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As fraturas expostas, devido à sua relevância e à necessidade da agilidade nas decisões, desde o atendimento pré-hospitalar até a abordagem no centro cirúrgico, são um dos temas mais discutidos entre os profissionais de saúde, em particular pelos ortopedistas e traumatologistas.
Conforme um estudo realizado pelo Departamento de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Santa Marcelina, publicado em 2009, os acidentes de trânsito são a maior causa de fraturas expostas.[1]
Segundo o Ministério da Saúde, no Brasil são registrados mais de 1 milhão de acidentes por ano, matando cerca de 40 mil pessoas e deixando mais de 370 mil feridos.[2]
O manejo dos pacientes politraumatizados e, em particular, com fraturas expostas é, portanto, de extrema relevância e requer um estudo contínuo e aprofundado no que se refere ao atendimento emergencial, condutas, técnicas de tratamento e reabilitação para minimizar a chance de sequelas e óbitos.
Com a evolução do sistema de saúde e pronto atendimento, cada vez mais as chances de recuperação de vítimas de trauma com fraturas expostas aumentam.
Este artigo tem como objetivo explorar aspectos gerais sobre a conduta médica no atendimento aos pacientes com fratura exposta e como estas fraturas são classificadas.
Definição
Define-se como fratura exposta toda aquela na qual o envelope das partes moles está comprometido e há comunicação do foco fraturário com o meio externo.
Não apenas a exposição óssea visível, mas também o orifício puntiforme em partes moles comunicando a fratura com o meio externo, ou o contato do hematoma com o meio ambiente através de cavidades contaminadas, como boca, tubo digestório, vias aéreas e região perineal. [3]
A lesão das partes moles em uma fratura exposta pode ser considerada um fator determinante do prognóstico.
Outros fatores como, por exemplo, a fragmentação óssea, comorbidade e idade do paciente também devem ser considerados, mas nenhum destes possuem o mesmo peso e são tão determinantes quanto a capacidade de cobertura adequada do osso pelas partes moles.
Diagnóstico
Nem sempre o diagnóstico de fraturas expostas é simples, devido à sua complexidade e alto risco de infecção.
Em caso de dúvidas, qualquer fratura associada a um ferimento deve ser tratada como fratura exposta até que se prove o contrário. Esta medida visa minimizar os riscos de contaminação e consequente preservação do membro afetado e da vida.
Classificações
Uma das classificações para fraturas expostas mais utilizadas é a Classificação de Gustillo-Anderson, criada em 1976 e atualizada em 1984 por Gustillo, Gruninger e Davis.
Esta classificação, conforme demostrado na tabela a seguir, propõe a subdivisão em três tipos principais, com base na possibilidade ou não de cobertura óssea por partes moles e presença de lesão vascular nas fraturas.
Tabela 1

Para as fraturas expostas do tipo III B e III C, recomenda-se, após a realização do desbridamento, manter o ferimento aberto e realizar a cobertura em um segundo momento.
Atendimento Pré-hospitalar
O tempo é um dos principais fatores a ser considerado no atendimento a uma fratura exposta. A demora no atendimento e transporte da vítima podem vir a comprometer a viabilidade do membro e sua recuperação.
É imprescindível uma atenção especial ao Protocolo ATLS (Advanced Trauma Life Suporte) para a estabilização do paciente no local do acidente. Saiba mais sobre o ATLS e o ABCDE do trauma acessando o link: https://www.sanarmed.com/abcde-do-trauma-historia-e-abordagem-pratica-colunistas.
Atendimento Hospitalar
Durante o atendimento no pronto-socorro, é necessário:
- Aplicação do protocolo do ATLS, mesmo que já tenha sido realizado no local do acidente;
- Exame neurovascular do membro atingido;
- Ministrar antibiótico endovenoso a fim de que a medicação alcance a área lesada o mais rápido possível para evitar infecções;
- Realização de exames complementares com o local imobilizado;
- O paciente dever ser encaminhado para o centro cirúrgico para realizar a limpeza cirúrgica: limpar, desbridar e retirar eventuais vestígios de qualquer contaminação que possa haver na ferida.
No centro cirúrgico:
- Após anestesia, os curativos são retirados e os ferimentos analisados cuidadosamente;
- A pele deve ser lavada de maneira centrífuga e a assepsia realizada;
- Realizar o desbridamento com ampliação da ferida e retirada de tecidos desvitalizados e de corpos estranhos;
- Realizar a irrigação com soro fisiológico, lactato de ringer ou soluções que contenham antibióticos;
- Realizar a estabilização óssea por meios de fixadores externos ou internos;
- Cobertura da fratura com partes moles.
Importante: Conforme descrito no livro Ortopedia e Traumatologia – 5. ed.: Princípios e Prática, o cirurgião deve realizar uma análise criteriosa de viabilidade dos tecidos para evitar uma ressecção excessiva de tecidos sadios e preservação de tecidos necrosados.
Os 4 C’s (cor, consistência, circulação e contratilidade) devem ser avaliados e pesquisados em toda a área traumatizada. [6] O objetivo final do atendimento deve ser o de transformar uma ferida exposta e contaminada em uma ferida fechada e limpa.
Medicações e Antibioticoprofilaxia
A administração precoce de antibióticos para profilaxia é relatada como um fator crítico de sucesso no manejo do paciente com fratura exposta e de alto risco. Quanto mais rápido for a sua infusão, menores são as chances de infecção.
Para cada tipo de fratura, e de acordo com ambiente onde o trauma ocorreu, existe um antibiótico mais adequado, conforme demonstrado na tabela 2.
É importante, além destes fatores, atentar para a imunização do paciente contra tétano, seguindo os critérios descritos na tabela 3.
Ferimentos de alto risco incluem: fraturas expostas, ferimentos por arma de fogo ou arma branca, ferimentos com retenção de corpo estranho, ferimentos puntiformes ocasionados por objetos pontiagudos. [7] [8]
Tabela 2

Tabela 3

Síndrome Compartimental
Casos graves de fraturas expostas também podem vir acompanhados da síndrome compartimental aguda. Trata-se do aumento da pressão no interior de um dos compartimentos osteofascial de um membro (fáscia muscular) devido ao aumento de líquidos, geralmente ocasionado por edema intracelular, extracelular e por hemorragia.
Com o aumento da pressão, há compressão dos vasos nutridores e a oxigenação dos tecidos é interrompida, o que pode ocasionar necrose tecidual se não for tratada.
A síndrome compartimental aguda geralmente está associada a uma lesão, como fraturas, rupturas ou compressões musculares e, nesses casos, a lesão das estruturas vasculares e as fraturas são a base do extravasamento de fluidos direta ou indiretamente pela atividade inflamatória. [3]
Suspeita-se de síndrome compartimental quando houver alguns sinais clínicos, como:
- Edema e dor, normalmente desproporcional ao trauma causador da lesão;
- Enrijecimento da musculatura acometida;
- Dormência e formigamento do membro;
- Cianose distal do membro.
A cirurgia é o tratamento indicado, através da fasciotomia, procedimento que libera os músculos com a abertura da fáscia no compartimento acometido.
Também pode ser realizada uma fasciectomia, que seria a retirada da fáscia ao invés de apenas abri-la. [5]
Toda fratura exposta requer cuidados especiais e é de grande importância o pronto atendimento, diagnóstico precoce e tratamento rápido e adequado no manejo dos pacientes.
Ao longo deste artigo foram mencionadas algumas técnicas e procedimentos aplicados neste atendimento, com o objetivo de fornecer uma visão geral a respeito do assunto, entretanto, existe uma vasta literatura e outros métodos e procedimentos que devem ser explorados visando o aprimoramento contínuo.
A medicina evolui a todo tempo e essa evolução vem com novas ideias, técnicas e procedimentos.
“O conhecimento é o ato de entender a vida”
Aristóteles (384-322 a.C.)
Bons estudos!