A Hiperglicemia Hospitalar é a que acontece no ambiente intra-hospitalar. É a endocrinopatia mais comum em pacientes hospitalizados, independente do diagnóstico prévio ou não de Diabetes Mellitus (DM).
Apesar da maioria dos estudos randomizados e controlados que investigaram o impacto do tratamento da Hiperglicemia Hospitalar ter sido realizada em pacientes criticamente doentes, há dados observacionais que apoiam a importância do tratamento da hiperglicemia entre os pacientes não críticos (pacientes que não necessitam de cuidados em unidade de terapia intensiva), admitidos em enfermarias de clínica médica e cirurgia.
A Hiperglicemia Hospitalar está associada com internações mais prolongadas, aumento da incidência de infecções, bem como maior incapacidade funcional após alta hospitalar e maior taxa de morte.
A maioria dos consensos define como valores maiores que 140mg/dL antes das refeições ou em jejum para considerar o paciente com hiperglicemia hospitalar. Alguns ainda definem aqueles com glicemia maior que 180mg/dL após se alimentarem.
Existem algumas situações que estão incluídas neste diagnóstico, como aquela dos pacientes com Diabetes Mellitus prévio que apresentam descompensação glicêmica no momento da internação; aquela dos pacientes que não sabiam que tinham DM e tem o diagnóstico no momento da internação; e aquela situação dos pacientes sabidamente normoglicêmicos, que apresentam hiperglicemia na internação.
SE LIGA! É recomendável realizar glicemia capilar em todos os pacientes que são internados, independentemente de ter o diagnóstico prévio ou não de DM.
Reconhecendo a relação da hiperglicemia hospitalar com a Diabetes Mellitus, torna-se importante relembrar os fatores determinantes dessa condição.
Hiperglicemia Hospitalar e Diabetes Mellitus
A Diabetes mellitus é uma doença do metabolismo, caracterizada fundamentalmente pela ocorrência de hiperglicemia crônica, que a longo prazo promove lesões em órgãos-alvo, podendo cursar também com descompensações agudas. De acordo com a etiopatogenia, os fatores que contribuem para a hiperglicemia são: déficit de insulina (absoluto ou relativo) e/ou resistência à insulina. De qualquer forma, o resultado é sempre a diminuição da utilização periférica e aumento da produção hepática de glicose.
A DM do tipo 1, com taxa de 5-10% dos casos, cursa com destruição primária das células beta e queda de insulina por meio de valores absolutos. É subdividida em tipo 1A (mecanismo autoimune, que está presente em mais de 90% dos casos) e tipo 1B (idiopático, presente em cerca de 4-7% dos casos, particularmente em pacientes negros e asiáticos).
Esse tipo de DM predomina em pacientes pediátricos não obesos, mas até 30% dos casos acaba por aparecer após os 30 anos de idade, o chamado “LADA” ou Latent Autoimune Diabetes of Adults, que se traduz como a diabetes autoimune “latente” do adulto.
O diagnóstico de DM tipo 1 costuma ser fácil, pois na maioria das vezes estamos falando da criança ou do adolescente que desenvolve ao longo de dias ou semanas alguns dos sintomas: poliúria, polidipsia, polifagia e emagrecimento. Eventualmente, a doença só é percebida na descompensação, que é a cetoacidose diabética.
SE LIGA NO CONCEITO! Cetoacidose diabética é uma complicação metabólica aguda do diabetes, caracterizada por hiperglicemia, hipercetonemia e acidose metabólica. A hiperglicemia causa diurese osmótica com perda significativa de líquidos e eletrólitos. Ocorre principalmente no DM 1. Causa náuseas, vômitos e dor abdominal e pode evoluir para edema cerebral, coma e morte. É diagnosticada pela detecção de cetonemia e acidose metabólica com intervalo de ânions positivo, na presença de hiperglicemia. O tratamento envolve expansão de volume, reposição de insulina e prevenção de hipopotassemia.
A DM tipo 2 cursa primariamente com resistência periférica à insulina, que ao longo do tempo se associa com disfunção progressiva das células beta. A queda da insulina agora é por meio de valores relativos, ou seja, no início do quadro a insulina aumenta, mas esse aumento não é suficiente para controlar a glicemia.
Esse tipo de diabetes predomina em adultos obesos, principalmente os maiores de 45 anos, mas tem se tornado cada vez mais frequente em crianças e adolescentes por conta da obesidade precoce.
O diagnóstico de DM tipo 2 costuma ser tardio, uma vez que muitos pacientes passam anos ou mesmo décadas completamente assintomáticos, ou seja, metade dos casos só possuem diagnóstico após lesão de órgão-alvo com características e evolução irreversíveis. Aqui é mais raro o surgimento de cetoacidose diabética já que a produção endógena de insulina é suficiente para que seja evitada a cetogênese hepática, mas sintomas como poliúria e polidipsia podem ocorrer. Outro importante sinal clínico é a acantose nigricans. Muitas vezes o diagnóstico é firmado na vigência de um estado hiperosmolar não cetótico, principal complicação aguda do DM tipo 2.
Por fim, a diabetes gestacional pode ser definida como a intolerância à glicose diagnosticada durante a gestação que não configura um quadro de franco diabetes mellitus segundo os critérios diagnósticos para pacientes não grávidas.
O diagnóstico de diabetes mellitus, independentemente do tipo, requer a demonstração laboratorial de hiperglicemia por meio de critérios laboratoriais evidenciados na tabela a seguir.
Tabela: Diagnóstico de DM. Fonte: American Diabetes Association, 2019

Fisiopatologia da Hiperglicemia Hospitalar
Os três primeiros critérios elencados na tabela acima precisam ser confirmados em uma segunda dosagem, na ausência de hiperglicemia inequívoca. Ou seja, se não estivermos diante de franca descompensação metabólica será preciso repetir o exame.
A fisiopatologia da hiperglicemia hospitalar está muito relacionada com os estressores relacionados com a internação, como evidenciado na tabela abaixo.
Tabela: Fatores estressantes relacionados com a hiperglicemia hospitalar.

Os fatores elencados acima tem como sua principal consequência o desenvolvimento de algumas complicações. Essas complicações são os maiores problema relacionados a esse desbalanço hormonal. São elas: a diminuição do óxido nítrico, que leva a diminuição da vasodilatação e a queda do complemento que leva a queda das taxas de fagocitose.
Estes fatores estressores levam a uma desregulação e a um desbalanço hormonal que acarretam no aumento dos hormônios que são contra insulínicos, gerando assim o aumento especificamente do glucagon e do cortisol e aumento das catecolaminas. Assim, como efeito colateral, também ocorre a diminuição da produção de insulina.
A diminuição da produção e liberação de óxido nítrico resulta em uma diminuição na vasodilatação. Paralelo a isso, a diminuição no sistema complemento resulta em uma diminuição na fagocitose, o que aumenta o risco de infecções em 6 vezes e ocasiona um aumento de até 3 vezes o risco de o paciente desenvolver insuficiência renal e arritmias.
Todo esse conjunto dobra o risco da mortalidade nos pacientes diabéticos e aumenta em 10 vezes a mortalidade em pacientes não diabéticos.
[INSERIR SLIDE 1: Fisiopatologia da hiperglicemia hospitalar]
Os principais hormônios envolvidos na hiperglicemia hospitalar são: a insulina, o glucagon, o cortisol e as catecolaminas.
Insulina é um hormônio responsável pela redução da glicemia ao promover a entrada de glicose nas células. Esta é também essencial no metabolismo de sacarídeos, na síntese de proteínas e no armazenamento de lipídeos. É produzida nas células beta das ilhoras de Langherans, do pâncreas endócrino.