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Osteonecrose da cabeça do fêmur (ONCF)
O ponto único de convergência entre os diversos estudos sobre a ONCF é que se trata de uma condição mórbida, progressiva e bastante debilitante ao doente. Quanto a sua etiopatogenia, história natural, diagnóstico e método de tratamento, existem ainda muitas controvérsias a serem explicadas. Até mesmo seu nome, na literatura atual, pode ser visto como necrose avascular, necrose isquêmica ou necrose asséptica.
Etiopatogenia
Seu desenvolvimento pode ser por via traumática e/ou estar relacionado a uma doença de base sistêmica (tabela 1), que é o foco deste texto, como também pode ser por causa idiopática.
O alcoolismo e o uso de corticosteroides (maior que 2g de prednisona ou, em média, 6g de prednisolona diárias por 2 a 3 meses) são os fatores de risco mais frequentemente prevalentes à doença, devendo ser explorados na anamnese, os quais podem estar presentes em até 90% dos pacientes diagnosticados. O consumo superior a 400 mL de álcool por semana aumenta em quase 10 vezes o risco relativo.
Em destaque, a condição em pacientes com HIV tem sido relatada com incidência progressiva desde 1990, sendo a doença ortopédica mais prevalente na população estudada. Estudos recentes mostram que, além dos fatores de risco gerais, para a população HIV-positivo, estão também envolvidos no desenvolvimento da ONCF a dislipidemia, o uso de Acetato de Megestrol, anabolizantes, reposição de testosterona, bem como as vasculites que predispõem a trombose intraóssea por presença de anticorpos anticardiolipina, e pela deficiência da proteína S, além do próprio tratamento antirretroviral, que pode estar associado a crescente na incidência e prevalência da doença.
Fisiopatologia da ONCF
Sendo a parte mais controversa e enigmática da doença, sabe-se brevemente que a fisiopatologia é enumerada pelas fases de isquemia e necrose (fase I), reparação (fase II), falência mecânica (fase III) e osteoartrose secundária (fase IV).
Várias já foram as hipóteses levantadas para início da isquemia na ONCF não traumática, entre elas o tromboembolismo, a embolia gordurosa, a hipertensão intraóssea (edema de medula e compressão extravascular), a coagulação intravascular e a necrose gordura dos osteócitos.
Assim, o processo patológico inicia-se com necrose do tecido ósseo de localização epifisária, e da placa subcondral, secundários aos debatidos e ainda misteriosos processos que culminam com a isquemia em uma área de extensão variável, acometendo mais a região anterolateral da cabeça do fêmur.
Na evolução tem início um processo de reparação lenta e desordenada, com a delimitação da região necrótica circundada por uma área de neoformação óssea em diferentes fases. A cartilagem articular perde o suporte ósseo devido à necrose da placa subcondral e, como consequência, há uma clivagem nessa região. Essa é chamada macroscopicamente como fratura subcondral, e aparece na radiografia como sinal da crescente. A consequente falta de suporte mecânico à parte necrótica gera o colapso e incongruência articular, levando à osteoartrite secundária.

Diagnóstico da ONCF
Mesmo diante da complexa fisiopatologia, é coerente dizer que o reconhecimento precoce da doença e estadiamento com exploração da etiologia base (fatores de risco que podem estar associados ao paciente) são determinantes no prognóstico do doente.
Devem ser observados sinais clínicos, como a presença de dor articular e limitação do grau de movimento, presença de rigidez pós-repouso e claudicação e dor ao movimento ou mesmo em repouso, que se acentua com suporte de carga.
A queixa de dor insidiosa no quadril em adultos jovens, na virilha, nádega e região trocantérica deve ser cuidadosamente investigada com a retirada de uma boa história clínica do paciente. É visto na literatura que grande parte dos pacientes estavam sendo, ou foram tratados, pelo diagnóstico de síndrome radicular lombar (lombociatalgia).
No exame físico, embora a literatura afirme que a rotação interna é o primeiro movimento comprometido nas doenças de quadril, os autores dos mais variados estudos sobre a ONCF têm visto que a limitação da extensão, pesquisada pela manobra de Thomas, ocorrerá muitas vezes antes da limitação à rotação interna.
Já como exame de imagem, a Radiografia em AP e perfil pode ser utilizada, contudo, a RM é o padrão ouro por suas altas sensibilidade e especificidade ainda no estágio inicial da doença.
Além disso, é importante que sejam descartados diagnósticos diferenciais, como Síndromes de Edema Osteomedular (SEOM), Coxopatia Rapidamente Destrutiva do Quadril (CRDQ), Fratura Subcondral por Insuficiência (FSI), Síndrome do Edema Osteomedular Transitório (SEOT), Osteoporose Transitória do Quadril, Lesões Osteocondrais e Osteocondrite Dissecante.
Tratamento da Osteonecrose da cabeça do fêmur
O tratamento tem ainda muitas versões distintas. De qualquer maneira, ele é dependente do estágio da doença, sendo clínico e/ou cirúrgico. Enquanto não houver uma melhor explicação da complexidade que envolve os aspectos fisiopatológicos, o tratamento se mantém controverso.
Em fases iniciais, a maioria dos autores parecem concordar que não se deve indicar procedimentos invasivos, sendo o tratamento medicamentoso mais usado, como tentativas do uso de vasodilatadores, anticoagulantes, drogas controladoras da hiperlipemia ou inibidoras da adipogênese em alcoólatras e usuários de corticosteroides e alendronato.
Nos casos sem colapso da cabeça do fêmur é indicada a realização de foragem (descompressão mecânica) associada ou não a enxertos ósseos, a depender do estadiamento. Esse é um procedimento minimamente invasivo e que não leva à deformidade do fêmur proximal, proporcionando a conversão para a artroplastia tecnicamente fácil.
Em casos de colapso total e/ou osteoartrose secundária é indicada a artroplastia total do quadril.
Conclusão: dentre todas as controvérsias, o diagnóstico precoce é essencial.
Diante uma condição ainda tão pouco explorada e tão controversa em sua etiopatologia e tratamento, é valido ressaltar que o olhar atento do ortopedista na história clínica e bom exame físico, com eliminação dos diagnósticos diferenciais, principalmente a comum lombociatalgia, será essencial para o prognóstico do paciente.
Qualquer que seja a escolha do tratamento, primeiramente o objetivo é aliviar a dor. Contudo, caso seja o foco dar ao doente a possibilidade de salvar o quadril, é preciso pensar em uma terapêutica conjunta entre a revascularização óssea e a parte mecânica, evitando o colapso da cabeça.
Ainda assim, frente a tantos mistérios da doença, e em razão da complexidade que envolve todos seus aspectos é importante ressaltar que não existe um tratamento curativo, em nenhuma de suas fases, porém existem possibilidades de dar uma maior qualidade de vida ao paciente o quanto antes seja diagnosticada.
AUTOR: LEONARDO PARREIRA DE CASTRO
INSTAGRAM: @leonardoparreiradecastro
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
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Referências
Vários editores, Filho, TEPB. Camargo, OPC. Camanho, GL. Clínica Ortopédica. Barueri – São Paulo: Manole, 2012.
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Cleland, Joshua A. Netter exame clínico ortopédico: uma abordagem baseada em evidências. 3 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2018.
Moore, Keith L. Anatomia orientada para a clínica. 6ed – Rio de Janeiro, RJ: Editora Guanabara. 2012.