A crise tireotóxica (CT) consiste na complicação mais grave do hipertireoidismo, sendo caracterizado como um quadro raro.
Historicamente, a CT foi descrita pela primeira vez por Lahey em 1926 como “a crise exoftálmica do bócio”. No mundo, essa doença apresenta alta taxa de mortalidade, chegando a ocasionar um desfecho fatal em cerca de 30% dos pacientes acometidos por essa crise.
No contexto epidemiológico, esse quadro acomete principalmente mulheres, com idade entre 30 e 60 anos, previamente diagnosticadas com doença de Graves.
Apesar de ser rara, o diagnóstico precoce da crise tireotóxica é essencial para iniciar o tratamento e evitar o desfecho fatal.
Pensando em te ajudar na sua prática clínica, a equipe Sanar Pós Graduação reuniu as principais informações sobre essa patologia neste conteúdo. Aproveite a leitura!
Entendendo a crise tireotóxica
A crise tireotóxica consiste em uma condição clínica grave, que é causada pela exacerbação abrupta do estado hipertireóideo. Nesse estado, ocorre a descompensação de um ou mais órgãos do paciente.
Apesar de acometer mais pacientes com doença de graves, também pode ocorrer em pacientes com adenoma tóxico ou bócio multinodular tóxico.
Há um desafio no manejo dessa doença no quesito definição de diagnóstico. Isso ocorre porque a maioria dos dos sintomas da crise tireotóxica podem estar presentes na tireotoxicose não complicada. A principal diferença entre essas duas condições está na intensidade dos sintomas.
Qual a fisiologia da crise tireotóxica?
Estudos mostram que para que haja uma transição da tireotoxicose simples para a crise tireotóxica é necessário um fator desencadeante.
No geral, os principais pacientes acometidos são:
- Os não tratados para hipertireoidismo
- Aqueles que estão realizando tratamento inadequado;
- Pacientes submetidos a eventos agudos precipitantes, sendo as infecções mais frequentes
A crise tireotóxica também pode ser precipitada por cirurgias tireoidianas e extratireoidianas, anestesia, estresse e depleção de volume, visto que esses fatores causam aumento das concentrações de hormônios tireoideos livres.
Manifestações clínicas
Os sintomas estão relacionados a exacerbação da tireotoxicose, hipermetabolismo e manifestações adrenérgicas.
Dentre os principais sintomas gerais, é comum que ocorra:
- Sudorese profusa;
- Tremores;
- Síndrome consumptiva; e
- Febre.
Outros sintomas da crise tireotóxica
Além desses sintomas gerais, a CT pode acometer diferentes sistemas. Os sintomas neuropsiquiátricos, por exemplo, incluem agitação, delirium e alterações do nível de consciência.
No sistema cardiovascular, os pacientes podem apresentar taquicardia e fibrilação atrial. Essas alterações podem ser observadas em pacientes sem doenças cardíacas prévias.
Nos casos mais graves, esses indivíduos podem evoluir para:
- insuficiência cardíaca,
- edema agudo de pulmão e
- choque.
No sistema gastrointestinal, há uma apresentação de diarreia, vômitos e dor abdominal difusa.
Além disso, as manifestações hematológicas são um importante fator de mortalidade, visto que a CT propicia um estado de hipercoagulabilidade
Como fazer o diagnóstico da síndrome tireotóxica?
O diagnóstico de crise tireotóxica é baseado na apresentação clínica. Por isso, é essencial realizar uma anamnese e um exame físico de qualidade, além de ter o relato de familiares sobre história de hipertireoidismo do paciente.
Na avaliação laboratorial da função tireoidiana podemos observar o mesmo padrão encontrado no hipertireoidismo:
- Elevação dos níveis séricos dos hormônios da tireoide
- Supressão do TSH
Como o diagnóstico depende de julgamento clínico, é recomendado que pacientes com suspeita de crise tireotóxica sejam tratados como tendo a condição.
Escore clínico para se guiar
Em 1993, Burch e Wartofsky trouxeram critérios para avaliação objetiva dos pacientes com suspeita de CT.
Para essa avaliação, foram utilizados pontos de corte para o diagnóstico de crise tireotóxica:
Outros critérios de diagnósticos
Nos últimos anos, novos critérios foram propostos. Contudo, envolvem as mesmas alterações apresentadas no critério anterior:
- Combinação de tireotoxicose
- Alterações em sistema nervoso central
- Taquicardia
- Insuficiência cardíaca
- Alterações em sistema gastrintestinal
- Febre
Manejo do paciente
O tratamento da CT deve ser iniciado quando há suspeita diagnóstica. Isso deve ser realizado devido ao elevado índice de mortalidade.
De preferência, o paciente deve ser levado para UTI, com monitoramento e acompanhamento de equipe multidisciplinar.
As opções terapêuticas podem incluir:
- Bloqueio da síntese hormonal;
- Bloqueio da liberação de hormônios tireoideos;
- Bloquear a conversão periférica de T4 em T3;
- Depuração aumentada de hormônios tireóideos com colestiramina; e
- Bloqueio das manifestações periféricas do excesso de hormônios tireóideos.
E o que fazer em casos onde as medidas farmacológicas não são suficientes?Nessas circunstâncias, torna-se necessário recorrer a medidas mais drásticas, como a plasmaferese. Esse procedimento é uma alternativa rápida e eficaz, embora também mais invasiva.

Caso clínico: como seria atender um paciente com crise tireotóxica?
Estudar e resolver casos clínicos é uma ótima forma de conseguir ter mais visibilidade dos conhecimentos teóricos. Por isso, separamos um caso clínico para você notar como aconteceria na prática um diagnóstico e a indicação de tratamento.
História clínica
Paciente do sexo feminino, 45 anos, sem histórico prévio de doenças tireoidianas, apresenta-se no pronto-socorro com sintomas agudos, incluindo taquicardia, agitação, sudorese intensa e febre.
Exames iniciais
- Realização de exames sanguíneos para medir os níveis de hormônios tireoidianos (T3 e T4) e TSH.
- Resultados revelam elevação de T3 e T4, com redução significativa de TSH, sugerindo hiperatividade tireoidiana.
Avaliações complementares
- Avaliação da função cardíaca: eletrocardiogramas (ECG) são realizados para detectar arritmias associadas à tireotoxicose.
- Exclusão de outras causas: investigação para descartar feocromocitoma e intoxicação medicamentosa como possíveis causas dos sintomas.
- Exame de imagem e avaliação da gravidade: realização de ultrassonografia da tireoide para avaliar morfologia e função da glândula. Com base nos resultados dos exames e na avaliação clínica, determina-se a gravidade da crise tireotóxica.
Tratamento
- Administração imediata de beta-bloqueadores para controlar a frequência cardíaca e medicamentos antitireoidianos para reduzir a produção hormonal.
- Em situações graves ou resistência ao tratamento convencional, considera-se a plasmaferese para remoção rápida de hormônios tireoidianos circulantes.
É importantíssimo monitorar o paciente e a resposta ao tratamento, para realização de ajustes se necessário.
No quesito tratamento a longo prazo, podem ser utilizados medicamentos antitireoidianos, terapia com iodo radioativo ou cirurgia, dependendo da causa identificada.
Identificação da causa subjacente
- Após estabilização, investigações adicionais são realizadas para identificar a causa subjacente da crise tireotóxica, como doença de Graves ou tireoidite.
Referências bibliográficas
- ALMEIDA, et. al. Crise tireotóxica. Disponível em:
. Acesso em 24 de Outubro de 2022. - Devereaux D, Tewelde SZ. Hyperthyroidism and Thyrotoxicosis. Emerg Med Clin N Am. 2014; 32:277-92.
- Klubo-Gwiezdzinska J, Wartofsky L. Thyroid Emergencies. Med Clin N Am. 2012; 96:385-403. 5.
Sugestão de leitura complementar
Esses artigos produzidos pelo Dr. Alexandre Câmara, médico clínico e endocrinologista pela USP-SP, também podem ser do seu interesse:
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Confira também a videoaula do curso de emergências e urgências médicas do Cremego* sobre o tema em situações de crises tireotóxicas:
*Cremego: Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás