Ciclo Básico

Suturas: entenda os tipos, indicações, técnicas e mais

Suturas: entenda os tipos, indicações, técnicas e mais

Compartilhar
Imagem de perfil de Graduação Médica

Aprenda os principais tipos de suturas, seus princípios básicos, quando usá-los e os tipos de fios ideais para cada tecido e objetivos. Bons estudos!

Os conhecimentos em suturas, bem como a indicação do seu uso é indispensável a qualquer médico(a) generalista. Para isso, é necessário entender as técnicas e suas indicações, bem como os fios de escolha para a sua realização.

Para que servem as suturas?

As suturas são um conjunto de manobras realizadas para unir tecidos com a finalidade de restituir a anatomia funcional

Isso significa que o sucesso de uma sutura envolve não apenas o aspecto estético visual, mas a funcionalidade preservada ou devolvida ao tecido suturado. Com isso, a sutura auxilia no processo de cicatrização, sendo ela a síntese definitiva, um processo biológico.

Assim sendo, para atingir esses objetivos, a aproximação das estruturas teciduais através da disposição ordenada nós cirúrgicos exige conhecimentos especiais. Eles se abrangem desde a técnica, fios à aplicações em cada tipo de tecido.

Os 4 objetivos básicos de uma sutura são:

  1. Evitar infecção da ferida;
  2. Promover a hemostasia;
  3. Diminuir o tempo de cicatrização;
  4. Favorecer um resultado estético.

Quando as suturas estão indicadas quando não são?

Um pensamento de senso comum, a melhor opção para restaurar a continuidade anatômica e funcional de um tecido é através da sutura. No entanto, existem situações específicas em que as suturas estão indicadas e contraindicadas.

De maneira geral, as suturas estão indicadas para ferimentos limpos, sem sinais de infecção vigente ou de fatores que possam levar a uma evolução desfavorável. Esses fatores podem incluir sujidade, tecidos desvitalizados ou corpos estranhos.

Além disso, as feridas costumam ser sintetizadas por suturas em um prazo máximo de 18 horas, desde que não havendo sinais de infecção. Apesar de essa ser uma recomendação geral, esse prazo pode variar, a depender do local. Em face, por exemplo, costuma-se tolerar um prazo de 24 horas. Ainda, em casos mais específicos, até mesmo de 48h-72h, respeitando a não infecção.

Por outro lado, ferimentos contaminados, sangrantes ou muito superficiais não costumam indicar a realização de suturas. Ainda, quando e entende que o resultado estético não será positivo para o paciente, a escolha é não realizar o procedimento.

Em casos de pacientes com comorbidades, as orientações também variam. Comorbidades como diabetes, doença arterial periférica e feridas crônicas prejudicam a formação de tecido de granulação. Por isso, esses pacientes não devem ser suturados com mais de 6 horas em extremidades (menor perfusão), ou mesmo não serem suturados a depender do local.

Antes da sutura, o que fazer?

A sutura ideal busca promover o melhor aspecto funcional e estético possível. Para isso, algumas recomendações básicas são necessárias:

  • Assepsia adequada: infecções podem fazer deiscência de sutura, por que enfraquecem e destroem os tecidos;
  • Bordas regulares: facilita a exposição das suturas e sua execução;
  • Boa captação das bordas: bordas bem alinhadas e coaptadas facilitam o processo de cicatrização, reduz formação de queloides e contribui para uma melhor estética;
  • Hemostasia: hematomas dificultam a cicatrização e favorece infecções (meio de cultura para os microrganismos). Cuidado! Excesso de hemostasia pode fazer isquemia e promover necrose tecidual;
  • Evitar espaço morto: pode haver acúmulo de líquidos e afastar os tecidos;
  • Realizar por planos: promove bom confrontamento das bordas e evita o espaço morto;
  • Realizar a técnica adequadamente: adequar a sutura ao tecido, com relação a tensão, tipo de fio e espaçamento correto entre os pontos;
  • Evitar isquemia e corpos estranhos;
  • Utilizar material apropriado.

Além disso, em casos de pacientes que foram mordidos ou sofreram ferimentos com material metálico, deve-se orientá-lo para a profilaxia contra raiva e tétano.

Instrumentais e material necessário para uma sutura: o que usar?

Para uma sutura bem feita não é necessário apenas técnica, mas instrumentais de boa qualidade e coerentes com a finalidade do procedimento.

Entre eles, temos as pinças de dissecção. Elas são instrumentos de apreensão dos tecidos, favorecendo sua manipulação. Podem ser atraumáticas (anatômica) ou traumáticas com “dente de rato”, que são usadas na confecção de pontos na pele.

Pinça Dissecção Anatômica 14cm ABC Instrumentos - Fibra Cirúrgica.
Exemplo de pinça atraumática

Em geral, após o paciente estar anestesiado, as pinças de dissecção traumática também são usadas para atestar a anestesia. Para isso, pergunte ao paciente: “senhor(a), está sentindo alguma dor?”. É importante que a pergunta se refira à dor, uma vez que a anestesia não suprime a sensibilidade completa.

Os porta agulhas são usados para a condução da agulha curva. Esse instrumental é um dos protagonistas do seu procedimento, funtamental para a manipulação adequada do fio agulhado.

Porta Agulha Mayo Hegar 14cm ABC Instrumentos - Fibra Cirúrgica
Exemplo de porta agulhas

As agulhas podem ser curvas (mais usadas) ou retas. Ainda, podem ser traumáticas, quando o fio não vem montado e há um orifício para sua colocação  ou atraumáticas, ou seja, já montadas com o fio.

suturas
Sutura em cavidade. Na mão direita, porta-agulha com fio agulhado. Na mão esquerda, pinça de dissecção.

Fios cirúrgicos: qual escolher para a sua sutura?

Os fios cirúrgicos possuem uma variedade considerável. Essa variação se deve aos diferentes tipos de tecidos a serem suturados, bem como a permanência ou não desse material.

Com isso, os fios podem ser de origem sintética ou orgânica e monofilamentares (levam à menor reação inflamatória) ou multifilamentares. Se fossemos pensar em fio ideal, ele deveria ter as seguintes características: ter a resistência tênsil igual a dos tecidos, ser fino, regular, flexível, ter pouca reação tecidual e baixo custo.

Os fios ainda podem ser classificados em absorvíveis não absorvíveis:

  • Fios Absorvíveis:
    • Origem animal: Catgut simples e cromado
    • Origem sintética: Vycril, Dexon, Monocryl, Vycril Rapid e PDS II
  • Fios Não absorvíveis:
    • Animal: seda
    • Vegetal: Linho e Algodão
    • Sintética: Mononylon (poliamida), Prolene (polipropileno), Mersilene, Polycot, Aciflex

Os fios não absorvíveis, na maioria das vezes, não precisam ser retirados e levam à menor reação inflamatória.

O calibre dos fios varia de nº 0 até nº 12.0. Quanto menor o número de zeros, maior é o calibre do fio, portanto, um fio 2.0 (dois zeros) é mais calibroso que o fio 4.0 (quatro zeros).Isso é importante por que cada calibre do fio exerce uma tensão na sutura, sendo necessária a escolha do calibre adequado.

Além disso, cada calibre tem sua aplicação: oftalmologia e microcirurgia (7.0 – 12.0); face e vasos (6.0); face, pescoço e vasos (5.0); mucosa, tendão e pele- abdome e tronco (4.0); pele- extremidades e intestino (3.0); pele- extremidades-, fáscia e vísceras (2.0); parede abdominal, fáscia e ortopedia (0-3)

Como escolher o tipo de sutura?

Aa suturas pode ser contínua ou descontínua, possuindo diferenças significativas entre seus objetivos

Na sutura descontínua os fios são fixados separadamente, podendo variar a tensão de acordo com a necessidade em cada ponto. É considerada mais segura, já que o rompimento de um ponto não inviabiliza a sutura toda.

É menos isquemiante, confere maior permeabilidade à ferida e consegue força tensil maior e de modo mais rápido. Como desvantagens, possui uma elaboração mais lenta e trabalhosa.

Na sutura contínua, o fio é passado do início ao fim sem interrupções. É  uma sutura de execução mais rápida que a descontínua. É mais hemostática, tendo a mesma tensão em todo percurso da sutura.

Como desvantagens, pode ser estenosante e impermeável e o rompimento de um ponto pode comprometer toda a sutura. Além disso, a sutura contínua tem uma tendência a reduzir a microcirculação das bordas da ferida, prolongando a fase destrutiva da cicatrização e aumentando formação de edema.

Geralmente usa-se fios absorvíveis nas suturas contínuas.

Quais são as suturas com pontos descontínuos?

Como comentamos, os pontos descontínuos promovem menos tensão. Além disso, é uma técnica que permite a drenagem de fluidos da cavidade, podendo ser positiva a depender do prognóstico.

Ponto simples

A técnica de ponto simples é relativamente simples e envolve passar a agulha através de uma borda da pele, depois através da outra borda, formando uma espécie de laço que é puxado suavemente para aproximar as bordas da ferida.

Em seguida, o fio é amarrado para manter as bordas unidas. Esse processo é repetido ao longo da ferida até que todas as áreas que precisam ser fechadas estejam devidamente suturadas.

suturas
         

Ponto simples invertido

Variação do ponto simples, onde o nó fica oculto dentro do tecido. É um ponto de sustentação permanente que tem a finalidade de reduzir a tensão na linha de sutura.

suturas
Ponto simples invertido.

Donatti ou U vertical

É a associação de dois pontos simples. Cada lado da borda é perfurado duas vezes.  A primeira transfixação ocorre há até 10mm da borda e inclui pele e camada superior do subcutâneo. A segunda perfuração é trans-epidérmica, há cerca de 2mm da borda. Esse ponto é também conhecido como “longe-longe, perto-perto”, apenas para fins didáticos.

É um ponto que promove boa hemostasia, sendo mais utilizado quando há hemorragia subdérmica e dérmica. Reduz tensão e promove boa coaptação das bordas, evitando sua invaginação, entretanto, o resultado estético é inferior.

suturas
Ponto U vertical ou Donatti.

Ponto em U horizontal ou Colchoeiro

É semelhante ao Donatti, diferindo na posição horizontal das alças. É usado para produzir hemostasia e em suturas com alguma tensão (como cirurgia de hérnias, suturas de aponeurose), que impede a coaptação perfeita das bordas.

Ponto em X

Executado para que fique duas alças cruzadas. Esse ponto aumenta a superfície de apoio de uma sutura para hemostasia ou aproximação.

É usado em fechamento de paredes e suturas de aponeurose, músculos, e até em couro cabeludo.

Imagem que ilustra um Ponto em X nas suturas
Fonte: APOSTILA DE TÉCNICA CIRÚRGICA. BRASÍLIA: UNB, 2005

Suturas com pontos contínuos

Por outro lado, os pontos contínuos fornecem uma tensão maior. Embora a hemostasia e junção das bordas seja maior, bem como a hemostasia, o rompimento de um dos pontos (deiscência), compromete toda a sutura.

Chuleio simples

É o tipo de sutura de mais rápida e fácil execução e pode ser aplicada em qualquer tecido com bordas não muito espessas.

É muito usada em suturas de vasos, por que faz boa hemostasia e pode ser usada também em peritônio, músculos aponeurose e tela subcutânea.

suturas
Chuleio simples.

Chuleio ancorado

É uma variação do chuleio simples. Aqui o fio passa externamente por dentro da alça anterior, fazendo uma âncora, antes de ser tracionado.

É mais hemostática que a anterior e por isso mais isquemiante. Atualmente é pouco utilizada.

suturas
Chuleio ancorado. Fonte: APOSTILA DE TÉCNICA CIRÚRGICA. BRASÍLIA: UNB, 2005

Intradérmica

É um tipo de sutura que tem um ótimo resultado estético. Nessa técnica a agulha passa horizontalmente através da derme superficial, paralelo à superfície da pele, aproximando as bordas. Por isso não deixa impressões de sutura no tecido externo.

Deve ser usado em feridas com pouca tensão.

suturas
Sutura intradérmica.

Que tipo de sutura e qual fio escolher?

A sutura de boa qualidade, que garante hemostasia e evita uma resposta tecidual exacerbada precisa de boa técnica. Parte dela é saber escolher o fio “ideal” para cada tipo de pele.

Abaixo, temos alguns exemplos de tecidos orgânicos suturados mais costumeiramente, com a recomendação do tipo de fio a se usar, bem como a sutura.

TecidoSutura mais recomendadaFio de escolhaCalibre
PeleDescontínuos: simples ou Donetti
Contínuos: intradérmico
Não absorvível em tempo médio ou longo4-0 ou 5-0
SubcutâneoNenhuma, pontos simples ou chuleioAbsorvível em tempo curto ou médio3-0 a 5-0
MusculaturaPontos simples, em U ou X sem apertarAbsorvível em tempo médio ou longo2-0 ou 3-0
AponeurosePontos simples ou chuleioNão absorvível ou absorvível em tempo longo0 ou 1
Tabela de Tipos de Suturas por Tecido, Fios e Calibres 


Profilaxia antitetânica
: prevenindo uma má resposta à sutura

A profilaxia do tétano acidental é extremamente importante, por isso devemos ficar atentos à situação vacinal de cada paciente que chega com um ferimento e ao tipo de ferida.

Profilaxia para tétano - Sanar Medicina
Profilaxia contra o tétano. Fonte: Ministério da Saúde
  • Ferimentos com baixo risco: Ferimentos superficiais, limpos, sem corpos estranhos ou tecidos desvitalizados
  • Ferimentos com alto risco: Ferimentos profundos ou superficiais sujos; com corpos estranhos ou tecidos desvitalizados; queimaduras; feridas puntiformes ou por armas brancas e de fogo; mordeduras; politraumatismos e fraturas expostas.

Aprenda a suturar com a ajuda do SanarFlix!

Você já imaginou dominar a habilidade essencial de suturar feridas com confiança e precisão? Agora, você pode dar os primeiros passos em direção a essa competência vital com a ajuda do SanarFlix!

Sugestão de leitura complementar

Veja também:

Perguntas frequentes

  1. Qual é o objetivo das suturas?
    As suturas objetivam garantir uma continuidade anatômica e funcional dos tecidos lesados.
  2. Com qual grupo de pacientes devemos tomar mais cuidado ao realizar as suturas?
    Com pacientes com comorbidades, como diabetes e doença arterial periférica.
  3. Em que situações principais cuidamos da profilaxia do paciente?
    Especialmente em casos de mordedura, com profilaxia para raiva e lesões com materiais enferrujados, com profilaxia para tétano.

Referências

  1. GOFFI, F. S.; TOLOSA, E. M. D. C. Técnica cirúrgica: bases anatômicas, fisiopatológicas e técnicas da cirurgia. 4. Ed. São Paulo: Atheneu, v. único, 1997.
  2. MARQUES, R. G. Técnica Operatória e Cirurgia Experimental. 1 ed. São Paulo. Guanabara Koogan, v. único, 2005
  3. MAGALHÃES, R. G. Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental. São Paulo: Sarvier, 1996
  4. Mélega JM. Cirurgia Plástica Fundamentos e Arte; Princípios Gerais. Rio de Janeiro: Médisi; 2002.
  5. Raiva Humana. Ministério da Saúde.