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Pielonefrite: etiologia, como diagnosticar e manejar o paciente

Pielonefrite: etiologia, como diagnosticar e manejar o paciente

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Entenda o que é a pielonefrite, sua etiologia, como identificar a doença e conduzir o melhor tratamento para o seu paciente. Bons estudos!

A pielonefrite é a resposta inflamatória à infecção nas vias urinárias. Por ser uma doença aguda, podendo acometer pacientes de diversas faixas etárias, é fundamental que o médico esteja familiarizado com seus cuidados.

Uma breve revisão da anatomia das vias urinárias

Compreender a anatomia das vias urinárias é fundamental para entender o quadro da pielonefrite.

A princípio, reconhecemos que o sistema urinário tem como componentes os:

  • Rins;
  • Ureteres;
  • Bexiga urinária;
  • Uretra.

O objetivo final dos componentes urinários é apenas um: verter todas as excretas metabolizadas para fora do organismo, através da urina. Por esse motivo, todo o sistema que compõem as vias urinárias possui uma relevância grande para o processo.

pielonefrite
Figura 1: Ilustração anatômica das vias urinárias e alguns vasos sanguíneos de relevância na região abdominal.

O que é a pielonefrite?

A pielonefrite é uma infecção do trato urinário considerada complicada.

Pensando nisso, o que leva a pielonefrite a ser considerada um quadro complicado é a presença de sintomas característicos, que discutiremos adiante. Assim, caso não sejam apresentados sintomas, a infecção urinária é considerada simples, chamada de cistite e, por isso, anatomicamente “baixa”.

É importante reforçar que, além da preocupação com as vias urinárias altas, no caso dos homens o envolvimento prostático também deve ser considerado.

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Figura 2: Ilustração de rim com infecção, considerada pielonefrite.

Causas: o que pode levar à pielonefrite?

Como comentamos, a pielonefrite é uma doença infecciosa causada por bactérias. Essa é uma informação importante a ser transmitida ao seu paciente, a fim de que ele possa compreender como evitar a doença.

Com base nisso, entende-se que a pielonefrite é causada – em 90% dos casos – pela bactéria Escherichia coli, apelidada de E. coli. Essa bactéria gram negativa é conhecida por causar outras infecções, como as intestinais. Assim, a E. coli é conduzida ao sistema urinário de maneira externa, através do seu contato com a uretra e sua ascenção.

Ao alcançar a uretra, a E. coli ascende pela bexiga, ureteres alcançando a pelve renal e os rins. Com isso, o quadro resultante dessa infecção nas vias urinárias altas é o que conhecemos como pielonefrite.

Além da Escherichia coli, outras bactérias podem causar a pielonefrite. Algumas delas são:

  1. Proteus;
  2. Klebsiella;
  3. Enterobacter;
  4. Pseudomonas.

Com isso em mente, sabemos que não apenas a via direta pelo sistema urinário pode resultar na pielonefrite. Pensando nisso, a via hematogênica, embora menos comum, é certamente mais potencialmente grave. De maneira geral, no caso de a infecção ser disseminada pela via sanguínea, a bactéria pode se espalhar para outros órgãos, iniciando o processo de sepse.

Fatores de risco: quem está mais vulnerável à pielonefrite?

Ao compreendermos a anatomia e fisiologia das vias urinárias, identificamos uma série de mecanismos de defesa estruturais. Certamente, esses mecanismos são fundamentais para evitar muitos dos possíveis casos de pielonefrite.

Apesar disso, nem todas as condições que favorecem a pielonefrite podem ser evitadas. Por isso, é fundamental conhecer os fatores que aumentam o risco do seu paciente desenvolver a doença. Somente assim você poderá orientá-lo da melhor maneira.

O primeiro fator de risco para a pielonefrite e todas as infecções urinárias em geral é ser do sexo feminino. Vários são os fatores que justificam esse fato. Um deles é o tamanho da uretra feminina – cerca de 3cm -, em comparação à masculina, com cerca de 12cm.

Além disso, a posição anatômica da uretra feminina contribui para a ocorrência de episódios de ITU. Por estar localizada mais próxima ao ânus do que a uretra masculina, as chances de contato com as bactérias advindas do aparelho digestivo são maiores.

Outros fatores que favorecem a pielonefrite são:

Identificando a pielonefrite: quais os sinais e sintomas do quadro?

A apresentação típica da pielonefrite inclui os sintomas da cistite associado à sintomas de complicação.

Pensando nos sintomas de cistite, podemos encontrar na pielonefrite:

  • Disúria;
  • Frequência;
  • Urgência urinária;
  • Dor suprapúbica;
  • Hematúria.

Considerando a sua evolução, temos então sintomas que se somam aos citados acima. Dentre eles, temos:

  • Febre;
  • Calafrios;
  • Dor no flanco;
  • Sensibilidade no ângulo costovertebral;
  • Náuseas/vômitos.

Apesar de ser comum que os sintomas da cistite se encontre também na complicação da ITU, isso não é universal. Além disso, também podem ser vistos sintomas atípicos, como dor no epigástrio ou ainda na parte inferior do abdome.

Sobre as dores em flanco, chamamos atenção para o sinal do exame físico sugestivo de pielonefrite: sinal de Giordano positivo. Nele, ao ser realizada a percussão em flanco direito e esquerdo, o paciente refere uma dor intensa. Através desse sinal positivo, reconhecemos a infecção renal ou uma possível litíase renal.

Na realização do sinal de Giordano, o paciente deve estar sentado e levemente inclinado para frente.

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Figura 3: Pesquisa do Sinal de Giordano.

Diagnóstico da pielonefrite

Como comentamos acima, o sinal de Giordano positivo já é um forte indicativo de infecção. Apesar disso, não é suficiente para o diagnóstico da doença.

Assim sendo, é necessário que seja realizada uma análise laboratorial da urina: a urocultura. Além de confirmar o processo infeccioso, também é importante para estimar quantitativamente de células de defesa. Outra importância da urocultura é que seja feita uma terapêutica mais adequada ao tipo de bactéria causadora da pielonefrite.

Ao hemograma, observamos uma elevação da contagem de leucócitos e da PCR.

Apesar de não ser necessária a realização de exames de imagem para o diagnóstico, é importante saber reconhecer o quadro diante delas. À tomografia computadorizada, o(s) rim(ns) com infecção apresentarão estrias hipodensas triangulares se espalhando da pelve para o córtex renal (setas).

Figura 4: Exame TC contrastada, com pielonefrite aguda bilateral. Fonte:  Alain Meyrier, MD.

Por outro lado, caso seja identificado um quadro grave da doença, é importante que um urologista passe a acompanhá-lo.

Manejo do paciente: como se dá o tratamento do paciente?

Antes mesmo de se ter conhecimento da bactéria causadora da doença, a terapia antimicrobiana empírica deve ser iniciada. Ainda assim, é importante que seja questionado ao paciente sobre uso prévio de antibióticos, com ajuste posteriormente.

A seleção empírica de antibióticos costuma ser realizada com beta lactâmicos, cefalosporinas, quinolonas e carbapenêmicos. Algumas posologias recomendadas por referências atualizadas de 2023, são:

  • Piperacilina-tazobactam 3,375g, IV, 6/6h;
  • Ceftriaxone 1g IV 1x ao dia;
  • Ciprofloxacino 400mg, IV, 12/12h;
  • Meropenem 1g, IV, 8/8h;
  • Vancomicina 15mg/kg, IV, 12/12h.

A escolha dos carbapenêmicos é sempre de preferência àqueles pacientes mais graves, hospitalizados a mais tempo e sem resposta ou até mesmo piora diante do tratamento.

Quanto a decisão de internar o paciente, cabe ao médico individualizar e avaliar o quadro do seu paciente. Alguns fatores que favorecem a decisão de internamento são:

  1. Paciente séptico;
  2. Febre persistentemente alta, acima de de 38,4ºC;
  3. Dor;
  4. Incapacidade de manter hidratação oral;
  5. Obstrução do trato urinário.

Caso Flávia Pavanelli e a pielonefrite

Flávia Pavanelli, influencer digital, se tornou notícia por ter apresentado um quadro de pielonefrite.

No seu caso, os sintomas da doença apareceram de forma insidiosa, o que sugeriu não ser nada que merecesse investigação. Devido ao seu quadro, Flávia precisou ser internada em um hospital em São Paulo, para tratamento da doença. Como sintoma, foi relatado dor muscular.

Flavia Pavanelli postou foto internada nas redes sociais - Reprodução/Instagram

Considerando a busca tardia por ajuda médica, Flávia Pavanelli relata que ficou “à beira de uma infecção generalizada“. Com isso em mente, entende-se a relevância de diagnóstico e tratamento precoces, a fim de se evitar uma evolução fatal, por meio de uma sepse.

Devido à repercussão após publicações em suas redes sociais, a pielonefrite se tornou objetivo de busca de milhares de pessoas nas plataformas sociais.

Recomendações para o seu paciente: informações importantes para evitar a doença

Algumas recomendações são fundamentais de serem passadas ao paciente após o quadro de pielonefrite. Considerando a gravidade do quadro, é importante evitar episódios de repetição. Algumas das orientações a serem dadas ao paciente são:

  1. Beber água em quantidade adequada, favorecendo hidratação e eliminação de patógenos;
  2. A fim de evitar foco de contaminação, urinar sempre que tiver vontade;
  3. Principalmente para mulheres, é importante que o uso do papel higiênico seja de frente para trás, não carreando enterobactérias para a uretra;
  4. Não fazer uso de antibióticos por conta própria, explicando a possibilidade de aumento da resistência antimicrobiana.
  5. Explicar ao paciente que a pielonefrite não é contagiosa.

A recorrência de episódios de pielonefrite podem levar à insuficiência renal e à necessidade de hemodiálise.

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Perguntas frequentes

  1. Qual sinal do exame físico sugere pielonefrite?
    Sinal de Giordano.
  2. Como é feito o diagnóstico da doença?
    Por meio de uma urocultura é possível identificar a bacteremia, além de estimar quantitativamente e de qual bactéria se trata. Assim, é possível adequar a terapia para o paciente.
  3. Qual é a principal complicação no quadro da pielonefrite?
    A sepse é a principal complicação do quadro grave da doença.

Referências

  1. Acute complicated urinary tract infection (including pyelonephritis) in adults. Kalpana Gupta, MD, MPH. UpToDate
  2. INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO. Sociedade Brasileira de Nefrologia.
  3. Figura 1.
  4. Figura 2.