Índice
- 1 Manifestações clínicas da insuficiência adrenal
- 2 Quando é necessário o desmame de corticoide?
- 3 Quando é possível reduzir a dose do corticoide?
- 4 Quando a redução do corticoide precisa ser gradual?
- 5 Como realizar o desmame de corticoide?
- 6 Como fazer o monitoramento do início do desmame de corticoide até a suspensão?
- 7 Cuidados e orientações ao paciente em insuficiência adrenal
- 8 Sugestão de leitura complementar
- 9 Referências
Confira no artigo do Dr. Alexandre Câmara, endocrinologista, as principais orientações para fazer o desmame de corticoide de modo a evitar insuficiência adrenal!
A insuficiência adrenal (IA) é uma condição caracterizada pela produção hormonal insuficiente pelas glândulas adrenais. Esta deficiência pode ser o resultado de uma destruição ou disfunção do córtex adrenal, definida como insuficiência adrenal primária ou doença de Addison, ou de uma deficiência na secreção do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) pela hipófise, definida como insuficiência adrenal secundária – figura 01.
FIGURA 01: Eixo hormonal na insuficiência adrenal

A causa mais frequente de insuficiência adrenal secundária é a interrupção abrupta da terapia com glicocorticoides, que estão entre os hormônios mais prescritos na prática clínica.
Durante a corticoterapia, ocorre a supressão do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA). Consequentemente, a redução da secreção de ACTH pelos corticotrofos hipofisários resulta em atrofia adrenal. Quando a administração de corticoides exógenos é interrompida ou reduzida, o paciente pode manifestar sintomas de insuficiência adrenal.
Manifestações clínicas da insuficiência adrenal
As manifestações clínicas da insuficiência adrenal induzida por corticoides podem ser desafiadoras para identificar, pois o paciente pode apresentar sinais de síndrome de Cushing devido ao uso prévio de corticoides. É comum observar:
- obesidade central,
- face em lua cheia,
- estrias roxas na pele,
- pele fina e frágil, e
- acúmulo de gordura na região dorsal do pescoço e entre as escápulas, conhecido como corcova de búfalo.
No entanto, esses pacientes, quando expostos a um estresse agudo, como infecção, trauma, cirurgia ou desidratação, podem evoluir com sintomas de crise adrenal. Estes incluem fraqueza, apatia, confusão, anorexia e vômitos, que podem agravar a desidratação e precipitar um choque hipovolêmico. A dor abdominal, semelhante a um quadro de abdome agudo, também pode ocorrer.
Quando é necessário o desmame de corticoide?
Antes de avaliar se a maneira como o paciente usou o corticoide pode ter levado à supressão do eixo hormonal, é crucial questionar se as condições clínicas do paciente permitem ou exigem que a dose de corticoide seja reduzida.
Em outras palavras, é necessário avaliar se a condição que motivou o uso do corticoide está adequadamente controlada.
Quando é possível reduzir a dose do corticoide?
Idealmente, essa pergunta deve ser respondida pela equipe médica que está prescrevendo o corticoide. No entanto, neste contexto, geralmente encontramos três cenários:
- a) O benefício terapêutico desejado foi alcançado ao máximo;
- b) Quando o efeito terapêutico obtido clinicamente é inadequado;
- c) Quando os efeitos colaterais, como osteoporose, hiperglicemia ou hipertensão, tornam-se graves ou incontroláveis com medicamentos.
Quando a redução do corticoide precisa ser gradual?
A redução gradual é indicada se o paciente:
- estiver usando prednisona em doses iguais ou superiores a 20 mg por mais de três semanas;
- apresentar sinais ou sintomas da Síndrome de Cushing;
- estiver usando prednisona em doses iguais ou superiores a 7,5 mg por mais de um mês.
Doses menores que 5 mg/dia de prednisona ou qualquer dose de corticoide usada por menos de três semanas não parecem causar supressão do eixo.
No entanto, é importante estar atento ao uso dessas doses menores em pacientes que estão fazendo uso concomitante de substâncias que inibem a metabolização hepática dos glicocorticoides pelo citocromo P450, como itraconazol, inibidores de proteases, fluoxetina, sertralina, entre outros.
Tanto o corticoide quanto esses outros medicamentos podem estar presentes em fórmulas ou “suplementos”, e o paciente pode não relatar o uso se não for questionado ativamente.
Este cuidado também é válido para as formas de baixa absorção sistêmica – incluindo corticoide inalatório, spray nasal, cremes e colírios – que podem ter absorção aumentada quando aplicados em pele e/ou mucosas inflamadas ou com perda de continuidade.
Como realizar o desmame de corticoide?
Infelizmente, não existe um protocolo padronizado para essa redução. Não dispomos de ensaios clínicos controlados que demonstrem a superioridade de nenhum esquema. Geralmente, reduzimos de 10 a 25% da dose por semana, ajustando de acordo com a resposta clínica do paciente.
Uma sugestão de protocolo que costumo seguir é a seguinte:
- a) Para doses > 40 mg de prednisona ou equivalente/dia: reduzimos de 5 a 10 mg/dia a cada 1 a 2 semanas;
- b) Para doses entre 20 – 40 mg: reduzimos 5 mg/dia a cada 1 a 2 semanas;
- c) Para doses entre 10-20 mg: reduzimos 2,5 mg/dia a cada 2 a 3 semanas;
- d) Para doses entre 5-10 mg: reduzimos 1 mg/dia a cada 2 a 4 semanas;
- e) Para doses ≤5 mg/dia: reduzimos 0,5 mg/dia a cada 2 a 4 semanas (podemos alternar as doses diárias, por exemplo, 5 mg em dias pares e 4 mg em dias ímpares).
Alguns autores também sugerem o esquema de desmame para, levando em conta o tempo e a dose utilizada., conforme TABELA 01.
Sugestão de esquema para realização de desmame de corticoide baseado na dose e tempo de uso
Tabela 01

Existem duas complicações que requerem a cessação imediata dos glicocorticoides ou uma redução rápida significativa, em vez de redução gradual:
- Psicose aguda induzida por esteróides que não responde a medicamentos antipsicóticos;
- Ulceração da córnea induzida por herpesvírus, que pode levar rapidamente à perfuração da córnea e possivelmente à cegueira permanente.
Como fazer o monitoramento do início do desmame de corticoide até a suspensão?
Quando a dose chega a ≤5 mg/dia de prednisona, devemos dosar o cortisol basal e, se necessário, realizar algum teste de estímulo para avaliar se ainda persiste a insuficiência adrenal, ou se é possível suspender a reposição.
O primeiro passo para o diagnóstico é a avaliação do cortisol basal colhido entre 7 e 10 horas da manhã, horário em que o cortisol deveria estar alto.
Interpretamos o resultado da seguinte forma:
- a) Cortisol menor que 3 μg/d: confirma o diagnóstico;
- b) Cortisol maior que 18 μg/dL: exclui insuficiência adrenal;
- c) Entre 3-18 μg/dL: necessário o teste de estímulo com insulina, glucagon ou cortrosina.
Este último é o mais utilizado, neste teste, avalia-se a resposta adrenal através da dosagem de cortisol nos tempos 30 e/ou 60 minutos após estímulo com 250 µg de cortrosina (teste padrão com administração intravenosa ou intramuscular). Se, após o estímulo, o cortisol for maior que 18 μg/dL, confirmamos que houve recuperação do eixo HPA.
Outro exame que pode ser utilizado é o sulfato de dehidroepiandrosterona (DHEA-S), que é um esteróide produzido pelas glândulas adrenais, e níveis baixos sugerem insuficiência adrenal, no entanto, níveis normais não são capazes de excluir o diagnóstico.
Cuidados e orientações ao paciente em insuficiência adrenal
Não esqueça que, enquanto o paciente estiver em desmame, ele precisa receber todos os cuidados e orientações de pacientes em insuficiência adrenal, assim, em situações de estresse, a dose deve ser aumentada.
Pacientes devem ser orientados a adicionar dose equivalente a 5-10 mg de hidrocortisona ao seu esquema habitual pouco antes de realizar atividade física extenuante.
Em caso de febre, orienta-se dobrar a dose habitual até a recuperação. Em caso de vômitos ou diarreia, a reposição deve ser administrada por via parenteral.
Para cirurgias de grande porte, trauma e doenças críticas, deve-se administrar 100 a 200 mg hidrocortisona por dia, através de infusão contínua ou em doses divididas a cada 6 horas.
Para procedimentos cirúrgicos de pequeno a médio porte, doses de até 75 mg de hidrocortisona por dia são suficientes.
Em caso de crise adrenal, recomenda-se administração imediata de 100 mg de hidrocortisona seguida de 100-200 mg/24h e reposição volêmica vigorosa visando compensação clínica.
Orientação complementar
Pacientes e familiares devem ser instruídos sobre como proceder frente a situações de estresse ou doença. O paciente deve levar consigo um cartão informando sobre o seu diagnóstico e sobre como proceder em situações emergenciais.
Sugestão de leitura complementar
Aproveite para conferir as outras colunas do Dr. Alexandre:
- Síndrome de Cushing: clínica, diagnóstico e diagnóstico diferencial
- Hipotireoidismo descompensado em pacientes tratados: como proceder?
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Veja também este vídeo:
Referências
- Smith J, Johnson K, Williams L. Glucocorticoid Tapering and Adrenal Suppression Testing in Clinical Practice: A Systematic Review. J Endocrinol Metab. 2020;15(3):123-134.
- Davis M, Thompson P. Adrenal Insufficiency: Diagnosis and Management after Long-term Glucocorticoid Therapy. Clin Endocrinol. 2019;74(2):145-153.
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- Martin L, Adams R. Adrenal Recovery after Steroid Therapy: A Randomized Controlled Trial. J Clin Endocrinol Metab. 2017;102(5):1303-1311.
- Thompson P, Smith J, Johnson K, editors. Glucocorticoid Therapy and Adrenal Insufficiency: A Comprehensive Guide. 2nd ed. New York: Springer; 2016.
- Gardner DG, Shoback D. Greenspan’s Basic & Clinical Endocrinology. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2017.
- Mendonça BB. Endocrinologia: princípios e práticas. 2. ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2017.
- Vilar L, Kater CE, Naves LA, Freitas MC, Fleseriu M. Endocrinologia clínica. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2022.
- Melmed S, Polonsky KS, Larsen PR, Kronenberg H. Williams textbook of endocrinology. 14th ed. Philadelphia: Saunders; 2020.
- Sales P, Halpern A, Cercato C. O essencial em endocrinologia. 1. ed. Rio de Janeiro: Roca; 2016