Índice
Na era da Covid-19 temos como uma das possíveis sequelas as bonquiectasias pulmonares, as quais temos como causa não somente essa doença, mas também vários outros fatores.
E aí, você sabe porque elas ocorrem? Como se formam? Como dar o diagnóstico de bronquiectasia e como é feito seu tratamento?
O que são bronquiectasias?
Bronquiectasias são dilatações nos brônquios, que ocorrem de maneira irreversível e geralmente estão associadas a um espessamento das paredes brônquicas.
A árvore brônquica
Para entendermos como funciona o processo inflamatório dos brônquios vamos relembrar da anatomia respiratória.
O ar entrará por nariz e boca, seguindo pela faringe e laringe. A direção que o ar tomará será regulada pela epiglote presente na laringe. O caminho para os pulmões seguirá então pela traqueia, onde haverá uma bifurcação (chamada de carina) em grandes brônquios, o direito e o esquerdo. Serão esses brônquios os responsávem por levar o ar aos nossos pulmões.
Para que ocorra uma oxigenação efetiva, os brônquios se ramificam em áreas cada vez mais estreiras e passam a ser chamados de bronquíolos. A sustentação dos bronquíolos, diferentemente das vias aéreas maiores, será feita por tecido pulmonar. Essa informação será importante mais a frente.

Etiologia
As bronquiectasias podem ser divididas em: congênitas, adquiridas e idiopáticas.
- Como causas de ordem congênita temos: fibrose cística, deficiência de alfa-1 antitripsina, dicinesia ciliar primária, Síndrome de Young, defeitos anatômicos da árvore brônquica e sequestro pulmonar.
- Como causas de origem adquirida podemos citar: pós-infecciosas, DPOC, imunodeficiências secundárias, doenças sistêmicas, pneumonite inflamatória e processos obstrutivos.
- Cerca de 50% dos casos de bronquiectasias recebem o diagnóstico de bronquiectasia idiopática, ou seja, não há uma causa bem determinada.
As bronquiectasias, além de apresentarem causas diversas, também variam de acordo com o estilo de vida e disponibilidade de tratamento nas populações. Em países mais desenvolvidos, a causa mais comum é atribuída a doenças sistêmicas. Em países em desenvolvimento, como o Brasil, onde a disponibilidade de recursos e a pobreza são mais prevalentes, as bronquiectasias pós-infecciosas continuam sendo mais comuns.
Como ocorre?
Seja de causa congênita ou causa adquirida, a fisiopatologia da doença se dá por uma agressão frequente das vias aéreas. Com a agressão (por agentes infecciosos por exemplo), as vias aéreas tornam-se edemaciadas e ricas em células inflamatórias, principalmente neutrófilos e linfócitos T. Como consequência, há também obstrução por secreção purulenta.
A inflamação e obstrução por um longo prazo lesa o tecido brônquico e pode ocasionar a substituição de um tecido com bom tônus e maleabilidade em tecido fibrótico acelular. A formação desse tecido fibrótico “endurecido” provoca uma distorção da arquitetura alveolar e dilatação permanente, característica da bronquiectasia. A deformação da árvore brônquica propiciará maior obstrução e retenção de secreção, aumentando o processo infeccioso. Trata-se de um ciclo que envolve infeção transmural, inflamação e liberação de mediadores inflamatórios.
É importante salientar que esses processos de infecção, inflamação, obstrução e fibrose nem sempre seguem essa ordem, dependendo de sua etiologia e da resposta do hospedeiro. Muitas vezes não haverá envolvimento de todos os processos.
Diagnóstico
O diagnóstico de bronquiectasias envolve mais de um processo e os sintomas variam de acordo com a doença base e a apresentação de sinais clínicos. Clinicamente podemos classificar a doença como indolente, supurativa ou com hemoptise.
- A doença indolente é aquela em que o paciente por vezes é assintomático, ou possui apenas uma tosse leve, mas radiologicamente apresenta dilatações brônquicas.
- A doença supurativa apresentará tosse e expectoração crônicas. A carcaterística da supuração pode ser desde mucóide até purulenta. Episódios de exacerbação aumentam o volume e a purulência das expectorações, além disso, pode haver sinais de comprometimento sistêmico, como febre e perda de peso.
- A doença com hemoptise é menos comum e se apresenta com hemoptises em pequeno volume, normalmente nos períodos de exacerbação da doença. Além da hemoptise verifica-se dispneia e sibilância, não é patgnomônico, mas mais comum em pacientes com doença extensa e função pulmonar reduzida. É bom sempre lembrar de diagnósticos diferenciais para hemoptise como: bronquite, CA de pulmão, pneumonia, TEP e tuberculose.
No exame físico podemos encontrar crepitantes, roncos ou sibilos, devido ao estreitamento da passagem de ar, seja pelo muco, seja pela fibrose. O baqueteamento digital é um achado variável e está ligado a origem da bronquiectasia e a gravidade do paciente.
Com relação aos exames de imagem, a tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) é o método de escolha para confirmação diagnóstica. A partir dela, podemos classificar as bronquiectasias em focais – quando envolve um segmento ou lobo pulmonar –, ou bronquiectasias difusas – quando envolvem porções em ambos os pulmões. A partir disso, podemos pensar na causa, por exemplo: bronquiectasias focais estão ligadas ao bloqueio do lúmen, o que nos faz pensar em presença de massa tumoral ou corpo estranho. Nas bronquiectasias difusas, pensamos em doenças sistêmicas.

Ademais, de acordo com os achados patológicos e broncográficos, podemos classificar as bronquiectasias por sua forma: cilíndricas, varicosas ou saculares. Essa classificação possui um caráter mais descritivo e pouco se relaciona com as características clínicas e a intensidade dos sintomas.
Manejo e tratamento
A investigação etiológica é fundamental no manejo do paciente. Muitas vezes, o tratamento da patologia subjante leva a interrupção da progressão da doença e auxilia no controle de sintomas.
Deve-se avaliar a gravidade das bronquiesctasias por meio do quadro clínico, alterações nos exames de imagem e pela função pulmonar (espirometria). Os dados clínicos – bons marcadores de atividade da doença – incluem: volume de expectoração, frequência das exacerbações e recorrência da hemoptise. Tanto o volume de expectoração quanto a frequência de exacerbações são inversamente proporcionais à qualidade de vida do paciente, isso significa que quanto maior o volume expectorado e quanto mais vezes ocorrerem internações, pior a qualidade de vida.
Durante a avaliação da função pulmonar, observada na espiromentria, é possível verificar redução da relação VEF1/CVF, com VEF1 reduzido e CVF normal ou pouco reduzida. Quanto mais grave a doença, maior a perda do parênquima por dilatações e impactação muicoide. Em casos de doença avançada, é possível identificar um padrão misto (doença restritiva + obstrutiva) onde haverá restrição por fibrose e também doença obstrutiva pela limitação de fluxo aéreo (perda de parênquima e muito muco).
O tratamento terá por objetivo, portanto: limitar o dano adicional ao parênquima pela doença adjacente, reduzir as exacerbações e melhorar a qualidade de vida do paciente. Os pontos-chave do tratamento são:
- Administração de antibióticos: tratamento visando suprimir a carga bacteriana das vias respiratórias e, consequentemente, prevenindo exacerbações. Nesses casos podemos solicitar exame bacteriológico do escarro com antibiograma.
- Tratamento das causas específicas: de acordo com a causa, há um tratamento específico para a doença. Corticoesteróides sistêmicos são indicados para bronquiectasia causada por aspergilose broncopulmonar alérgica, por exemplo.
- Tratamento da resposta inflamatória: os corticoesteróides inalatórios são a base do tratamento por seu efeito broncodilatador e antiinflamatóio.
- Higiene brônquica: é necessário remover as secreções respiratórias para não alimentar o ciclo de proliferação bacteriana. Pode-se utilizar de fisioterapia respiratória, mucolíticos e agentes hiperosomolares como a solução salina hipertônica.
Em casos mais graves, o tratamento incluirá controle das hemoptises volumosas (possuem alta mortalidade) com proteção das vias aéreas e ressecção do segmento fonte de sangramento. Além disso, há possibilidade de tratamento cirúrgico, com ressecção dos segmentos mais debilitados em algumas situações em que não apenas a de hemoptise volumosa.
Resumo
Bronquiectasias são dilatações nos brônquios, que ocorrem de maneira irreversível e geralmente estão associadas a um espessamento das paredes brônquicas. Elas possuem causas diversas, como bronquiectasias pós infecciosas por Strongiloides ou, ainda, bronquiectasia relacionada à fribrose cística. Também é importante lembrar que 50% das bronquiectasias são classificadas como idiopáticas.
Sua fisiopatologia envolve um ciclo de infeção transmural, inflamação e liberação de mediadores inflamatórios e, posteriormente, deformação da árvore brônquica por susbtituição do tecido pulmonar por tecido fibrótico acelular.
Seu diagnóstico se dá pelo quadro clínico, suspeita de doença adjacente e TCAR confirmando. A investigação etiológica é fundamental no manejo do paciente. Muitas vezes, o tratamento da patologia subjacente leva a interrupção da progressão da doença e auxilia no controle de sintomas.
Para o tratamento deveremos avaliar o quadro clínico – volume de expectoração, frequência de exacerbações e função pulmonar – que serão os marcadores de atividade da doença. A partir disso, optaremos por medidas que objetivem limitar o dano adicional ao parênquima pela doença adjacente, reduzir as exacerbações e melhorar a qualidade de vida. Dentre as medidas existentes temos: a antibioticoterapia para tratamento e profilaxia, uso de corticoesteróides inalatórios, fisioterapia respitarória com pressão positiva até resseção cirúrgica dos segmentos mais acometidos.
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências:
KASPER, Dennis L. et al. Medicina interna de Harrison. 19. ed. Porto Alegre: AMGH, 2017
BARKER et al. Clinical manifestations and diagnosis of bronchiectasis in adults. UpTo-Date. 2020