Gastroenterologia

Exame protoparasitológico de fezes: coleta, técnicas e orientações | Colunistas

Exame protoparasitológico de fezes: coleta, técnicas e orientações | Colunistas

Compartilhar
Imagem de perfil de Comunidade Sanar

O exame parasitológico de fezes (EPF) é de suma importância na clínica médica, considerando que as parasitoses intestinais são um problema de saúde pública de alta prevalência no Brasil. A solicitação do EPF, diante de suspeita de uma parasitose intestinal durante anamnese detalhada e exame físico minucioso, pode diagnosticar com antecedência as doenças parasitárias e evitar a progressão da patologia para formas mais complicadas, além de evitar a realização de procedimentos invasivos.

O EPF é uma ferramenta diagnóstica barata e prática, que pesquisa diferentes formas parasitárias eliminadas nas fezes, porém a escolha do método de exame e a habilidade do profissional responsável implicam diretamente na eficiência do resultado.

            Fatores que influenciam na prevalência brasileira das parasitoses incluem precariedade no saneamento básico, condições sociais, econômicas, educacionais, climáticas e hábitos de higiene inadequados. Deve-se considerar ainda que nem todos os casos são diagnosticados e notificados corretamente, o que nos faz acreditar que os números das enteroviroses no país podem ser ainda maiores. As duas tabelas a seguir apresentam os principais helmintos e protozoários parasitas intestinais, respectivamente, encontrados no Brasil.

Tabela 1: Principais helmintos parasitas intestinais do homem no Brasil.

Fonte: Sanarflix.

Tabela 2: Principais protozoários parasitos intestinais do homem no Brasil.

Fonte: Sanarflix.

Exame protoparasitológico de fezes (EPF)

            O EPF tem como objetivo a identificação de ovos e larvas de helmintos, e oocistos, cistos e trofozoítos de protozoários. Pode ser dividido em 3 fases para melhor entendimento: fase pré-analítica, fase analítica e fase pós-analítica.

Fase pré-analítica

            A fase pré-analítica inicia-se com a solicitação do exame pelo médico e inclui a requisição correta, a orientação do paciente para coleta das fezes, o transporte para o laboratório e o cadastramento da amostra fecal. O EPF é constituído por vários métodos empregados de acordo com a solicitação médica, o que torna importante uma interação médico-laboratório na requisição do exame. Quando informado qual o parasito a ser pesquisado, de acordo com a hipótese diagnóstica mais provável, e o método a ser utilizado, o médico direciona o laboratório na execução dos métodos mais indicados para a situação.

Coleta da amostra de fezes

A coleta das fezes possui relação direta com a qualidade do exame e eficiência no resultado. A defecação deve ser realizada em um recipiente seco e limpo, com posterior transferência de parte das fezes recolhidas de diferentes porções do bolo fecal para o frasco próprio. O frasco fornecido deve ter boca larga, boa vedação e capacidade aproximada de 50 mL. Não se deve coletar fezes eliminadas no solo ou vaso sanitário, pois inviabilizam o exame devido à contaminação da amostra e consequente alteração no resultado. A quantidade coletada deve ser de 10 mL, e o armazenamento varia de acordo com as características das fezes:

  • Fezes líquidas podem ser armazenadas por até 1 hora.
  • Fezes sólidas podem ser armazenadas por até 24 horas.

            Além disso, a amostra não deve ser congelada, e o paciente deve identificar o frasco com seu nome completo, data e hora da coleta. Dependendo do método utilizado, pode ser solicitado ainda fezes frescas ou em conservante, ou mais de uma amostra fecal (amostras múltiplas ou seriadas). Quando utilizado, o conservante dispensa o uso da geladeira.

Orientações específicas

  • NÃO utilizar de 2 a 3 semanas antes do exame:
  • Antiácidos e antidiarreicos que contenham bismuto, magnésio ou cálcio: formam cristais com os trofozoítos, impedindo sua visualização, destruindo-os ou mudando sua morfologia.
  • Laxantes que contenham vaselina ou óleo mineral: pacientes que usam laxantes de forma crônica devem usar laxantes à base de sódio. A vaselina e o óleo mineral unem cistos, oocistos e trofozoítos, dificultando sua identificação.
  • Contraste baritado por via oral: pode destruir as formas trofozoíticas dos protozoários.
  • Antibióticos: alteram a flora intestinal de forma transitória, podendo destruir alguns parasitas.

→ Na ocorrência de alguma dessas intercorrências, deve-se realizar o exame após 2-3 semanas da exposição a tais fatores.

  • Coletar 3 amostras de fezes em dias alternados (duração de 6 dias)

Por que coletar mais de uma amostra em algumas situações?

  • Intermitência da eliminação de alguns parasitos, dependendo do ciclo de vida.
  • Distribuição não uniforme de ovos nas fezes.
  • Estágios dos protozoários, segundo o ciclo de vida.
  • Limitação da técnica, falta de sensibilidade ou especificidade do método.

Fase analítica

EXAME MACROSCÓPICO: avalia consistência e odor, presença de elementos anormais, como muco ou sangue, e de vermes adultos ou parte dele.

EXAME MICROSCÓPICO: pesquisa de ovos, larvas, helmintos, trofozoítos, cistos, oocistos de protozoários.

Os métodos quantitativos determinam o número de formas parasitárias por grama de fezes, mas não são muito empregados devido à pouca aplicabilidade clínica, pois a dose do medicamento leva em conta o peso do paciente e não a imensidade do parasitismo. Dessa forma, quase todos os métodos usados no EPF são qualitativos, entre eles: Kato-Katz e Scott-Hausheer.

Os métodos gerais são assim chamados por permitir o diagnóstico de vários parasitas intestinais. Os métodos específicos são indicados para a pesquisa de um parasito em particular.

Técnicas do exame parasitológico de fezes

Quadro 1: Principais métodos de exame parasitológico de fezes: fundamentos, aplicações e formas parasitárias detectadas.

Fonte: Medicina laboratorial para o clínico – Erichsen / Investigação laboratorial do paciente com helmintíases e protozooses intestinais (capítulo 20).

Após a execução do método de concentração, algumas formas parasitárias precisam ser coradas, para examinar detalhes da morfologia. Por isso, é tão importante que, na requisição do exame, o médico solicite a pesquisa de um parasito específico. Na próxima imagem serão abordadas as colorações mais utilizadas no EPF, suas indicações e as formas parasitárias detectadas por elas.

Quadro 2: Colorações empregadas no exame parasitológico de fezes.

Fonte: Medicina laboratorial para o clínico – Erichsen / Investigação laboratorial do paciente com helmintíases e protozooses intestinais (capítulo 20),

Os métodos mais empregados são os que permitem o diagnóstico de vários parasitos, os que são de fácil execução e mais baratos. São eles: sedimentação espontânea (Hoffman, Pons e janer) e os da centrifugação (MIFC e Ritchie), constituindo-se os métodos de rotina do EPF.

Observações e particularidades

  • O método de Hoffman, Pons e Janer é realizado com fezes frescas, enquanto o MI FC e Ritchie utilizam fezes colhidas em conservante.
  • Em casos de suspeita de estrongiloidose deve-se realizar, além dos métodos de rotina, o método de Baermann-Moraes ou o de Rugai, pois são mais sensíveis para pesquisa de S. stercoralis.
  • Em casos de suspeita de esquistossomose, deve-se realizar o método de rotina e o método de Kato-Katz (mais sensível para diagnóstico de S. mansoni).
  • Na pesquisa de coccídeos intestinais (C. parvum, C. cayetanensis e I. belli), deve ser realizada concentração dos oocistos a partir de MIFC, Ritchie ou Coprotest, aumentando-se o tempo de centrifugação para 10 minutos. Posteriormente, o material deve ser corado por um dos métodos derivados do Ziehl-Neelsen ou pela safranina-azul de metileno.
  • O método de Willis é pouco utilizado por se restringir à pesquisa de ovos leves, que podem ser detectados por outros métodos.
  • O método de Faust et al.  é o que mais concentra os cistos de protozoários.
  • Em casos de suspeita de giardíase e amebíase, sem detecção de cistos pelos métodos de centrifugação, a execução do método de Faust está indicada.

A semelhança clínica dos diferentes parasitos pode dificultar que o médico suspeite de um parasito específico, então quando a requisição não possui indicação de método ou parasito a ser pesquisado é realizado pelo laboratório um dos métodos de rotina (sedimentação espontânea ou centrifugação) capaz de diagnosticar vários parasitos. Não é indicado que o laboratório realize apenas um método que seja muito específico, pois o Brasil é um país com poliparasitismo, e o resultado pode ser insatisfatório.

Mapa mental:

Fonte: Sanarflix.

Fase pós-analítica

Na última fase, a pós-analítica, realiza-se análise da consistência dos resultados, liberação do laudo, transmissão e arquivo dos resultados e consultoria técnica. Sedimentos de fezes que contêm as formas parasitárias ou lâminas permanentes podem ser armazenados para material de consulta.

Na apresentação dos resultados do EPF, alguns dados importantes devem constar para interpretação:

  • identificação do paciente
  • data
  • nome do médico
  • consistência das fezes
  • formas parasitárias e nomes específicos dos parasitos encontrados
  • métodos executados
  • observações

Observação: Todos os parasitos encontrados devem ser relatados, sejam eles patogênicos ou não.

Imagem 1 e 2: Exemplificação de laudos de EPF.

Fonte: Medicina laboratorial para o clínico – Erichsen / Investigação laboratorial do paciente com helmintíases e protozooses intestinais (capítulo 20).

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


Referências:

Exame protoparasitológico de fezes https://www.sanarmed.com/exame-protoparasitologico-de-fezes

Exame parasitológico de fezes – https://parasitologiaclinica.ufsc.br/index.php/info/conteudo/diagnostico/helmintoses-protozooses/parasitologico-fezes/

BAYNES, John W.; DOMINICZAK, Marek H. Bioquímica médica. Elsevier, 2019.

CARDELLÁ, Lidia; HERNÁNDEZ, Rolando. Bioquímica médica. Bioquímica Especializada, v. 4, 2014.

ERICHSEN, Elza Santiago et al. Medicina laboratorial para o clínico. Belo Horizonte: COOPMED, 2009.

Leituras Relacionadas