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Resumo sobre Gota: fisiopatologia, classificação, diagnóstico e tratamento

Resumo sobre Gota: fisiopatologia, classificação, diagnóstico e tratamento

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Entenda o que é a gota, como ocorre o desenvolvimento da doença, como identificá-la no seu paciente e tratá-la adequadamente. Bons estudos!

A gota é uma condição inflamatória, dolorosa e crônica. Identificar os sintomas do paciente com essa condição é fundamental para o diagnóstico e a regressão do quadro.

O que é a “gota“?

Gota é definida como uma artropatia por depósito de cristais de urato monossódico. É caracterizada pela alternância de crises de artrite, seguida de períodos em que o indivíduo permanece assintomático.

Os fatores que colaboram para a condição envolvem o histórico familiar da doença, obesidade, dieta rica em purinas e consumo excessivo de álcool. Sobre a dieta rica em purina, temos carnes vermelhas, frutos do mar, leguminosas e bebidas alcoólicas.

É importante notar que nem todas as pessoas que consomem alimentos ricos em purinas desenvolvem problemas de gota. A suscetibilidade individual à doença pode variar.

A doença não tratada pode evoluir para a perda da função articular, tofos (depósitos de cristais subcutâneo) e nefropatia. Trata-se de uma doença antiga, relatada desde a época antes de Cristo e ficou conhecida por acometer homens famosos, ricos e cultos.

A hiperuricemia assintomática, por sua vez, é decorrente da supersaturação do ácido úrico sanguineo (níveis acima de 7,0) e ausência de gota e/ou nefropatia. Níveis acima de 9,0 podem ser fator de risco para gota, doença renal e cardiovascular.

A quem a gota afeta: epidemiologia

Devido a fatores como envelhecimento da população e mudanças de hábitos alimentares corroborando para a obesidade, a prevalência da gota aumentou nos últimos anos. Por isso, hoje ela é responsável por atingir cerca de 4% da população adulta ocidental. História familiar é positiva em 40% dos pacientes.

A artrite gotosa acomete mais homens numa proporção de 8:1, idade entre 30 a 60 anos. Em mulheres, ocorre principalmente no período pós-menopausa.

Embora apresente diferentes prevalências ao redor do mundo, a gota é mais incidente em países ocidentais em comparação a países asiáticos.

Ainda, se relaciona com outras comorbidades, como HAS, doença renal crônica e cardiovasculares. Essas comorbidades podem influenciar o manejo e a progressão da gota.

Classificações de gota

A gota pode ser classificada em primária ou secundária.

A gota primária é idiopática ou decorrente de defeito enzimático, ou seja, é de ordem genética/metabólica. Essa é a forma mais comum da doença.

Devido ao produção aumentada de ácido úrico ou uma diminuição na sua eliminação renal, ocorre um acúmulo de cristais nas articulações e tecidos moles. Como resultado, o paciente apresenta uma reação inflamatória, juntamente com dor e outros sintomas da gota.

Já a secundária ocorre como resultado de outras condições médicas subjacentes que contribuem para o desenvolvimento de níveis elevados de ácido úrico no organismo. Essas causas podem incluir:

  • Doenças renais, com a eliminação deficiente de ácido úrico, resultando em seu acúmulo;
  • Obesidade, que favorece o aumento da produção de ácido úrico e excreção deficiente;
  • Medicações específicas, como diuréticos, ácido nicotínico e aspirina;
  • Hipertensão arterial;
  • Diabetes;

Pensando nisso, o tratamento da gota secundária está muito relacionado ao cuidado da causa subjacente. Tanto na gota primária, quanto secundária, a mudança do estilo de vida – dieta, restrição de álcool e perda de peso – são adequados.

Fisiopatologia da gota: como a doença ocorre?

A gota pode ocorrer por 2 mecanismos fisiopatológicos:

  • Aumento na produção de ácido úrico
    • Pode ser de causa idiopática ou associado à ingestão de dieta hiperproteica, purinas (álcool), frutose, defeito enzimático, infecções, estresse cirúrgico, tratamento quimioterápico (alto turn over celular).
  • Diminuição da excreção de ácido úrico, mais comum (90%) e independe da função renal.

O ácido úrico é produto do catabolismo das purinas, derivadas dos ácidos nucleicos celulares. Normalmente, o ácido úrico é dissolvido no sangue e excretado pelos rins na urina.

Na gota, ocorre uma condição chamada hiperuricemia, que é caracterizada por níveis elevados de ácido úrico no sangue. Isso pode ocorrer devido a uma produção excessiva de ácido úrico ou à capacidade reduzida dos rins de eliminá-lo adequadamente.

A formação de cristais de urato monossódico é decorrente da elevação dos níveis de ácido úrico acima das propriedades de saturação.

A diminuição de temperatura contribui para diminuir a solubilidade do ácido úrico e favorecer a cristalização. Por esse motivo as crises de artrite gotosa são mais comuns em articulações mais frias como joelhos e são precipitadas na madrugada.

Quanto à eliminação renal, o transportador URAT-1 é responsável pela reabsorção proximal do urato filtrado e é alvo terapêutico da benzobromarona, aumentando a excreção de ácido úrico.

A presença dos cristais de ácido úrico nas articulações desencadeia uma resposta inflamatória do sistema imunológico. Isso leva à ativação de células inflamatórias, como os neutrófilos, e à liberação de substâncias inflamatórias, como citocinas e mediadores químicos. Essa resposta inflamatória resulta em sintomas característicos da gota, como dor, inchaço, vermelhidão e calor nas articulações afetadas.

Uso abusivo de álcool, dieta hiperproteica e alto turn over celular como ocorre na psoríase e em neoplasias hematológicas são causas de aumento de ácido úrico.

Manifestações clínicas: sinais e sintomas da gota

A história natural da artrite gotosa passa por três fases:

  1. Artrite gotosa aguda;
  2. Período intercrítico;
  3. Gota tofácea crônica.

A artrite gotosa aguda inicia-se com crises de monoartrite, de início súbito na madrugada, principalmente da primeira metatarsofalangeana (podagra), joelho ou tornozelo.

As crises costumam ser precipitadas pela ingestão excessiva de bebida alcoolica e proteína. São extremamemte dolorosas e o paciente muitas vezes refere que não suporta nem mesmo o toque do lençol. Geralmente remite em menos de uma semana. Nessa fase, o principal diagnóstico diferencial é a artrite séptica, uma vez do acometimento monoarticular.

Período intercrítico é período assintomático após resolução da crise articular, de duração variável (meses a anos). Esse é o intervalo entre ataques agudos de artrite gotosa. Nessa fase, os níveis de ácido úrico no sangue podem continuar elevados, mas ainda assim a pessoa não apresenta sintomas ativos.

A fase de gota tofácea crônica ocorre quando a doença não é tratada, as crises tendem a ocorrer com maior frequência, levando a erosões ósseas e perda da funcionalidade articular.

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Sinais de inflamação por gota com erosões ósseas. Fonte: Cortesia de Michael A Becker, MD.

Os cristais de urato monossódico se depositam no subcutâneo formando tofos, que se localizam geralmente em cotovelos, em torno de articulações e pavilhão auricular. Estes podem sofrer ulceração e drenar uma substância semelhante ao pó de giz, com risco de infecção secundária.

Nessa fase também ocorre a lesão renal, seja através de perda progressiva da função renal (nefropatia por urato) ou por litíase renal.

Diagnóstico de gota: como fazer?

O diagnóstico definitivo de gota é dado através do achado de cristais de urato monossódico no líquido sinovial, os quais possuem birrefringência fortemente negativa e em formato de agulha.

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Cristais de urato monossódico no líquido sinovial. Fonte: Cortesia de H Ralph Schumacher, MD.

Caso este critério não seja disponível ou não houve presença de cristais no líquido sinovial, outros achados em conjunto sugerem o diagnóstico:

  • História clínica compatível;
  • Hiperuricemia;
  • Quadro radiológico compatível.

Em exames radiográficos, notamos a presença de erosão em saca- bocados. À ultrassonografia, “sinal do duplo contorno” – linha hiperecoica na superficie da cartilagem ou “tempestade de neve”, agregados algodonosos no líquido sinovial. Já na tomografia, vê-se dupla-emissão com achado de depósitos de cristais.

Abordagem aguda para alívio da dor e inflamação

A consulta do paciente portador de gota deve abordar as comorbidades habitualmente associadas à doença como obesidade, dislipidemia, hipertensão arterial e diabetes.

Estas, em conjunto com a hiperuricemia, determinam maior risco cardiovascular. Também deve-se indagar a respeito da dieta e encorajar o indivíduo a cessar etilismo e ingesta hiperproteica.

Para avaliação da gota, além de exames gerais (hemograma, função renal e hepática), devemos solicitar a dosagem de ácido úrico sérica e urinária em 24 horas para determinação da etiologia (produção versus hipoexcreção).

O indivíduo é considerado hipoexcretor quando clearence de ácido úrico é
inferior a 7 ml/min ou 800 mg na urina de 24 horas. A ultrassonografia de rins e vias também deve ser solicitada para rastreamento de litíase renal.

Tratamento da gota na crise articular

O tratamento da gota durante as crises articulares objetiva aliviar a dor, reduzir a inflamação e acelerar a recuperação.

Para alívio dos sintomas inflamatórios, os AINEs são muito utilizados, permitindo a melhora dos sintomas durante a crise. A exemplo de AINEs prescritos, temos ibuprofeno, naproxeno e indometacina.

A colchicina é uma medicação específica para o tratamento da gota durante os ataques agudos. É mais eficaz quando administrada nas primeiras 24 horas do início do ataque. Ela pode ser utilizada isoladamente ou combinada a um corticoide. Se o paciente estiver em uso de uricorredutor no momento da crise, este não deve ser suspenso.

Porém, o início de alopurinol não deve ser feito na vigência da crise, pois pode precipitar artrite. A colchicina inibe a migração e ativação de leucócitos, tem papel terapêutico na crise e após resolução desta, tem papel profilático e é usado nos primeiros 6 meses de uso de drogas hipouricemiantes.

Tratamento crônico da gota

Inibidores da síntese de ácido úrico: alopurinol e febuxostate.

O mais eficaz é o alopurinol, um inibidor da enzima xantina oxidase, prevenindo a formação de urato à partir da xantina e hipoxantina. Deve ser iniciado em baixas doses, nunca na vigência da crise pois pode precipitar crise articular. Seus efeitos colaterais incluem: mielotoxicidade, hepatotoxicidade e nefrotoxicidade.

Os uricosúricos agem inibindo a reabsorção de ácido úrico no túbulo proximal e para sua ação não pode haver comprometimento da função renal. Tem contra-indicação relativa nos casos de litíase renal. No
Brasil está disponível a benzobromarona.

A alcalinização urinária no caso de litíase renal, é feita com ácido cítrico ou citrato.

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Perguntas frequentes

  1. O que causa a gota?
    A gota é causada pelo acúmulo de cristais de ácido úrico nas articulações.
  2. Quais são os sintomas comuns da gota?
    Os sintomas comuns da gota incluem dor intensa nas articulações, inchaço, vermelhidão e calor.
  3. Quais são os fatores de risco para desenvolver gota?
    Os fatores de risco para desenvolver gota incluem histórico familiar da doença, dieta rica em purinas, consumo excessivo de álcool, obesidade e certas condições médicas, como hipertensão e diabetes.

Referências

  1. Treatment of gout flares. Angelo L Gaffo, MD, MsPH. UpToDate