Cirurgia do trauma

Trauma Cranioencefálico (TCE): definição e classificação

Trauma Cranioencefálico (TCE): definição e classificação

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O Trauma cranioencefálico, famoso TCE, é o tipo mais comum de trauma e, na grande maioria dos casos, o paciente acaba morrendo antes mesmo de chegar ao hospital – aliás, cerca de 90% das mortes em ambiente pré-hospitalar se devem a lesões cerebrais.

Por outro lado, entre aqueles pacientes que sobrevivem, uma alta taxa acaba ficando com sequelas, que afetam suas atividades sociais e profissionais. Juntando tudo isso, então, o TCE acaba tendo um grande impacto sobre a saúde pública e é justamente por isso que precisamos compreendê-lo.

Fisiopatologia do Trauma Cranioencefálico

Para entendermos a fisiopatologia envolvida por trás de um Trauma Cranioencefálico (TCE), nós precisamos trabalhar 2 conceitos:

  • Pressão Intracraniana (PIC);
  • Fluxo Sanguíneo Cerebral (FSC).

Pressão Intracraniana (PIC)

A primeira coisa que precisamos ter em mente é que o crânio é como uma caixa óssea e, portanto, incapaz de se expandir. A partir disso, o volume de conteúdo no seu interior acaba determinando o valor da PIC – que, quando normal, fica em torno de 10mmHg.

Em cima disso daí, podemos supor que caso o volume de conteúdo aumente, a PIC também irá aumentar. E esse raciocínio está certo, no entanto, existe um mecanismo compensatório que precisa ser “vencido” antes de notarmos qualquer alteração na PIC. Então vamos entende-lo.

Esse mecanismo é explicado através da Doutrina Monro-Kellie, que distribui o conteúdo intracraniano em 4 categorias: sangue venoso, sangue arterial, cérebro e LCR (Líquido Cefalorraquidiano). Então, a partir do momento em que alguma coisa começa a aumentar o volume dentro do crânio, a compensação é feita comprimindo o sangue venoso e o LCR para fora, de modo a manter o volume constante e a PIC normal.

Se o volume extra continuar crescendo, no entanto, haverá um momento em que esse mecanismo já não será mais suficiente e a PIC começará a aumentar vertiginosamente podendo levar, inclusive, a herniação da massa encefálica.

A partir daí, o paciente começa a apresentar um quadro de hipertensão intracraniana (HIC) que pode progredir e se tornar grave, a partir de quando ele costuma se apresentar através da chamada Tríade de Cushing.

Fluxo Sanguíneo Cerebral (FSC)

A outra questão com relação a fisiopatologia do TCE é o fluxo sanguíneo cerebral (FSC), que pode sofrer reduções por conta do trauma, podendo até mesmo levar o paciente a um estado de coma.

No final das contas, o importante é termos em mente que baixos níveis de fluxo sanguíneo cerebral podem não ser adequados para suprir as demandas metabólicas do cérebro e isso vai gerar uma série de repercussões para o paciente.

Mas será que também não há um mecanismo compensatório aqui? Até tem, mas agora a compensação é feita pelos capilares, que são capazes de fazer vasoconstrição e vasodilatação de acordo com o valor da PAM.

SAIBA MAIS: Uma pausa só para lembrarmos que a pressão de perfusão cerebral (PPC) pode ser encontrada usando a seguinte fórmula:

PPC = PAM – PIC

Sendo que a PAM se autorregula entre 50 e 150mmHg para manter o FSC constante.

No entanto, pode acontecer de a lesão ser tão grave que acaba impossibilitando esse mecanismos compensatório e aí, nesses casos, a dinâmica será diferente:

  • PAM elevada = Aumento da PIC
  • PAM diminuída = Infarto/Isquemia

Com base nisso, o nosso grande objetivo no atendimento inicial de um paciente com TCE é aumentar o FSC pela redução da PIC elevada, mantendo uma PAM normal, uma oxigenação normal e a normocapnia. Para que? Para, dessa forma, conseguirmos evitar a ocorrência de lesões cerebrais secundárias (normalmente decorrentes de hipotensão, hipóxia ou hiper/ hipocapnia).

Ainda relacionado a sua fisiopatologia, é importante saber que os traumatismos cranioencefálicos podem ser provocados por diversos mecanismos, se destacando os acidentes de variados tipos: de trânsito, de trabalho, desportivos, domésticos, entre outros.

Contudo, a maioria dos casos graves é provocada por acidentes de trânsito, em que o TCE constitui uma das principais causas de morte.

Existem vários mecanismos que podem provocar lesões encefálicas. O mais comum corresponde a um golpe direto sobre o crânio, provocando, independentemente da eventual fratura óssea, o choque das estruturas nervosas subjacentes contra o osso no ponto de impacto ou no lado oposto.

Para além disso, um golpe forte sobre uma outra parte do corpo, uma queda de uma grande altura sobre os pés ou nádegas, a onda expansiva de uma explosão ou uma outra causa indireta também podem provocar a deslocação das estruturas encefálicas no interior do crânio e o consequente choque violento contra as suas paredes. É por isso que os contragolpes (o denominado “efeito chicote”) nos acidentes de trânsito são tão perigosos.

Classificação do Trauma Cranioencefálico

Os TCEs costumam ser classificados de acordo com a gravidade da lesão e para isso é adotado como parâmetro a Escala de Coma de Glasgow (GCS, em inglês).

A partir daí, o paciente pode ser enquadrado em 3 categorias de gravidade:

  • Leve (13-15)
  • Moderado (9-12)
  • Grave (3-8)

SE LIGA! Durante o cálculo do Glasgow do paciente podem haver respostas diferentes em diferentes membros. Nesses casos, nós devemos sempre adotar a melhor das respostas apresentadas para concluir sobre o estado do paciente.

Na 10ª edição do ATLS algumas mudanças foram propostas na Escala de Coma de Glasgow, entre elas temos:

Reatividade pupilar

Na antiga versão da escala, os únicos critérios avaliados eram: abertura ocular, resposta verbal e resposta motora. Agora, na nova versão, foi incluída a reatividade pupilar, ou seja, a reatividade da pupila à luz. Ao contrário dos outros critérios, este é pontuado de forma decrescente: o pior resultado apresenta a maior pontuação. Assim, teremos a seguinte atribuição:

2 pontos – Nenhuma reatividade em ambas as pupilas;

1 ponto – Sem reação em apenas uma das pupilas;

0 pontos – Caso as duas pupilas estejam funcionando normalmente.

É importante se atentar que, ao aplicar o score de reatividade há uma mudança no score total, que se dá da seguinte forma:

Pontuaremos normalmente todos os outros critérios e, após a nota final, o score da reatividade pupilar será subtraído, o que faz com que a escala varie de 1 a 15 pontos.

Como assim? O cálculo do score será feito da seguinte forma:

Escore final = Abertura ocular [1 a 4] + Resposta verbal [1 a 5] + Resposta motora [1 a 6] – Reatividade Pupilar [0 a 2]

Caso todos os critérios estejam normais, teremos um escore de 15 (afinal, as pupilas normais significam 0 pontos a menos!). Entretanto, caso o paciente apresente a menor pontuação em todos os critérios, teremos o escore final de 1.

Critério não-estável

Sabemos que nem todos os pacientes são susceptíveis a serem avaliados da forma como a antiga Escala de Glasgow propõe. Por exemplo, pacientes amputados não necessariamente terão uma avaliação fidedigna da resposta motora; pacientes que apresentam surdez podem não ser responsivos a comandos verbais; e pacientes com algum quadro de afasia não necessariamente conseguirão emitir respostas verbais adequadas.

Considerando essas necessidades tão individuais, além das pontuações nos critérios previamente estabelecidos, podemos agora marcá-los como “NÃO TESTÁVEL” (NT).

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