ainda não há data para a comercialização no Brasil, mas a expectativa da sua chegada é alta.
Entrevista com especialista sobre o cenário atual do HIV/AIDS
A fim de trazer uma visão de um especialista sobre as novidades e atualizações da vacina do HIV, convidamos a médica Dra. Anne Layze Galastri Lacerda Araújo para conversar sobre o tema.
Dra. Anne Layze é Pediatra, Infectologista Pediátrica e especialista em Vacinação e Medicina de Viagens, formada pela Universidade de São Paulo (USP).
Confira agora a entrevista com a médica:
1. Qual a situação atual da vacina contra o vírus HIV, responsável por causar a AIDS!?
Inúmeras vacinas estão em estudo, infelizmente a mais adiantada que tínhamos era a da Janssen que há alguns dias foi descontinuado o estudo por falta de eficácia.
O grande problema do vírus HIV é que como um retrovírus, ele tem muitas mudanças genéticas, mutações mesmo, o que dificulta ter um antígeno padrão para todos os casos. Cada pessoa infectada tem uma infecção única, a partir do momento que se infecta, o vírus se modifica no organismo humano.
2. Qual a importância que a vacina do SARs-COV2 teve em relação ao avanço das pesquisas da Vacina do HIV!?
O surgimento da vacina com tecnologia de RNAmensageiro nos dá nova esperança, pois várias linhas de pesquisa para a vacina do HIV já eram baseadas no RNAm. Deste modo, dominar a tecnologia e ter a disponibilidade financeira para pesquisas é um pouco mais fácil agora, teoricamente.
3. Como considera a importância de se ter uma vacina para essa doença?
O HIV, apesar de ter controle excelente com as medicações disponíveis, até o momento não tem cura. Além disto, há um custo elevado em seu tratamento e nenhuma medicação é isenta de efeitos colaterais.
Deste modo, teríamos além de benefícios econômicos, uma redução de internação e morte atrelado aos casos graves. Atualmente, estes casos basicamente são associados a pessoas sem tratamento adequado.
4. Atualmente, na sua rotina como infectologista, como a Dra. observa o panorama da AIDS!?
Sou infectologista pediátrica e o que vemos nos dados é uma redução da infecção via transmissão vertical graças a medidas eficazes com a gestante e o recém-nascido, porém ainda há casos de transmissão pelo leite materno e associado a abuso sexual.
Nas demais faixas etárias temos dados que sugerem redução, porém com a pandemia inúmeras pessoas deixaram de fazer suas consultas de rotina e diagnosticarem.
Também vemos proporcionalmente um aumento de casos na terceira idade associado ao aumento de relações sexuais na faixa etária.
5. O que a Dra. considera como maior barreira para se ter uma prevalência elevada dessa doença até os dias atuais!?
Existe na sociedade uma perda do medo na aquisição do HIV. Nós temos tratamentos excelentes que fazem com que a doença fique não transmissível, que não cause alterações no corpo humano e que não leve à imunodeficiência atrelada à infecção do HIV. No entanto, há uma falácia na banalização da infecção pelo HIV, porque o tratamento é eficaz, mas mesmo assim ele possui efeitos colaterais.
Nenhuma medicação é isenta de efeitos colaterais. A maioria das medicações podem ter alterações de colesterol que leva ao aumento de risco cardiovascular; há alto de risco de doenças renais crônicas; e de alterações simpáticas e cerebrais. É preciso ter muito atenção ao assunto, lembrar que as pessoas podem morrer de HIV e que as pessoas diagnosticadas vão precisar conviver com a doença pelo resto da vida.
Além disso, outro fator é que a geração atual de adolescentes não viram seus heróis morrerem de HIV. Nós vimos pessoas morrerem de HIV, como Freddie Mercury e Cazuza. Atualmente, graças às medicações, não vemos isso acontecer como no passado. Apesar disso, não podemos deixar acontecer a banalização da infecção. Devemos lembrar ainda que é uma doença sexualmente transmissível e que está, muitas vezes, associada à infecção por outras doenças sexualmente transmissíveis.
Além disso, não demos nos esquecer da questão do HIV e a transmissão via agulhas contaminadas. O aumento de drogas injetáveis pode contribuir para o aumento do número de infecções.
Sugestão de leitura complementar
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Referências
- AGÊNCIA DE NOTICIAS DA AIDS. Vacina revolucionária contra o HIV que ‘treina’ o sistema imunológico supera seu primeiro obstáculo, destaca Aidsmap. Dez, 2022.
- BRASIL. Boletim Epidemiológico – HIV/Aids 2021. Ministério da Saúde, Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Brasil, 2022.
- BRASIL. Aids / HIV. Ministério da Saúde, Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Brasil, 2021.
- LEGGAT, D.J. et al. Vaccination induces HIV broadly neutralizing antibody precursors in humans. Science, vol. 378, nº6623, Dec 2022.
- SAX, P. E. Acute and early HIV infection: Treatment. UpToDate, 2022.
- SAX, P. E. Acute and early HIV infection: Clinical manifestations and diagnosis. UpToDate, 2022.
- WOOD, B. R. The natural history and clinical features of HIV infection in adults and adolescents. UpToDate, 2022.