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Resumo de Leptospirose completo: da definição ao tratamento, passando pela epidemiologia, fisiologia, quadro clínico e diagnóstico. Confira!
Definição
A leptospirose é um problema mundial de saúde pública. É uma doença infecciosa febril aguda, causada por bactérias patogênicas do gênero Leptospira, transmitida ao homem pelo contato direto ou indireto com a urina de animais infectados.
A infecção pode apresentar-se sob várias formas clínicas, variando de assintomática a quadros graves, podendo levar à morte. Tem grande importância social e econômica por apresentar elevada incidência em determinadas áreas, alto custo hospitalar, perdas de dias de trabalho e alta letalidade, que pode chegar a até 40% nos casos graves.
Epidemiologia de Leptospirose
A leptospirose ocorre em áreas urbanas e rurais, principalmente em regiões tropicais e subtropicais. No Brasil, ocorre durante todos os meses do ano em todas as regiões do país, predominantemente nos meses com elevados índices pluviométricos (chuvas), principalmente em centros urbanos, onde há aglomeração populacional de baixa renda, em condições inadequadas de saneamento e alta infestação de roedores.
Deve-se destacar que a real morbidade é apenas parcialmente conhecida devido às dificuldades para confirmação dos casos, à possibilidade de confusão diagnóstica com outras doenças com sintomas comuns e à baixa detecção das formas leves, sendo diagnosticados, em sua maioria, casos moderados e graves.
A leptospirose é doença de notificação compulsória em todo o Brasil. No período de 2001 a 2007, foram notificados 91.948 casos, sendo 23.628 foram confirmados (26% de confirmação). Nesse mesmo período foram informados 2.679 óbitos, numa média de 384 óbitos/ano. O coeficiente médio de incidência é de 1,8/100.000 hab e a letalidade média de 11,3%.
Fisiopatologia

Leptospira são espiroquetas aeróbias em forma de espiral, altamente móveis, com 18 ou mais espirais por célula. Eles tendem a se corar mal com as colorações comuns de laboratório e são mais bem visualizados por microscopia de campo escuro, coloração de prata ou microscopia fluorescente. Eles podem ser diferenciados morfologicamente de outros espiroquetas por seu único gancho de “ponto de interrogação” na extremidade da bactéria.

A leptospirose é uma antropozoonose que tem como hospedeiros primários os animais sinantrópicos, domésticos e silvestres. Os seres humanos são apenas hospedeiros acidentais e terminais na cadeia de transmissão.
Os principais reservatórios são os roedores sinantrópicos comensais das espécies Rattus norvegicus (ratazana ou rato de esgoto), Rattus rattus (rato de telhado ou rato preto), sendo o Mus musculus (camundongo) de menor relevância epidemiológica na transmissão da doença ao homem. Esses animais, ao se infectarem, não desenvolvem a doença e tornam-se portadores, albergando a leptospira em seus rins, eliminado-a viva no ambiente, por meio de sua urina, contaminando, dessa forma, a água, o solo e os alimentos.
No ser humano, a susceptibilidade é geral. Normalmente o período de incubação é de 7 a 14 dias, podendo em alguns casos ocorrer entre o 1º e o 30º dia. A imunidade desenvolvida é específica para o sorotipo que causou a infecção, podendo um mesmo indivíduo apresentar a doença mais de uma vez. Nessa situação, o agente causal de cada episódio pertencerá a um sorotipo diferente do(s) anterior(es).
Entre os vários fatores que interferem na evolução do processo infeccioso, os mais importantes são: a carga bacteriana, o sorotipo da leptospira e a resistência imunológica individual. Alguns sorotipos tendem a causar frequentemente formas leves da doença enquanto outros causam formas mais graves. Fatores relativos ao paciente, como doença de base ou idade maior que 30 anos, são fatores associados à maior gravidade e aumento da mortalidade.
Quadro clínico da Leptospirose
A leptospirose humana apresenta manifestações clínicas muito variáveis com diferentes graus de severidade. A infecção pode ser assintomática, subclínica ou ocasionar quadros clínicos leves, moderados ou graves com alta letalidade.
Forma anictérica: Se apresenta com o início abrupto de febre, calafrios, mialgias e cefaleia em 75 a 100% dos pacientes. Podem, também, ocorrer diarréia, artralgias, hiperemia, fotofobia e dor ocular, bem como hepatomegalia. Tende a ser autolimitada e cura em poucos dias sem deixar seqüelas.
Sufusão conjuntival, caracterizada por vermelhidão conjuntival, é um sinal importante, mas frequentemente esquecido. Em uma série de casos, ocorreu em 55% dos pacientes. Esse não é um achado comum em outras doenças infecciosas, e sua presença em um paciente com doença febril inespecífica deve aumentar a possibilidade de leptospirose.

Formas graves de leptospirose podem se manifestar na ausência de icterícia. O comprometimento pulmonar apresenta-se com tosse seca, dispnéia, expectoração hemoptóica, dor torácica e cianose. A hemoptise franca denota extrema gravidade e pode ocorrer de forma súbita, levando ao óbito. Podem ser observados também hemorragia digestiva (melena, enterorragia), pancreatite e distúrbios neurológicos como confusão, delírio e alucinações, sinais de irritação meníngea.
Menos frequentemente ocorrem encefalite, paralisias focais, espasticidade, nistagmo, convulsões, distúrbios visuais de origem central, neurite periférica, paralisia de nervos cranianos, radiculite, síndrome de Guillain-Barré e mielite. Podem ocorrer, ainda, acidentes vasculares cerebrais com quadros graves de hipertensão intracraniana e coma.
Forma ictérica: Em alguns pacientes ocorre a evolução para uma doença ictérica grave com disfunção renal, fenômenos hemorrágicos, alterações hemodinâmicas, cardíacas, pulmonares e de consciência (síndrome de Weil ou tríade de Weil comumente descrita como icterícia, hemorragias e insuficiência renal), com taxas de letalidade entre 10% e 40%. A icterícia, de tonalidade alaranjada (rubínica), bastante intensa e característica, geralmente aparecendo entre o terceiro e o sétimo dia da doença.
A leptospirose humana apresenta manifestações clínicas muito variáveis com diferentes graus de severidade. A infecção pode ser assintomática, subclínica ou ocasionar quadros clínicos leves, moderados ou graves com alta letalidade.
Os fenômenos hemorrágicos são frequentes, podendo ocorrer na pele (petéquias, equimoses e sangramento nos locais de venopunção), nas mucosas ou nos órgãos internos, inclusive no sistema nervoso central. As hemorragias gastrointestinais e pulmonares são os principais mecanismos implicados com o óbito dos pacientes.
O envolvimento cardíaco mais comum é a miocardite, com alterações eletrocardiográficas, arritmias e insuficiência cardíaca ou choque cardiogênico.
Ciclo biológico

Diagnóstico de Leptospirose
As maiores dificuldades em termos de diagnóstico diferencial são representadas pelas formas anictéricas, as quais, embora correspondam à maioria dos casos da doença, em geral passam despercebidas e são rotuladas com outros diagnósticos, sob o ponto de vista clínico.
A leptospirose apesar de usualmente apresentar evolução benigna, pode também levar a óbito. Portanto, há necessidade da realização de exames específicos para confirmação diagnóstica.
Exames específicos: os métodos sorológicos são consagradamente eleitos para o diagnóstico da leptospirose. Os mais utilizados em nosso meio são o teste ELISA-IgM e a microaglutinação (MAT). Esses exames deverão ser realizados pelos Laboratórios Centrais de Saúde Pública – LACENs, pertencentes à Rede Nacional de Laboratórios de Saúde Pública. Em relação a cultura, o organismo pode ser cultivado a partir do sangue (durante a fase bacterêmica) e da urina (após a primeira semana), mas o crescimento em cultura pode levar várias semanas.
Exames inespecíficos: relevantes para o diagnóstico e acompanhamento clínico: hemograma, coagulograma, transaminases, bilirrubinas, uréia, creatinina e eletrólitos, gasometria, elementos anormais e sedimentos no exame sumário de urina, radiografia de tórax e eletrocardiograma.
No caso de suspeita clínica moderada ou alta, na ausência de um diagnóstico laboratorial definitivo, a administração de tratamento empírico é apropriada.
Tratamento de Leptospirose
A antibioticoterapia está indicada em qualquer período da doença, mas sua eficácia parece ser maior na primeira semana do início dos sintomas. A reação de Jarisch-Herxheimer, embora seja relatada em pacientes com leptospirose, é uma condição rara que não deve inibir o uso de antibióticos.
É caracterizada por início súbito de febre, calafrios, cefaleia, mialgia, exacerbação de exantemas e, algumas vezes, choque refratário a volume, decorrente da grande quantidade de endotoxinas liberada pela morte de bactérias espiroquetas após o início da antibioticoterapia.
Formas leves:
Adultos
- Amoxicilina: 500 mg, VO, 8/8h, por 5 a 7 dias ou Doxiciclina 100 mg, VO, 12/12h, por 5 a 7 dias.
Crianças
- Amoxicilina: 50 mg/kg/dia, VO, divididos, 8/8h, por 5 a 7 dias;
Formas graves:
Adultos
- Penicilina G Cristalina: 1.5 milhões UI, IV, de 6/6 horas; ou
- Ampicilina: 1 g, IV, 6/6h; ou
- Ceftriaxona: 1 a 2 g, IV, 24/24h ou Cefotaxima: 1 g, IV, 6/6h.
- Alternativa: Azitromicina 500 mg, IV, 24/24h
Crianças
- Penicilina cristalina: 50 a 100.000 UI/kg/dia, IV, em quatro ou seis doses; ou
- Ampicilina: 50-100 mg/kg/dia, IV, dividido em quatro doses; ou
- Ceftriaxona: 80-100 mg/kg/dia, em uma ou duas doses, ou Cefotaxima: 50-100 mg/kg/dia, em duas a quatro doses.
- Alternativa: Azitromicina 10 mg/kg/dia, IV
O cuidado de suporte é de grande relevância no atendimento dos casos moderados e graves, devem ser iniciadas precocemente na tentativa de evitar complicações e óbito.
Formas leves: Orientação de repouso, hidratação adequada, coleta de exames para diagnóstico específico, retornos periódicos entre 24 a 72 horas, ou em caso de sinais de alerta, para acompanhamento clínico ou se notar alguma piora dos sintomas.
Formas graves: Os casos graves com critérios para hospitalização (creatinina maior ou igual a 2,0, icterícia, sangramentos, tosse, vômitos freqüentes, comorbidades – hepatopatia crônica, Diabetes mellitus, cardiopatia, nefropatia etc.) deverão ser encaminhados para tratamento em hospital de referência.
Prevenção da Leptospirose
As medidas de controle mais importantes para prevenir a leptospirose humana incluem evitar fontes potenciais de infecção, como água estagnada e escoamento de água de áreas rurais, esgoto e chuva, controle de roedores e proteção de alimentos contra contaminação animal. Deve-se garantir a utilização de água potável, filtrada, fervida ou clorada para consumo humano, pois durante as enchentes é comum ocorrerem quebras na canalização.
Imunização de animais domésticos (cães, bovinos e suínos) com vacinas preparadas com sorovares prevalentes na região. A vacinação de animais domésticos (cães, bovinos e suínos) evita que adoeçam, mas não impede que se infectem.
Nesse caso, podem apresentar leptospirúria, tornando-se fontes de infecção, ainda que em grau mais leve e por um período menor do que ocorre com a infecção em animais não vacinados.