Carreira em Medicina

ECG dos bloqueios de ramo e divisionais

ECG dos bloqueios de ramo e divisionais

Compartilhar
Imagem de perfil de Carreira Médica

Você sabe identificar bloqueios de ramo no ECG? Confira nosso texto e aprenda a laudar mais facilmente um eletrocardiograma!

Algumas patologias e alterações do coração podem ser visualizadas no eletrocardiograma. Uma dessas altarações é o bloqueio de ramo, que é uma doença que se caracteriza por apresentar um atraso ou obstrução no percurso dos impulsos elétricos que fazem parte do funcionamento adequado do órgão.

Esse bloqueio pode ser de forma total ou de forma parcial. Pode ainda ocorrer nos ramos direitos ou no esquerdo do feixe de His.

Confira abaixo como é o sistema de condução do coração e quaisas consequências de um bloqueio. Além disso, tenha acesso à padrões de ECG sobre o tema, o que vai te ajudar a identificar rapidamente quando estiver diante de um.

Como é o sistema de condução e o que pode acontecer se ele sofrer um bloqueio?

Primeiramente, o sistema de condução ventricular é formado por dois ramos: direito e esquerdo.

De acordo com a teoria trifascicular de Rosenbaum, o ramo direito é dividido na rede Purkinje em divisões específicas. Já o ramo esquerdo em fascículos anterossuperior e posterior-inferior.

Então, todos estes ramos e fascículos terminam em uma intrincada rede de células especializadas chamadas fibras de Purkinje. A partir delas, ganham o músculo cardíaco (Figura 1).

Fibras Cardíacas: Potencial de Ação e mais! - Sanar Medicina
Figura 1. Anatomia do sistema de condução ventricular. Assim, do feixe de His, o estímulo elétrico ganha os ramos esquerdo e direito. Então, o ramo esquerdo se subdivide em fascículos (anterossuperior e póstero-inferior). Por fim, todos terminam em intrincadas fibras de Purkinje.

Um distúrbio mais grave de condução do ramo direito ou esquerdo fará com que os ventrículos se despolarizem mais lentamente. Isso leva a um alargamento do complexo QRS ≥ 120 ms (três quadradinhos) – esse é o primeiro critério de um bloqueio de ramo! Mas calma, tem alguns outros critérios que precisam ser observados para o laudo de um bloqueio de ramo.

Gosta de ECG? Então clique nesse post para saber como aprender esse exame de vez!

ECG dos bloqueios de ramo e divisionais: Bloqueio de Ramo Direito

O bloqueio de ramo direito (BRD), e também o esquerdo, pode acontecer em três graus:

  • Primeiro grau, primeiramente, é caracterizado por um atraso de condução ;
  • Segundo grau, entretanto, pela intermitência no bloqueio;
  • Terceiro grau significa que o estímulo não consegue mais ativar aquela área pelo caminho normal.

O bloqueio de terceiro grau (Figura 2) é melhor chamado de “avançado” que “completo”. Isso porque ainda há algum grau de passagem de estímulo, mas esta se dá de maneira tão lenta que o estímulo do ventrículo oposto atravessa o septo interventricular. Isso acaba despolarizando o ventrículo bloqueado célula-a-célula antes mesmo do final do atraso¹.

Figura 2. Bloqueio avançado de ramo direito (terceiro grau). O complexo QRS dura  ≥ 120ms, há uma onda S empastada em D1 e V6, bem como uma onda R lenta em aVR. V1 apresenta padrão qR e não rSR’, sendo sugestivo de associação do BRD com sobrecarga atrial e ventricular direita.

O BRD de primeiro grau, chamado pela Diretriz Brasileira como “atraso de condução pelo ramo direito”, é caracterizado por:

  • (a) ter um complexo QRS ainda dentro dos limites da normalidade (< 120 ms);
  • (b) uma pequena e estreita onda S em D1 e V6;
  • (c) uma onda r com as mesmas características em aVR;
  • (d) Em V1, observamos um padrão de rsr’ com amplitude variável da r’ (Figura 3).
Figura 3. Atraso de condução pelo ramo direito (bloqueio de ramo direito de primeiro grau). Observe a onda S de curta duração em D1 e V6, bem como a onda R curta em aVR. V1 apresenta um complexo QRS de conformação rSr’. A duração do complexo é <120ms.
Figura 4. Padrão rsr’ visto em casos de bloqueio de ramo direito de primeiro grau. Assim, observe que o complexo QRS dura menos que 3 quadradinhos. Portanto, dura menos que 120 ms.

Características do BRD de terceiro grau

O BRD de terceiro grau, por sua vez, apresenta como característica fundamental um complexo QRS que dura mais que 3 quadradinhos, ou seja, > 120 ms. Nestes casos, assim, a onda S em D1 e V6 será prolongada e “empastada”. O r em aVR, por sua vez, também seguirá o mesmo caminho.

E em V1, agora teremos um padrão do tipo rsR’ (padrão da orelha de coelho – Figura 5) com uma porção final bastante empastada (BRD do tipo Grishman) (Figuras 6 e 7).

Figura 5. Sinal da orelha de coelho em V1, que indica, assim, bloqueio de ramo direito.

Bloqueio de Ramo Direito Tipo Grishman

Na figura 6 abaixo, perceba o padrão rSR’ e a duração do complexo QRS ≥ 120 ms.

Figura 6. Bloqueio de ramo direito do tipo Grishman em V1.

Bem como em V1 disposto na figura, é esperado que V2 e V3 tenham ondas T invertidas ao empastamento, ou seja, apontando para baixo.

Já na figura 7, o complexo QRS dura > 120 ms, há uma onda S empastada em D1 e V6.

Além disso, há uma onda R lenta em aVR. Por fim, V1 apresenta padrão qR e não rSR’, ou seja, sugestivo de associação do BRD com sobrecarga atrial e ventricular direita.

ECG dos bloqueios de ramo e divisionais
Figura 7. Bloqueio avançado de ramo direito (terceiro grau).

Sinal de Sodi-Pallares e BRD do tipo Cabrera

Além disso, em casos de sobrecarga ventricular direita, V1 pode apresentar padrão qR (sinal de Sodi-Pallares). Ou ainda R pura (BRD do tipo Cabrera)² ³ ⁴ (Figura 8).

Figura 8. BRD de terceiro grau tipo Cabrera: R puro em V1.

No bloqueio avançado do ramo direito, a onda T se inverte ao bloqueio, representado no eletrocardiograma pelo empastamento. Portanto, em V1 e V2 (e às vezes até em V3) a onda T será negativa, inversa à R’.

Tabela Resumo

A tabela 1 resume os critérios de bloqueio de ramo direito de primeiro e terceiro graus.

Tabela 1. Resumo dos achados eletrocardiográficos dos diferentes graus de bloqueio de ramo direito

ECG dos bloqueios de ramo e divisionais: Bloqueio de Ramo Esquerdo

No BRE de primeiro grau, parte do septo esquerdo despolariza através do estímulo proveniente do ramo direito (por isso há perda da onda q em D1 e aVL). Mas a maior parte da massa ventricular esquerda consegue ser despolarizada pelo ramo esquerdo, como de costume (Figura 9).

Figura 9. Bloqueio de ramo esquerdo de primeiro grau. QRS ≤ 120 ms, perda da q septal em D1, aVL e V6. Perda da r septal em V1. Há notch na fase inicial do complexo em aVL, mas que não define bloqueio de terceiro grau. Não há alterações na repolarização ventricular.

O BRE de primeiro grau tem como padrão eletrocardiográfico a perda da onda q septal em D1, aVL, V5 e V6 e onda r em V1. A duração do QRS ainda é menor que 120ms. Pode haver notchs, mas na porção ascendente da primeira deflexão, simulando uma onda delta de pré-excitação ventricular (Figura 9).

Critérios para BRE

Os critérios eletrocardiográficos para BRE avançado (ou de terceiro grau) são:

  • Ausência de onda q septal em D1, aVL e V6; QRS ≥ 120ms;
  • Presença de notch ou slurring (padrão de torre de xadrez ou Torre do Senhor dos Anéis – critério obrigatório – Figura 10) na porção media do QRS em mais que duas derivações: V1, V2, V5, V6, D1 e aVL (Figura 11); padrão QS ou rS em V1.
Figura 10. Sinal da torre de xadrez ou do senhor dos anéis. Um critério obrigatório para o diagnóstico de bloqueio de ramo esquerdo avançado.
Figura 11. Bloqueio de ramo esquerdo avançado ou de terceiro grau. Ausência de q em D1 e aVL, rS em V1, notch em D1, aVL, V5 e V6, QRS ≥ 120 ms. A onda T é oposta ao atraso: se o complexo é positivo, a T é negativa.

No bloqueio de ramo esquerdo, é normal haver inversão completa entre as polaridades do complexo QRS e do segmento ST-T. Ou seja, todas as T estarão invertidas ao QRS⁵.

Na era da ressincronização cardíaca, alguns autores têm considerado o bloqueio de ramo esquerdo apenas quando o QRS tem duração ≥ 140ms ⁶.

Em um bloqueio periférico do ramo esquerdo, os critérios são basicamente os mesmos. Exceto que isso pode significar uma doença muscular mais extensa, portanto um QRS mais largo é esperado.

Tabela resumo

A tabela 2 resume os achados eletrocardiográficos do BRE de primeiro e terceiro graus.

Tabela 2. Resumo dos achados eletrocardiográficos do BRE avançado e parcial

Reconhecendo o bloqueio de ramo em 1 segundo

Imagine que você está dirigindo um carro e precisa virar em uma rua à direita ou à esquerda (“regra da seta do carro”). Para onde você empurra a seta do farol quando quer virar à direita? Para cima.

O complexo QRS em BRD é para cima em V1. Para onde você empurra a seta do farol quando quer virar à esquerda? Para baixo. O complexo QRS em BRE é para baixo em V1.

Esta é uma generalização rasteira, mas serve aos que estão iniciando na arte do eletrocardiograma (Figura 12).

Figura 11. Regra da Seta do Carro

Bloqueios divisionais do ramo esquerdo – BDAS e BDPI

No ECG, para o reconhecimento dos atrasos de condução fasciculares, nós precisamos determinar o eixo do complexo QRS no plano frontal.

Isso porque o incremento na duração do QRS é menor do que aquele encontrado nos bloqueios de ramos. Porque aqui não existe a necessidade de transmissão do impulso através do septo para o ventrículo oposto que não está bloqueado⁷.

Vou enfatizar para ficar fácil para o leitor menos experiente: o que salta aos olhos num ECG de bloqueio divisional é o desvio do eixo elétrico do complexo QRS. Viu desvio de eixo, pense em bloqueio divisional.

Tabelas resumos

Os critérios para os bloqueios divisionais estão dispostos nas tabelas 3 e 4:

Tabela 3:

Tabela 3. Critérios diagnósticos para bloqueio divisional anterossuperior

Tabela 4:

Tabela 4. Critérios diagnósticos para BDPI

Figuras ilustrativas dos BDAS

Veja as figuras com padrões de ECG dos BDAS:

Bloqueio da divisão anterossuperior

As figuras 13 e 14 ilustram BDAS (bloqueio da divisão anterossuperior):

Figura 13. BDAS de 3º grau. Observe a onda q em D1 e aVL, o padrão rS em D2 e D3, com S D3 > S D2.
Figura 14. BDAS de 3º grau. Observe a onda q em D1 e aVL, o padrão rS em D2 e D3, com S D3 > S D2.

Bloqueio da divisão póstero-inferior

As figuras 15 e 16 ilustram BDPI (bloqueio da divisão póstero-inferior):

Na figura 15 é possível observar o desvio de eixo para direita, o padrão qR em D2, D3 e aVF, com R de D3 > R de D2.
Já na figura 16, observe o desvio de eixo para direita, o padrão qR em D2, D3 e aVF, com R de D3 > R de D2.

Bloqueios periféricos ou bloqueios das fibras de Purkinje

O bloqueio intraventricular, “periférico” ou “de Purkinje” traduz doença ventricular extensa.

Essa doença acabou danificando as fibras de Purkinje, gerando um QRS mais largo. Mas com a importante marca de ausência de critérios eletrocardiográficos clássicos para BRE: pode não haver notchs, pode haver onda q em D1 e aVL, etc… (Figuras 17 e 18).

Figura 17. Bloqueio “periférico” do ramo esquerdo.

Perceba que neste ECG da figura 17 existe claramente um complexo QRS alargado (em torno de 150 ms). Entretanto, não se consegue obter critérios de bloqueio de ramo direito ou esquerdo.

Portanto, há critérios para bloqueio da divisão anterossuperior do ramo esquerdo. Mas isso não é suficiente para explicar o atraso final da ativação ventricular. Assim, estamos diante de um bloqueio periférico do ramo esquerdo.

Figura 18. Bloqueio “periférico” do ramo esquerdo.

No caso da figura 18, perceba, então, a ausência de critérios clássicos de BRE (aqui só vemos notch em uma derivação – V5) e também de bloqueio da divisão anterossuperior.

Além disso, está associado a um complexo muito alargado (em torno de 160 ms) e uma possível sobrecarga ventricular esquerda (se contarmos critérios de SVE + BRE, ainda não fechou. Mas existem critérios de SVE + BDAS).

Pontos chave de aprendizado: ECG dos bloqueios de ramo e divisionais

Assim, os tópicos mais importantes para você lembrar sobre ECG dos bloqueios de ramo e divisionais são:

  • O sistema de condução ventricular é composto pelo sistema His-Purkinje. Assim, o feixe de His emite os ramos esquerdo e direito; o ramo esquerdo se subdivide em fascículos anterossuperior e póstero-inferior. Todos estes, então, terminarão em uma intrincada rede de fibras entremeadas em células miocárdicas chamadas fibras de Purkinje.
  • O bloqueio de ramo direito pode ser de primeiro, segundo ou terceiro grau. O de terceiro grau, ou avançado, por sua vez, possui o clássico “sinal da orelha de coelho” com rsR’ em V1.
  • Já o bloqueio de ramo esquerdo pode ser de primeiro, segundo ou terceiro grau. No caso do de terceiro grau, ou avançado, possui o clássico “sinal da torre de xadrez ou senhor dos anéis” com notches em várias derivações.
  • Os bloqueios divisionais são suspeitados quando houver desvio de eixo cardíaco e quando seus critérios forem respeitados.
  • Quando existir um achado de algo que parece com BRE mas não possui o clássico sinal da torre deve fazer pensar em bloqueio de Purkinje como consequência de doença miocárdica extensa.

Manual de ECG

Esse texto sobre o ECG dos bloqueios de ramo e divisionais foi escrito pelo Eletrofisiologista Dr. José Nunes de Alencar Neto, autor do Manual de ECG. Ele é mais um livro da Sanar que te ajuda na sua prática médica.

Manual de ECG

Manual de ECG da Sanar conta com 31 capítulos, divididos em quatro seções:

  1. Bases do ECG – aqui você encontrará os principais fundamentos do método diagnóstico;
  2. Arritmias – aqui você encontrará temas como extrassístoles, taquicardias e canalopatias;
  3. Avançado – aqui você encontrará temas como ECG em Ergometria, em Pediatria e em Marca-passo;
  4. ECG em uma página – por fim, aqui você encontrará informações valiosas sobre os principais capítulos do livro resumidos em uma página. É uma maneira de encontrar o conteúdo mais importante de modo resumido e rápido ao fim do livro.

Não perca tempo! Adquira agora o seu Manual de ECG e aprenda a laudar todos os ECGs de forma rápida e acertiva.

Sugestão de leitura complementar

Referências