Ciclo Clínico

Caso clínico de Trombose Venosa Profunda | LIGAS

Caso clínico de Trombose Venosa Profunda | LIGAS

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Apresentação do caso clínico

J.F.L, 48 anos, masculino, pardo, casado, bombeiro, natural do Rio de Janeiro- RJ. Residente e procedente de Águas Claras- DF. Procurou o ambulatório de clínica médica com queixa de dor intensa, em pontadas na panturrilha esquerda há 1 dia, sem irradiações, com piora ao deambular, acompanhada de eritema discreto, temperatura do membro um pouco elevada e edema leve na região. Paciente relata ter realizado herniorrafia inguinal direita há 22 dias. Uma semana após a cirurgia, refere ter iniciado um quadro de tosse seca persistente, sem fatores de alívio, dor intensa, lancinante em hemitórax direito, sem irradiação e fatores de melhora ou piora somado a episódios de dispneia leve aos grandes esforços. Se dirigiu ao HRC e, após a TC de tórax, foi diagnosticado com pleurite e pneumonia em pulmão direito, tratadas com antibióticos em domicílio. Houve melhoras dos sintomas, entretanto, há 1 dia iniciou com o quadro atual e procurou atendimento. Nega febre, cianose, perda ponderal, alergias e banhos em rio em áreas endêmicas para esquistossomose. Afirma ter dislipidemia. Relata que a mãe é cardiopata, mas não soube especificar a doença. Relata ingerir, em média, um litro de cerveja por semana. Nega tabagismo e uso de drogas ilícitas.

Ao exame físico, o paciente encontrava-se em regular estado geral, lúcido, orientado em tempo e espaço, afebril, acianótico, anictérico, hidratado, normopneico (17 irpm), normocárdico (71 bpm), normotenso (130/80 mmHg). Apresentava edema (2+/4+), eritema discreto e elevação da temperatura em panturrilha esquerda. Aparelho respiratório com murmúrio vesicular fisiológico levemente diminuído em pulmão direito, sem ruídos adventícios. Aparelho cardiovascular com RCR em 2T, bulhas normofonéticas, sem sopro e turgência jugular.  Abdome plano, simétrico, sem abaulamentos, retrações ou tumorações, ausência de circulação colateral, ruídos hidroaéreos presentes, indolor à palpação superficial e profunda, fígado e baço não palpáveis. Sinal de Homans e Sinal da Bandeira presentes em panturrilha esquerda.

Paciente foi orientado a realizar exames laboratoriais e de imagem para identificar trombose venosa profunda e foi encaminhado para a enfermaria do hospital visto que, segundo o escore de Wells, ele apresenta probabilidade média para o diagnóstico a ser investigado. Os exames solicitados foram: hemograma, eletrólitos, uréia, creatinina, AST, ALT, tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial ativada e eco-doppler colorido.

Após algumas horas, os resultados do exame chegaram e revelaram: hemoglobina 15,3 g/dL, hematócritos 47%, VCM 81 fL, HCM 28 pg, RDW 14,1 %, CHCM 22 g/dL, reticulócitos 3,9%, plaquetas 142.000/ mm3, leucócitos 5.100/mm3, uréia 32 mg/dL, creatinina 0,9 mg/dL, ALT 30 U/L, AST 30 U/L, sódio 138 mEq/L, potássio 3,6 mEq/L, cloretos 99,2 mEq/L, TTPa 32 segundos e TP 12 segundos. No exame de imagem foi evidenciado um trombo na veia femoral, fechando o diagnóstico de trombose venosa profunda. Como o primeiro exame de imagem já foi suficiente para resolução do quadro, não houve necessidade de realização de outros exames a fim de esclarecer os diagnósticos diferenciais. A equipe realizou o tratamento e visualizou sinais de melhora do paciente.

Questões para orientar a discussão 

  1. Quais são os diagnósticos diferenciais?
  2. O que é a Trombose Venosa Profunda (TVP)?
  3. Quais são os fatores de risco para TVP?
  4. Qual pode ter sido o fator desencadeante neste caso?
  5. Como é a fisiopatologia da doença?
  6. Como se faz o diagnóstico de TVP?
  7. Qual é o tratamento para o paciente?

Respostas

  1. Alguns dos diagnósticos diferenciais para trombose venosa profunda são celulite, flegmasia cerulea dolens, ruptura do cisto de Baker, flebites, linfedema e insuficiência venosa crônica.
  2. A trombose é a obstrução do fluxo sanguíneo causada pela formação de um coágulo. Logo, a trombose venosa profunda é quando se tem a formação de um trombo dentro de veias profundas e pode ter uma obstrução parcial ou total da região. Esse evento acomete, preferencialmente, membros inferiores.
  3. Os fatores de risco para a trombose venosa profunda estão relacionados com a tríade de Virchow. Ou seja, patologias ou situações que favorecem a alteração da hemostasia, levando a estase sanguínea, ao dano vascular e/ou ao estado de hipercoagulabilidade. São elas: fatores genéticos, cirurgias ortopédicas, abdominais ou neurológicas de grande porte, repouso prolongado, alguns tipos de câncer, gravidez, terapias de reposição hormonal, viagens longas na qual o paciente fica muito tempo sentado, idade avançada, obesidade, síndrome metabólica, hiperlipidemia, hipertensão arterial, tabagismo e diabetes.
  4. Analisando o caso do paciente J.F.L. e os eventos que precederam o início dos sintomas, podemos inferir que a trombose apresentada por ele foi desencadeada por um estado de repouso intenso, especialmente nos membros inferiores, necessário após a cirurgia a qual foi submetido. O repouso necessário após procedimentos cirúrgicos são um importante fator desencadeante de trombose por causar estase do sangue no compartimento venoso, modificando um dos fatores da tríade de Virchow e, consequentemente, aumentando a chance de evento trombótico.
  5. Para entendermos a fisiopatologia, é necessário saber os fatores que existem na tríade de Virchow e, que se alterados, influenciam na hemostasia. Esta tríade é constituída pela estase sanguínea, hipercoagulabilidade e lesão endotelial. Ou seja, Quando há o acontecimento de algum desses 3 fatores da tríade, a probabilidade de se formar um trombo dentro dos vasos se eleva. Na trombose venosa os estados de hipercoagulabilidade primários que geram os defeitos nas proteínas responsáveis pela coagulação e/ou fibrinólise ou os estados de hipercoagulabilidade secundários, envolvendo anormalidades do fluxo sanguíneo e dos vasos é que levam à trombose. Vale lembrar que na trombose arterial a alteração do estado da parede vascular, das plaquetas e dos fatores relacionados com o fluxo sanguíneo é a mais responsável pela trombose. Na trombose venosa a ativação do processo que leva ao desencadeamento da cascata de coagulação se dá, principalmente, pela exposição do fator tecidual que, consequentemente, leva à formação de trombina e à conversão subsequente do fibrinogênio em fibrina.
  6. O diagnóstico de TVP é feito a partir da história clínica e exame físico do paciente, associados aos exames laboratoriais e exames de imagem. No exame físico pode ser evidenciado a dor à palpação, edema, eritema, cianose, aumento da temperatura e empastamento muscular (panturrilha, principalmente). Há um modelo baseado em sinais e sintomas que ajuda no diagnóstico de TVP, conhecido com Escore de Wells. Este classifica o paciente em alta (> 2 pontos), moderada (2 pontos) ou baixa (< 2 pontos) probabilidade de o paciente ter trombose venosa profunda. Mas é importante lembrar que ele deve ser usado junto com a avaliação dos outros exames. Nos exames laboratoriais pode-se investigar o D-dímero, que é o produto da degradação da fibrina, nos casos de baixa probabilidade clínica para TVP.  Ele não é um marcador específico, mas quando tem o seu resultado inferior ao valor de referência, podemos excluir o diagnóstico de TVP. Nos exames de imagem, o Eco Doppler colorido (EDC) é o principal método utilizado para diagnóstico. A venografia com contraste, apesar de ser considerada padrão-ouro, é feita somente quando os outros testes são inconclusivos. A tomografia computadorizada possui sensibilidade e especificidade similar à do EDC, logo, não é muito usada no diagnóstico inicial. Por fim, a ressonância magnética é feita quando o ECD apresenta resultado inconclusivo.
Escore de Wells para diagnóstico de TVP
Sintomas clínicos de trombose venosa profunda
Fonte: SBACV

7. Sobre o tratamento da trombose venosa profunda, devemos ressaltar que abarca uma terapia medicamentosa e outra não medicamentosa. Sobre a terapêutica medicamentosa, em pacientes com alta suspeita clínica de TVP recomenda-se iniciar o tratamento enquanto aguarda a confirmação do diagnóstico, contanto que o paciente não tenha nenhuma contraindicação.

O tratamento inicial pode ser feito com Heparina não-fracionada (HNF), heparina de baixo peso molecular (HBPM) ou com fondaparinux por pelo menos cinco dias, em associação com antagonista de vitamina K (Varfarina) até que os valores de RNI estejam na faixa da normalidade por dois dias seguidos. Com os valores normais de RNI, é seguro a suspensão das drogas parenterais e o início do tratamento anticoagulante oral prolongado.

O tratamento com anticoagulantes orais neste caso deve ser feito por pelo menos três meses, visto que foi, provavelmente, ocasionado por uma situação reversível – repouso intenso pós-operatório. Para esse segundo momento do tratamento, pode ser feito o uso de antagonista da vitamina K ou de novos anticoagulantes orais.

Importante ressaltar que a duração do tratamento realizado com anticoagulantes orais vai depender do que precipitou o fenômeno trombótico (hemofilia, neoplasia, cirurgia, idiopática), da gravidade do quadro (ocorrência de embolia pulmonar associada, trombose cerebral) e da presença de história pregressa de TVP, portanto é de extrema importância que cada caso seja analisado cuidadosamente para que as condutas sejam direcionadas.

Em relação ao tratamento não medicamentoso que deverá ser instituído no caso, podemos citar o uso de meias elásticas de compressão e o estímulo à deambulação precoce.

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Autores, revisores e orientadores:

  • Área: Medicina Vascular
  • Autores: Amanda Barbosa da Cruz
  • Revisor(a): Raquel da Gama Pinheiro
  • Orientador(a): Múcio João Porto
  • Liga: Liga Médico Acadêmica de Cirurgia Plástica do Distrito Federal (LIMACIP-DF)