Reumatologia

Resumo sobre Gota: fisiopatologia, classificação, diagnóstico e tratamento

Resumo sobre Gota: fisiopatologia, classificação, diagnóstico e tratamento

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Introdução

Gota é definida como uma artropatia por depósito de cristais de urato monossódico e caracteriza-se por alternância de crises de artrite, seguida de períodos em que o indivíduo permanece assintomático. A doença não tratada pode evoluir para a perda da função articular, tofos (depósitos de cristais subcutâneo) e nefropatia. Trata-se de uma doença antiga, relatada desde a época antes de Cristo e ficou conhecida por acometer homens famosos, ricos e cultos.

A hiperuricemia assintomática, por sua vez, é decorrente da supersaturação do ácido úrico sanguineo (níveis acima de 7,0) e ausência de gota e/ou nefropatia. Níveis acima de 9,0 podem ser fator de risco para gota, doença renal e cardiovascular.

Epidemiologia

A artrite gotosa acomete mais homens numa proporção de 8:1, idade entre 30 a 60 anos. Em mulheres, ocorre principalmente no período pós-menopausa pelo efeito uricosúrico do estrógeno. A prevalência na população geral varia de 1 a 5%. História familiar é positiva em 40% dos pacientes.

Classificações de gota

Pode ser primária ou secundária. A gota primária é idiopática ou decorrente de defeito enzimático. Já a secundária tem como causas: dietética (excesso de proteínas e álcool), neoplasias hematológicas,
diminuição da excreção de ácido úrico, uso de medicações como ciclosporina e hidroclorotiazida, estresse cirúrgico, psoríase e outros.

Fisiopatologia

O ácido úrico é produto do catabolismo das purinas, derivadas dos ácidos nucleicos celulares, e possui eliminação renal. Uso abusivo de álcool, dieta hiperproteica e alto turn over celular como ocorre na psoríase e em neoplasias hematológicas são causas de aumento de ácido úrico.

A síndrome de Lesch-Nyhan ocorre em crianças e é decorrente de defeito enzimático total da HGPRT-ase (hipoxantina-guanina fosforribosil transferase), responsável pela reciclagem das purinas, cursando com gota, autofagia, retardo mental e coreoatetose.

A formação de cristais de urato monossódico é decorrente da elevação dos níveis de ácido úrico acima das propriedades de saturação. A diminuição
de temperatura contribui para diminuir a solubilidade do ácido úrico e favorecer a cristalização, motivo pelo qual as crises de artrite gotosa são mais comuns em articulações mais frias como joelhos e são precipitadas na madrugada.

Quanto à eliminação renal, o transportador URAT-1 é responsável pela reabsorção proximal do urato filtrado e é alvo terapêutico da benzobromarona, aumentando a excreção de ácido úrico.

A gota pode ocorrer por 2 mecanismos fisiopatológicos:

Aumento na produção de ácido úrico: pode ser de causa idiopática ou associado à ingestão de dieta hiperproteica, purinas (álcool), frutose, defeito enzimático, infecções, estresse cirúrgico, tratamento quimioterápico (alto turn over celular).

Diminuição da excreção de ácido úrico: mais comum (90%) e independe da função renal.

Manifestações clínicas

A história natural da artrite gotosa passa por três fases: artrite gotosa aguda, período intercrítico e gota tofácea crônica.

Artrite gotosa aguda: inicia-se com crises de monoartrite, de início súbito na madrugada, principalmente da primeira metatarsofalangeana (podagra), joelho ou tornozelo. As crises costumam ser precipitadas pela ingestão excessiva de bebida alcoolica e proteína. São extremamemte dolorosas e o paciente muitas vezes refere que não suporta nem o toque do lençol.
Geralmente remite em menos de uma semana. Nessa fase, o principal diagnóstico diferencial é a artrite séptica, uma vez do acometimento monoarticular.

Período intercrítico: período assintomático após resolução da crise articular, de duração variável (meses a anos).

Gota tofácea crônica: quando a doença não é tratada, as crises tendem a ocorrer com maior frequência, levando a erosões ósseas e perda da funcionalidade articular. Os cristais de urato monossódico se depositam no subcutâneo formando tofos, que se localizam geralmente em cotovelos, em torno de articulações e pavilhão auricular. Estes podem sofrer ulceração e drenar uma substância semelhante ao pó de giz, com risco de infecção secundária. Nessa fase também ocorre a lesão renal, seja através de
perda progressiva da função renal (nefropatia por urato) ou por litíase renal.

Diagnóstico de gota

O diagnóstico definitivo de gota é dado através do achado de cristais de urato monossódico no líquido sinovial, os quais possuem birrefringência fortemente negativa e em formato de agulha. Caso este critério não seja disponível ou não houve presença de cristais no líquido sinovial, outros achados em conjunto sugerem o diagnóstico:

  • História clínica compatível.
  • Hiperuricemia.
  • Quadro radiológico compatível: presença de erosão em saca- bocados; ultrassonografia com “sinal do duplo contorno” (linha hiperecoica na superficie da cartilagem) ou “tempestade de neve” (agregados algodonosos no líquido sinovial); tomografia de dupla-emissão com achado de depósitos de cristais.

Avaliação e seguimento

A consulta do paciente portador de gota deve abordar as comorbidades habitualmente associadas à doença como obesidade, dislipidemia, hipertensão arterial e diabetes. Estas, em conjunto com a hiperuricemia,
determinam maior risco cardiovascular. Também indagar a respeito da dieta e encorajar o indivíduo a cessar etilismo e ingesta hiperproteica.

Para avaliação da gota, além de exames gerais (hemograma, função renal e hepática), devemos solicitar a dosagem de ácido úrico sérica e urinária em 24 horas para determinação da etiologia (produção versus hipoexcreção). O indivíduo é considerado hipoexcretor quando clearence de ácido úrico é
inferior a 7 ml/min ou 800 mg na urina de 24 horas.

A ultrassonografia de rins e vias também deve ser solicitada para rastreamento de litíase renal.

Tratamento de gota

Orientações gerais: cessar tabagismo e etilismo, diminuir ingesta proteica, tratar comorbidades associadas, evitar medicamentos hiperuricemiantes.

Crise articular

Na crise, pode-se utilizar AINEs, corticoides ou colchicina, estes isoladamente ou em combinação (AINE colchicina ou corticoide + colchicina). Se o paciente estiver em uso de uricorredutor no momento da crise, este não deve ser suspenso. Porém, o início de alopurinol não deve ser feito na vigência da crise, pois pode precipitar artrite. A colchicina inibe a migração e ativação de leucócitos, tem papel terapêutico na
crise e após resolução desta, tem papel profilático e é usado nos primeiros 6 meses de uso de drogas hipouricemiantes.

Tratamento crônico

Inibidores da síntese de ácido úrico: alopurinol e febuxostate. O mais eficaz é o alopurinol, um inibidor da enzima xantina oxidase, prevenindo a formação de urato à partir da xantina e hipoxantina. Deve ser iniciado em baixas doses, nunca na vigência da crise pois pode precipitar crise articular. Seus efeitos colaterais incluem: mielotoxicidade, hepatotoxicidade e nefrotoxicidade.

Uricosúricos: agem inibindo a reabsorção de ácido úrico no túbulo proximal e para sua ação não pode haver comprometimento da função renal. Tem contra-indicação relativa nos casos de litíase renal. No
Brasil está disponível a benzobromarona.

Alcalinização urinária: no caso de litíase renal, é feita com ácido cítrico ou citrato.

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Referências:

Créditos de imagens: https://www.rheumatology.org/Learning-Center/Rheumatology-Image-Library