Internato

Caso clínico de Síndrome Dolorosa Complexa Regional

Caso clínico de Síndrome Dolorosa Complexa Regional

Compartilhar
Imagem de perfil de Graduação Médica

Confira um caso clínico completo sobre Síndrome Dolorosa Complexa Regional e saiba o que deve ser feito com pacientes que chegam ao hospital e apresentam os sintomas.

Bons estudos!

Identificação do paciente

M.C.P.S., feminino, 41 anos, proveniente do interior da Paraíba.

Queixa principal

Paciente comparece no pronto-socorro (PS) com dor de forte intensidade, em punho direito, em queimação, irradiada para toda mão e parte do membro superior direito (MSD), precipitada por contato físico.

História da doença Atual (HDA)

A acompanhante afirma que a paciente realizou descompressão cirúrgica do túnel do carpo há 10 dias. 

Exame físico

Paciente em estado geral regular, orientada no tempo e espaço, cooperativa, acianótica, anictérica, hipocorada (+/++++), hidratada, eupneica, com dor de forte intensidade, em queimação, em punho direito, irradiada para toda mão e parte do membro superior direito (MSD), precipitada por contato físico, e com piora às baixas temperaturas.

Presença de leve eritema difuso em mão direita, acompanhada de sudorese e edema local. Apresenta fraqueza, espasmos musculares e leve dificuldade para movimentar o braço direito. Fácies de dor, com MSD em posição antálgica.

Nega melhora da dor após uso de analgésicos simples. Apresenta boa perfusão periférica em ambos MMSS. Ausência de circulação colateral. Presença de pequena cicatriz incisional em punho direito.

FC: 104bpm; FR: 16irpm; PA:130X85 mmHg (deitado, em membro superior esquerdo); Tax esquerda: 36,5ºC; Tax direita: 36,9ºC.

Sem alterações em nariz, orelha, face e tireoide. Ausência de linfonodomegalias palpáveis;

Vigil, consciente e orientado no tempo e no espaço. Pupilas isofotorreagentes. Força preservada grau V em membro superior E e grau IV em membro superior direito; Sensibilidade tátil e dolorosa preservada nos membros superiores, tronco e cabeça; hiperestesia em mão direita.

Tórax, simétrico, com ritmo e frequência respiratória normal. MV+ em AHT, sem ruídos adventícios. Boa expansibilidade pulmonar e ausência de tiragem intercostal.

Ictus cordis não visível, palpável com 1,5 polpa digitais 2T, BNF s/s; Pulsos+ e simétricos, tempo de preenchimento capilar de 2s.

Abdome plano, simétrico, depressível, indolor à palpação superficial e profunda. Ruídos hidroaéreos normoativos, ausência de sopros, normotimpânico à percussão, sem visceromegalias; 

Exames complementares

  Laboratório Valores Obtidos Valores De Referência
  HEMOGRAMA
  Hemoglobina (g/dL) 12,3 (12,0-15,5)
  Hematócrito (%) 38 (35-45)
  Leucócitos (mm3) 7350 (4.500 a 11.000)
  Bastões (%) 02 (0-5)
  Segmentados (%) 53 (45-75)
BIOQUÍMICA  
Glicemia (mg/dL) 89 (70-100)  
Ureia(mg/dL) 40 (10-50)  
Creatinina (mg/dL) 0,9 (0,7-1,5)  
Sódio (mmol/L) 142 (135-145)  
Potássio (mmol/L) 3,7 (3,5-5,0)  
AST (U/L) 36 (5-40)  
ALT (U/L) 48 (7-56)  
Bilirrubina Total (mg/dL) 1,0 (0,2-1,0)  
Bilirrubina Direta (mg/dL) 0,3 (0,1-0,4)  
Bilirrubina Indireta (mg/dL) 0,7 (0,1-0,6)  
             

Pontos de discussão do caso de síndrome dolorosa complexa regional

  1. Qual a principal hipótese diagnóstica do caso?
  2. Em que grupo de pacientes predomina sua ocorrência?
  3. Epidemiologicamente como se distribui essa síndrome?
  4. Qual o mecanismo fisiopatológico da SDCR
  5. Quais as manifestações clínicas mais frequentes? Quais complicações essa síndrome pode gerar?
  6. Como se faz o diagnóstico dessa patologia?
  7. Qual a conduta adequada?
  8. Qual o tratamento padrão?
  9. Qual foi a evolução do caso? 

Discussão do caso de síndrome dolorosa complexa regional

O diagnóstico estabelecido foi a Síndrome Dolorosa Complexa Regional (SDCR) pós descompressão cirúrgica do túnel do carpo (DTC). Essa síndrome destaca-se por apresentar dor de moderada a forte intensidade, normalmente desencadeada por um evento nóxico inicial, mas não é limitada à distribuição de um único nervo e se mostra desproporcional ao evento causador (podendo ser precipitada ao leve toque do membro acometido, mudanças de temperatura ou até mesmo por estresse emocional).

Mitchell em 1864 utilizou pela primeira vez o termo causagia para se referir a Síndrome Dolorosa Complexa Regional e Paget, em 1862 a descreveu pioneiramente. Desde então, vários termos foram utilizados para se referir à SDCR, tais como causalgia menor, desordem vasomotora pós-traumática, atrofia de Sudeck e síndrome ombro-mão. A terminologia “síndrome simpático-reflexa” foi sugerida por Bonica em 1953 para abarcar todas as patologias dolorosas associadas a fenômenos vasomotores, habitualmente precedidas por trauma.

Somente em 1993 foram publicados critérios para o diagnóstico da doença, o consenso foi publicado em 1994 pela Associação Internacional para o Estudo da Dor (AIED). Aí então foi adotada a terminologia “Síndrome Dolorosa Complexa Regional” (SDCR) como termo único para designar a condição dolorosa regional associada às alterações sensoriais decorrentes de um evento nóxico. No consenso, foram definidos dois tipos de SDCR: tipo I, anteriormente chamada de “distrofia simpático reflexa” e tipo II denominada de causalgia. A SDCR tipo II tem uma lesão nervosa real em que a dor não se limita ao território de inervação do nervo lesado, e por isso é diferente da tipo I.

Os critérios para diagnóstico são:

  1. A presença de lesão inicial pode ser desconsiderada
  2. Os sinais e os sintomas devem ser divididos em grupos distintos
  3. O paciente deve ter pelo menos dois dos seguintes sintomas: sensoriais (hiperestesia), vasomotor (alteração da temperatura, coloração ou ambos), sudomotor/balanço líquido (edema, sudorese ou ambos), e motor (diminuição da motricidade, fraqueza, tremores, amputação funcional do membro), ou todos
  4. Deve apresentar ao menos dois dos seguintes: vasomotor, sudomotor/balanço líquido e motor.

A idade média de maior acometimento é de 41 anos, com predomínio de mulheres numa relação de 3:1. Frequentemente um único membro é acometido, em proporções iguais entre superiores e inferiores. Cerca de 65% dos casos estão relacionados a trauma, normalmente por fratura, 19% no período pós-operatório, 2% após processos inflamatórios e 4% após outros fatores desencadeantes, como punção venosa. Descreve-se na literatura que a incidência após descompressão cirúrgica do túnel do carpo (DTC) varia de 2,1% a 5%.

Quanto à fisiopatologia, não está bem estabelecida mas é frequentemente associada ao processo inflamatório desproporcional desencadeado após lesão tecidual. Os sinais flogísticos da resposta inflamatória (dor, calor, rumor, edema) e perda de função estão presentes após a lesão e resultam da liberação de mediadores químicos inflamatórios. Tais mediadores como bradicinina, leucotrienos, serotonina, histamina e prostaglandinas sensibilizam os nociceptores. O envolvimento do sistema nervoso central e periférico é sustentado pelo envolvimento de áreas distantes da lesão inicial (a liberação de mediadores inflamatórios age a nível local). Se aceita que mudanças adaptativas ocorram no sistema nervoso central após a lesão, sejam elas agudas ou crônicas. Desta forma, a lesão periférica de um nervo ou outro tecido, causa alterações neuroplásticas no cérebro, podendo ocorrer fenômeno semelhante na medula espinhal.

Quanto às manifestações clínicas, de acordo com o consenso estabelecido pela AIED, os sinais e sintomas são localizados na extremidade do membro acometido, no entanto, pode acometer outros locais. Irradia-se para todo o membro e pode acometer o contra-lateral. A dor é em queimação e já foi descrita como profunda, lancinante e quente. Pode ser desencadeada por contato físico, mudanças de temperatura e estresse emocional.

As alterações vasomotoras se manifestam como diferenças de temperatura e coloração de um membro, em relação ao seu contra-lateral. A sudorese e anidrose são desordens sudomotoras. O edema pode ser mínimo até intenso. Quanto aos distúrbios de motricidade, podem ser observados fraqueza, distonias, espasmos musculares, tremores, aumento do tono e dificuldade de movimentação do membro.

É importante destacar que o diagnóstico da doença é clínico. A eletroneuromiografia indica lesão de nervo nos casos de SDCR Tipo II; porém, não se mostra útil no controle evolutivo da doença. Algumas provas terapêuticas podem ser estabelecidas e diversos fármacos podem ser utilizados para provar o envolvimento do Sistema Nervoso Simpático, dentre eles estão a fentolamina, guanetidina e a lidocaína. Dessa forma podem ser feitos:

  • bloqueio simpático com anestésico local, como bloqueio do gânglio estrelado para membro superior ou bloqueio da cadeia simpático lombar paravertebral para membro inferior;
  • teste da guanetidina, através de bloqueio venoso regional, pela resposta de depleção das reservas de norepinefrina das fibras simpáticas pós-ganglionares;
  • teste da fentolamina, antagonista ?-adrenérgico, realizado através de infusão venosa simples.

Existem alguns testes que podem ser aplicados, como o Quantitative Sudomotos Axon Reflex Test (QSART) e o Resting Sweat Output (RSO), são mais complexos, mas também podem ser aplicados.

O tratamento deve ser instituído de forma precoce objetivando controle da dor. Não há protocolo estabelecido para tratamento da entidade, o que torna difícil a eleição do tratamento ideal. Vale salientar que o acompanhamento multiprofissional é essencial para reabilitação do paciente, sendo assim, psicólogos, fisioterapeutas e outros profissionais devem ser solicitados.

Quanto ao tratamento farmacológico, o bloqueio simpático é utilizado quando for confirmado o envolvimento do sistema nervoso autônomo. Entre as várias técnicas de bloqueio simpático, citam-se: bloqueio ganglionar simpático, infusão venosa de fentolamina ou lidocaína, bloqueio venoso regional com guanetidina, clonidina, dexmedetomidina, reserpina, bretílio ou corticoides.

Quanto ao uso de antidepressivos tricíclicos, só há benefício na melhora da qualidade do sono. A guanetidina e a reserpina que são utilizados no bloqueio venoso e atuam diminuindo as reservas de noradrenalina e bloqueando sua receptação. No entanto, existem vários trabalhos que contestam o uso dessas substâncias. Existem trabalhos mostrando que a gabapentina, anticonvulsivante, tem boa atuação na SDRC. Opióides e infusão da anestésicos locais também podem ser utilizados. 

Evolução do caso de síndrome dolorosa complexa regional

Ao ser atendida pela equipe de Neurologia, foi realizada como conduta imediata a infusão venosa de fentolamina (Bloqueio Simpático) para alivio da dor em MSD.

Após a infusão foi feito o encaminhamento ambulatorial ao neurologista para retornos mensais até o 6º mês pós-operatório e foi recomendado acompanhamento psicológico para melhor adesão ao tratamento como também, acompanhamento com fisioterapeutas para reabilitar o membro quanto à movimentação.

O tratamento escolhido pelo neurologista foi a eletroestimulação transcutânea (TENS). Paciente evoluiu bem com alivio continuo da dor exceto ao retorno do 3º mês onde queixou-se de dor de moderada intensidade há 2 dias em punho direito e sudorese em MSD.

Devido ao quadro clínico foi prescrito então Clonidina. Desde então, até a consulta do 6º mês, paciente evoluiu sem relatar dor ou quaisquer outros sintomas relacionados a SDCR. Foi indicado à paciente procurar atendimento médico caso houver retorno da dor.

VEJA TAMBÉM

Posts relacionados