Urgência e Emergência

Caso Clínico de Sepse de foco urinário

Caso Clínico de Sepse de foco urinário

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Caso clínico de sepse de foco urinário: tudo o que você precisa saber para sua prática clínica!

Depois de ter lido sobre o diagnostico, manejo inicial, terapia de suporte e sobre uso de drogas vasoativas no choque séptico, é hora de por em prática o seu conhecimento com esse caso clínico de sepse secundário a infecção urinária!

Caso clínico de sepse secundário a infecção urinária

Para melhorar a compreensão, o estudo será direcionado por meio de um caso clínico:

História

ID: LMB, 74 anos, feminino.

QP: Febre e vômitios há 1 dia

HMA: Paciente acompanhada da filha que relata história de disúria e polaciúria há 6 dias, evoluindo com inapetência, adinamia, febre, calafrios e dor lombar há 1 dia, chegando a medir em 38,2ºC hoje pela manhã, reduzindo após uso de dipirona.

Além disso, refere 1 episódio de vômito pouco antes de chegar ao hospital. Relata que mãe está fraca, sonolenta e confusa desde hoje pela manhã, nega demência prévia.

Nega tosse, dispneia, dor abdominal, vômitos, diarreia e cefaleia. Refere quadro parecido com disúria há 4 semanas, melhorando após uso de Ceftriaxone por 7 dias, traz urocultura antiga com E. coli resistente à Ciprofloxacina.

ANTECEDENTES: HAS e DM2, não tendo acompanhamento médico há 1 ano e meio. Nega alergias e cirurgias. Nega etilismo e tabagismo.

Exame físico

  • Paciente em regular estado geral, taquipneica, pele fria e pegajosa, sonolenta, levemente descorada.
  • Expansibilidade preservada, taquipneica, murmúrios bem distribuídos sem ruídos adventícios
  • TEC = 5 segundos, BRNF em 2T, pulsos finos e rápidos
  • Abdome semigloboso às custas de panículo adiposo. RHA +. Sem sinais de irritação peritoneal. Giordano positivo à esquerda.
  • Glasgow 11 (Resposta ocular: 3 / Resposta verbal: 3 / Resposta motora: 5). Ausência de déficts focais.

Monitorização

Caso clínico de sepse secundário a infecção urinária: pontos de discussão

  1. Quais os possíveis diagnósticos síndromes dessa paciente?
  2. Qual o diagnóstico etiológico?
  3. Quais os exames complementares que você pediria para essa paciente?

DISCUSSÃO nº 1

Analisando primeiro a história clínica dessa paciente: Paciente com 74 anos, que começou com um quadro de provável cistite (polaciúria e disúria), que evoluiu com um quadro sistêmico, nos fazendo pensar que a infecção ascendeu se configurando agora como uma pielonefrite. Os sinais e sintomas que sustentam essa evolução do quadro são: febre, dor lombar (com Giordano positivo) e sinais sistêmicos como adinamia, vômitos, inapetência. Porém devemos lembrar que a paciente é idosa que, geralmente, não cursam com febre. Além disso notar sinais de Delirium: paciente ficou sonolenta e confusa. Nesse caso, podemos pensar que esses sinais também podem ser uma evolução para um quadro de Choque.

Pronto, estabelecemos que a paciente tem uma possível infecção e tá evoluindo com um quadro grave. O que não podemos deixar de pensar? Em SEPSE! Na emergência, podemos usar o qSOFA para avaliar prognóstico da paciente e analisar se devemos pedir os exames para avaliar disfunção orgânica e calcularmos o SOFA. Essa paciente tem os 3 pontos do qsofa pontuando:

  • FR >= 22 ipm
  • PAS < 100 bpm
  • Alteração do estado mental

Logo, devemos realizar os exames do SOFA. Mesmo sem esses exames essa paciente já pontua no SOFA, já que ela tem alteração do estado mental (glasgow 11) e PAM diminuída (PAM < 70), somando um total de 3 pontos. Logo, já podemos diagnosticar sepse nessa paciente: infecção + SOFA >= 2.

Exames complementares a serem pedidos

  • Glicemia capilar (todo paciente grave deve realizar o HGT, ainda mais essa paciente que está com alteração no estado mental e é diabética)
  • Hemogasometria arterial com lactato
  • Hemograma e provas inflamatórias
  • Bilirrubinas, TGO e TGP
  • Ureia e Creatinina
  • Eletrólitos
  • 2 Hemoculturas
  • Urocultura
  • Sumário de Urina
  • Raio-X de Tórax
  • ECG
  • Sondagem vesical e quantificar diurese

Mesmo sem os resultados desses exames e mesmo sem termos diagnosticado sepse, já deveríamos estabelecer algumas condutas gerais:

  • Paciente se encontra com dispneia e saturando a 91%, faz-se necessário colocação de dispositivo de via aérea (cateter nasal, máscara de venturi ou máscara não reinalante).
  • Existem sinais de choque, tanto na monitorização (PAM < 65mmHg, taquicardia, dispneia), quanto no exame físico (alteração do estado mental, tempo de enchimento capilar aumentado, pele fria e pegajosa, pulsos finos e rápidos). Logo, se faz necessário, pelo menos, iniciar uma reposição volêmica, utilizando cristaloide (soro fisiológico ou ringer lactato).
  • Avaliar se o dispositivo utilizado melhorou os paramêtros respiratórios.
  • Avaliar se reposição volêmica foi suficiente, se não, pensar em droga vasoativas (inicialmente noradrenalina).

No entanto, você é fera e se atentou de cara que a paciente estava com um quadro séptico de foco urinário, logo, devemos iniciara condutas em até uma hora da entrada da paciente na emergência, de acordo com Blunde de 1 hora da SEPSE:

Exames complementares e seus valores de referência

LaboratórioValores obtidosValores de referência
Hemoglobina9,2 g/dL12 – 15,5 g/dL
Hematócrito33,6%35 – 45 %
Leucócitos12.100 cél/mm35.000 – 10.000 /mm3
Neutrófilos8.400 /mm31.600 – 7.700 / mm3
Bastonetes5%0 – 4%
Plaquetas120 mil150 – 450 mil
Creatinina1,3 mg/dL0,8 – 1,2 mg/dL
Ureia 67 mg/dL15 – 45 mg/dL
Bilirrubina total0,9 mg/dLaté 1,2 mg/dL
TGO14 U/L5 – 40 U/L
TGP20 U/L7 – 53 U/L
K+4,9 mmol/L 3,5 – 5,5 mmol/L
Na+136 mmol/L 135 – 145 mmol/L
PCR120 mg/dLaté 0,3 mg/dL

Outros exames:

  • HGT: 220 g/dL
  • Hemogasometria: acidose metabólica (aguardem nosso post sobre como avaliar a gasometria)
  • Lactato: 3,2 mmol/L
  • Sumário de urina com numerosas bactérias, glicosúria (+/4+), nitrito positivo, hematúria e leucocitúria
  • Hemoculturas e urocultura colhidas, ainda sem resultado.
  • Raio-X de Tórax sem alterações
  • ECG normal

PONTOS DE DISCUSSÃO nº 2:

  1. Qual sua conduta imediata para corrigir a hipotensão?
  2. Como diagnosticar e tratar o choque séptico
  3. Qual a terapia de suporte?

Já foi realizado a reposição volêmica nessa paciente e ela continua hipotensa, com PAM de 62 mmHg. Nossa meta de PAM é acima de 65 mmHg, logo devemos iniciar droga vasoativa para essa paciente, a droga inicial é a noradrenalina. Iniciamos com a dose de 0,1 mcg/kg/min e titulamos até alcançarmos a meta de PAM. Se por acaso, chegarmos entre 0,5-0,7 mcg/kg/min e o paciente ainda se encontra hipotenso, devemos iniciar uma segunda droga vasoativa: vasopressina (de preferência) ou adrenalina. A dobutamina fica reservada para casos em que a PAM já foi alcançada porém ainda permanece com sinais de hipopoperfusão tecidual, um exame que nos ajuda a identificar esses casos é o ecocardiograma a beira leito.

Além disso, a paciente se encontra em choque séptico: sepse que mentém hipotensão apesar de reposição volêmica, com necessidade de uso de vasopressor e lactato > 2mmol/L. Resumo das drogas vasoativas no quadro abaixo:

De acordo com os exames laboratoriais, a paciente se encontra já com disfunção renal e hematológica. Mas esse valor de plaqueta nos permite transfundir? E anemia da paciente, transfundo concentrado de hemácias? Glicemia capilar veio alterada, mas qual valor almejamos? Essas e outras terapias de suporte você pode conferir aqui:

PRESCRIÇÃO

Abaixo você encontra um exemplo de prescrição para esse caso!

Lembrar que a paciente já usou Ceftriaxone em casos passados. Além disso, devemos descalonar antibiótico após cultura e antibiograma.

1. Repouso absoluto com cabeceira a 45ºC
2. Dieta segundo nutrologia
3. Monitorização multiparamétrica + PAM invasiva + Catéter venoso central
4. Máscara não-reinalante 12L/min
5. Ringer lactato, 2000mL, IV, 28gts/min
6. Ringer lactato, 1500mL, IV, correr aberto, no momento
7. Noradrenalina, solução padrão, IV, em BIC, ACM, iniciar em 10ml/h
8. Cefepime, 1g, IV, 12/12h
9. Clexane, 40 mg, SC, 1x ao dia
10. Omeprazol, 40mg, IV, 1x ao dia, em jejum
11. Dipirona 1g, IV, 6/6h, se febre
12. Ondansetrona 4mg, IV, 8/8h, se náuseas ou vômitos
13. Escopolamina, 10mg, IV, 6/6h, se dor lombar
14. Glicose 50%, 04 amp, IV, diluído, se HGT < 70 mg/dL
15. Insulina Regular, SC, conforme HGT: até 140 – não fazer; 141 a 180 – 2 UI; 181 a 220 – 4 UI;221 a 260 – 6 UI;  261 a 300 – 8 UI; 301 a 350 – 10 UI; 351 a 400 – 12 UI + chamar MP
16. Fisioterapia motora
17. Sinais vitais + curva térmica 4/4h + cuidados gerais + HGT 6/6h
18. Sonda vesical de demora + Quantificar balanço hídrico

Referência bibliográfica

  1. The Surviving sepsis campaign bundle: 2018 Updtate
  2. Surviving sepsis campaign 2016
  3. Yellowbook, 2° edição

Sugestão de leitura complementar