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Caso Clínico: Diabetes Mellitus I | Ligas

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C.A.S., sexo masculino, 14 anos, vem apresentando há cerca de 3 meses um quadro de poliúria, polidipsia e perda de peso. A mãe, A.A., agendou uma consulta na Unidade Básica de Saúde (UBS) Vila Formosa para ele devido às manifestações clínicas que estão lhe acometendo. A Dra. Juliana, médica de família e comunidade que atende na UBS, realizou a consulta há cerca de um mês e havia solicitado alguns exames para averiguar o que estava ocorrendo com o jovem. O paciente e sua mãe retornaram à UBS após 3 semanas da primeira consulta para levar os resultados dos exames e o paciente obteve o diagnóstico de diabetes mellitus tipo 1A.

Identificação do paciente

C.A.S., 14 anos, sexo masculino, pardo, solteiro, natural de Belo Horizonte/MG. Atualmente, reside em Alfenas/MG com seus pais e sua irmã. Eles se mudaram devido à transferência do emprego do pai para a cidade de Alfenas. O paciente está cursando o último ano do ensino fundamental.

Queixa principal

O paciente apresentou um quadro de poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso que teve início há cerca de 3 meses aproximadamente.

História da Doença Atual (HDA)

Paciente relata poliúria, polidipsia e perda de peso de cerca de 8 kg nos últimos 3 meses. A mãe relata que os sintomas apareceram de maneira súbita – o paciente era um adolescente saudável antes do quadro atual; quase não buscava atendimento na UBS. Ela notou que o filho estava ingerindo muito mais água do que tinha o costume de ingerir no dia-a-dia, além de observar suas idas mais frequentes ao banheiro. A mãe relata também um emagrecimento acentuado do paciente, que não está associado à inapetência – na verdade, relata que o filho estava comendo de maneira excessiva (polifagia).

Ademais, a mãe percebeu que o filho tem ficado mais letárgico, o que a preocupou devido à queda do rendimento na escola. Além disso, o paciente relata uma falta de ânimo para realizar atividades físicas, o que contrasta com a alta disposição que ele dispunha para realizá-las antes do aparecimento dos sintomas. Paciente ratifica os relatos da mãe. Ambos negam presença de sintomas febris no paciente.

Devido ao aparecimento dos sintomas anteriormente comentados, há cerca de 3 semanas a mãe do paciente resolveu procurar a UBS de seu bairro. Após realizar a consulta, a Dra. Juliana solicitou hemograma completo, dosagem da glicemia sérica em jejum, glicemia 2 horas após teste de tolerância oral à glicose e exame parasitológico de fezes. O paciente trouxe os resultados dos exames, que constam na seção “Exames Complementares”.

Antecedentes pessoais, familiares e sociais

Nega ocorrências anteriores de sarampo, caxumba, coqueluche, rubéola e parasitoses. Relata um episódio de catapora aos 10 anos, mas que se resolveu bem com o devido tratamento à época. Nega cirurgias e hospitalizações prévias. Nega comorbidades e alergias. Caderneta de vacinação em dia.

Nasceu a termo de parto normal, sem complicações. Recebeu aleitamento materno até os dois anos de idade. Teve desenvolvimento neuropsicomotor e crescimento normais – suas curvas de crescimento da caderneta de vacinação se encontram nos níveis de normalidade. Paciente relata vida sexual inativa. Nega uso de álcool, cigarro e outras drogas.

De acordo com a mãe, C.A.S. sempre foi uma criança esperta, inteligente e saudável, praticava futebol no mínimo uma vez por semana e sempre obteve excelentes notas na escola. A mãe relata que ela e o pai sempre ofereceram todo aporte educacional, emocional e financeiro para que o filho pudesse se dedicar aos seus estudos e mantivesse bons hábitos de vida.

O paciente vive em uma casa de alvenaria com saneamento básico e acesso a água tratada na zona urbana da cidade, com seus dois pais e sua irmã de 10 anos. Mãe e filho relatam dinâmica familiar harmônica.

Sobre o histórico familiar, a mãe e o pai são vivos e apresentam hipertensão arterial sistêmica. Sua irmã não apresenta nenhuma morbidade. Suas avós materna e paterna possuem diabetes mellitus tipo 2. Seu avô paterno já é falecido e não apresentou nenhuma doença crônica em vida. Seu avô materno tinha diabetes mellitus tipo 1 e faleceu com 68 anos.

Exame físico

Peso: 50 kg; Altura: 165 cm; Índice de Massa Corporal: 18,37 kg/m² (percentil 50); Temperatura axilar: 36,0°C.

Pressão arterial: 110×70 mmHg; Frequência cardíaca: 95 bpm; Frequência respiratória: 18 irpm.

Ao exame geral, paciente se apresentava em regular estado geral, lúcido e orientado no espaço-tempo, anictérico, acianótico, com mucosa conjuntival hipocorada +/4+ e mucosa oral e língua levemente ressecadas. Enchimento capilar de membros superiores e inferiores normal.

Sistema tegumentar: sem nenhum tipo de lesão que chame a atenção, sinal da prega desaparece um pouco mais lentamente do que o normal.

Cabeça e pescoço: sem adenomegalias e tireoide palpável, com tamanho normal e sem nódulos à palpação.

Aparelho respiratório: paciente taquipneico. Ausculta pulmonar, percussão, expansibilidade e frêmito tóraco-vocal sem alterações.

Aparelho cardiovascular: ausculta cardíaca com bulhas cardíacas normofonéticas e regulares em dois tempos, sem sopros.

Aparelho gastrointestinal: inspeção, palpação e percussão sem alterações. À ausculta, ruídos hidroaéreos normais.

Aparelho locomotor: membros superiores e inferiores sem dor à palpação e com os movimentos normais e indolores também.

Sistema neurológico: marcha e reflexos superficiais e profundos sem alterações.

Suspeitas diagnósticas

  • Diabetes mellitus tipo 1A/1B
  • Diabetes mellitus tipo 2
  • Parasitose intestinal
  • Câncer

Exames complementares

Tendo em vista o histórico do paciente e a forma repentina a qual os sintomas apareceram, Dra. Juliana solicitou alguns exames complementares para poder fechar o diagnóstico do jovem.

Inicialmente, a médica da UBS tinha como principal hipótese diagnóstica a diabetes mellitus tipo 1, devido aos sintomas apresentados e o grau de parentesco com um indivíduo da família que possuía a doença. Entretanto, outras condições não foram descartadas como alguma possível parasitose intestinal ou algum câncer, devido ao emagrecimento repentino e à letargia do paciente. Dessa forma, foram solicitados exame parasitológico de fezes, hemograma completo e as dosagens de glicemia.

Na consulta de retorno com os resultados dos exames solicitados, Dra. Juliana os analisou. Nesse sentido, observou que o rastreio parasitológico nas fezes deu negativo, o hemograma estava normal e obteve os seguintes resultados da glicemia sanguínea: glicemia de jejum – 143 mg/dl, glicemia sérica após 2h do teste de tolerância oral à glicose – 1,75 g/kg de dextrosol de 250 mg/dl e uma hemoglobina glicada (HbA1C) – 8,0%.

Logo, Dra Juliana fechou o diagnóstico de diabetes mellitus tipo 1B devido aos achados clínicos de sintomas pertinentes à doença, histórico familiar atrelados às dosagens glicêmicas acima dos padrões de referências nos exames laboratoriais e que, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), não há necessidade de repetir as dosagens já que vieram todas muito alteradas. Segue abaixo os valores de referências adotados pela SBD em suas diretrizes do ano de 2019/2020.

Fonte: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020

Diagnóstico

A confirmação da suspeita da Dra. Juliana foi possível apenas quando foram obtidos os resultados dos exames solicitados. Dessa maneira, associando os sintomas apresentados pelo paciente juntamente com os achados laboratoriais e histórico familiar foi possível confirmar o diagnóstico de diabetes mellitus tipo 1B, pois foi um quadro de natureza idiopática e inespecífica. A classificação em 1B foi devido ao fato do paciente ser jovem, saudável, apresentar IMC normal para a idade (18,37 kg/m²) e possuir casos da doença na família. Com isso descartou-se a possibilidade de ser a diabetes mellitus tipo 2, pois normalmente essa forma acomete os adultos, os idosos e pacientes obesos.

Discussão do caso de Diabetes mellitus tipo 1

1) O que é a diabetes mellitus tipo 1?

A diabetes mellitus tipo 1 é uma doença que afeta a produção de insulina pelas células beta pancreáticas. Com isso, o paciente apresenta um quadro de hiperglicemia sanguínea, devido à deficiência desse hormônio que promove a entrada da glicose para as células. Dessa forma, o indivíduo exibe um quadro metabólico o qual se relaciona ao excesso de glicose sanguínea e a deficiência dela no meio intracelular para as reações energéticas.

2) Qual a justificativa para os principais sintomas apresentados por C.A.S.?

Dentre os sintomas apresentados pelo paciente, pode-se destacar a polifagia, perda de peso, poliúria e polidipsia.

A polifagia nessa situação se relaciona com o fato do paciente não transferir a glicose para o meio intracelular, dessa forma, o organismo entende que a dieta está insuficiente, o que leva à necessidade de realizar processos como lipólise e proteólise para produção de energia. Isso tudo faz com que o sujeito tenha mais fome.

Além disso, o fato de utilizar de outras fontes como a quebra de lipídios e proteínas para conseguir  suprir a necessidade energética faz com que o indivíduo perca massa corporal, justificando dessa maneira, o emagrecimento repentino.

Outrossim, em consequência à hiperglicemia, o paciente urina mais vezes por causa da alta osmolalidade da urina, visto que a glicose é um componente livremente filtrado pelos rins, mas totalmente reabsorvido, principalmente, pelo túbulo contorcido proximal. Entretanto, em condições de excesso de glicose sanguínea, este composto não é totalmente reabsorvido e acaba saindo na urina, o que leva a um quadro clínico de poliúria visto a grande quantidade de água que é eliminada juntamente com a glicose para reduzir a concentração desse soluto. Ademais, devido a quantidade significativa  de água que é eliminada pode haver um quadro de desidratação que acarreta uma maior ingestão de água e uma sede excessiva caracterizando a polidipsia.

3) Qual a conduta?

O tratamento da diabetes mellitus no geral envolve diversas esferas, não-medicamentosas e medicamentosas, e uma equipe interdisciplinar. Por si só, já é um tratamento complexo e delicado – quando falamos da diabetes em crianças e adolescentes, fica mais ainda. São vários os relatos na literatura sobre a dificuldade em lidar com o diagnóstico e se acostumar ao novo estilo de vida, ainda mais quando o jovem possuía um estilo de vida muito sedentário e com alimentação pouco regrada antes do diagnóstico.

Felizmente, C.A.S. já é um adolescente ativo fisicamente e saudável no geral, o que de certo facilita sua adesão ao tratamento. De toda forma, não é por isso que devemos descartar a necessidade de um acompanhamento psicológico para ele e sua família, para que esse diagnóstico seja melhor enfrentado por eles. Afinal de contas, se trata de uma condição crônica e vitalícia, que exigirá atenção e cuidado pelo resto da vida de C.A.S.

De acordo com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Diabetes Mellitus Tipo 1 (BRASIL, 2019), o tratamento da pessoa com diabetes mellitus tipo 1 é composto por cinco componentes principais: educação em diabetes, insulinoterapia, automonitorização glicêmica, orientação nutricional e prática monitorada de exercício físico.

Como já exposto, na diabetes mellitus tipo 1 há uma deficiência na produção de insulina pelo organismo do enfermo. Sendo assim, o princípio da terapia medicamentosa da doença é a reposição dessa insulina, o que se faz por meio da insulinoterapia. É necessário discutir com a equipe de cuidado do paciente quais são os “alvos glicêmicos” do tratamento, que servirão de parâmetro para o ajuste das doses da insulina administrada, e também qual o melhor esquema terapêutico a ser seguido pelo paciente. Importante ressaltar que é essencial prescrever a insulinoterapia no momento do diagnóstico mesmo, a fim de reduzir os sintomas ocasionados pela deficiência da mesma. Posteriormente, o esquema vai sendo ajustado.

Há vários tipos de insulina, que variam principalmente no que diz respeito ao seu tempo de ação no organismo. O esquema terapêutico da insulinoterapia costuma ser composto por uma insulina basal (para controle metabólico nos períodos entre as refeições), uma insulina durante as refeições e outras doses de insulina que possam vir a ser necessárias para corrigir eventuais picos hiperglicêmicos.

Segundo as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020, o controle metabólico é considerado a pedra angular do manejo da diabetes. Além da dimensão medicamentosa desse controle, temos a terapia nutricional como uma grande e impactante aliada. Dessa forma, o acompanhamento com nutricionista se faz essencial para que haja um controle metabólico mais aprimorado e, consequentemente, um melhor manejo da doença.

A atividade física também possui bastante impacto no prognóstico da diabetes. Uma vez descartado a presença de risco cardiovascular no paciente, ela deve ser prescrita de maneira adequada. De acordo com as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020, a recomendação para crianças e adolescentes com diabetes é que realizem no mínimo 60 minutos diários de atividade aeróbia de moderada ou vigorosa intensidade. O exercício físico prolongado consegue aumentar a captação de glicose no nosso organismo, o que é um fator que pode colaborar muito para o manejo da doença. Como a diabetes de C.A.S. é insulinodependente, é preciso haver cuidados específicos para a realização de exercícios físicos devido ao risco da ocorrência de eventuais episódios hipoglicêmicos desencadeados pela atividade física. Sendo assim, uma medida importante é a medida da glicemia sérica pré-exercício, como sugerido pela SBD.

Fonte: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020

Quanto à educação em diabetes e à automonitorização glicêmica, cabe a todos os componentes da equipe interdisciplinar de cuidado do paciente promover esses ensinamentos para o paciente e sua família, incentivando-os a disseminá-las para as demais pessoas de seu convívio, a fim de que se crie um ambiente social acolhedor que sirva de apoio para o enfrentamento da condição do paciente.

Conclusão

O paciente em questão foi diagnosticado com diabetes mellitus tipo 1A devido aos sintomas apresentados, histórico familiar da doença e achados dos exames laboratoriais. Essa doença se caracteriza pela deficiência na produção de insulina, hormônio importante para reduzir a glicemia sanguínea e colocar a glicose no meio intracelular para ser utilizada como fonte de energia pelas células. Dessa forma, um dos pontos importantes para o tratamento da diabetes é a reposição desse hormônio.

O tratamento com insulinoterapia, segundo as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes do ano de 2020, é realizado de forma muito individualizada para cada paciente e a dose utilizada é calculada de acordo com o peso e a idade do indivíduo. Inicialmente é necessário utilizar uma dose diária total de 1 U/kg/dia e a dose será ajustada de acordo com a evolução do paciente perante a doença. O tratamento intensivo usando o esquema basal-bolus tem demonstrado bons resultados na prevenção de complicações da diabetes. Logo, o paciente poderá utilizar primordialmente a Insulina protamina neutra Hagedorn (NPH) duas vezes ao dia: uma antes de se alimentar pela manhã e outra à noite antes de deitar e com o decorrer do tratamento a utilização da NPH pode ser reajustada, podendo ser utilizada até 4 vezes ao dia.

Outrossim, o tratamento farmacológico deve ser  associado a mudanças do estilo de vida, alimentação balanceada, manutenção da prática de atividade física, uma vez que C.A.S. joga futebol semanalmente. Por fim, é relevante o acompanhamento do jovem por uma equipe multiprofissional, já que a diabetes é uma condição crônica a qual o paciente deverá realizar o tratamento e a supervisão da evolução da doença ao longo de toda sua vida.

Autores, revisores e orientadores:

Liga: LADHAS UNIFAL-MG – @ladhas.unifal

Autora : Bárbara Bianca Melo Toledo – @barbarabiancatoledo

Revisora: Paula Camelo de Almeida Santos – @paula.alm

Orientadora: Hudsara Aparecida de Almeida Paula – @wood__sara

Leituras Relacionadas

O texto acima é de total responsabilidade do(s) autor(es) e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

BRASIL. Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Diabetes Mellitus Tipo 1. Disponível em: https://www.diabetes.org.br/publico/images/pdf/Relatrio_Diabetes-Mellitus-Tipo-1_CP_51_2019.pdf. Acesso em: 03 abr. 2021.

SANTOS, J. R.; ENUMO, S. R. F. Adolescentes com Diabetes mellitus tipo 1: seu cotidiano e enfrentamento da doença. Psicologia: Reflexão e Crítica, Espírito Santos, v.16, n.2, p.411-425, 2003. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/s0102-79722003000200021. Acesso em: 04 abr. 2021.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020.  Clannad, 2019 – 2020. Disponível em: https://www.diabetes.org.br/profissionais/images/DIRETRIZES-COMPLETA-2019-2020.pdf. Acesso em: 02 abr. 2021.

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